No meio do caminho

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Peço licença ao meu conterrâneo, o poeta Carlos Drummond de Andrade, pelo uso do título de um de seus poemas mais famosos para falar de um assunto que nada tem a ver com a temática de “No meio do caminho”.

Peço licença também aos leitores que estão mais acostumados a ver por aqui belas imagens, mas esta semana vou relembrar uma cena que me marcou de forma negativa, mas que serviu para impulsionar meu interesse e engajamento em uma causa que diz respeito a todos nós.

Estava em Bonito em uma viagem bem tranquila, nenhuma ocorrência, e o trabalho seguindo muito bem. Eu e o guia Victor do Nascimento, o Vitinho, estávamos a caminho de um ninho de harpias recém-descoberto na área de entorno do Parque Nacional da Bodoquena.

Seguíamos pela recém asfaltada MS-178 em direção à propriedade onde estava a árvore escolhida pelo casal da maior águia das Américas.

No caminho, o avistamento de uma gavião-pato nos fez encostar para produzirmos algumas fotos e aproveitar para ter um deleite daquela vegetação do entorno da estrada. O asfalto tem dessas coisas: com a possibilidade que dá ao aumento da velocidade também nos oferece menos tempo de olhar para o lado e reparar na beleza da paisagem.

Pois é, além da formosura da vegetação, muitas vezes não nos dá tempo também de frear para algum bicho que passa à nossa frente. E foi justamente o que aconteceu alguns minutos depois da nossa parada.

Logo após avistar uma carreta encostada na margem direita da estrada visualizamos o tamanduá-bandeira estirado no meio da estrada com o sangue escorrendo por sua boca. O caminhoneiro, com o pára-choque quebrado, estava desolado com a situação.

Eu também fiquei chocado. Já tinha fotografado diversos animais mortos às margens de rodovias Brasil à fora, mas aquele tamanduá ainda tinha um resto de vida em seus olhos. Arrastamos seu corpo ainda quente para fora da estrada tentando evitar mais um acidente. Seguimos nosso caminho, mas o sentimento que eu carregava quando saí da cama pela manhã tinha mudado totalmente.

Diante de toda beleza que tinha vivenciado durante aquela viagem, ficou o horror e o sentimento de impotência diante das atrocidades às quais a nossa fauna é submetida diariamente pelas estradas brasileiras.

Segundo o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), cerca de 475 milhões de animais morrem atropelados por ano nas rodovias de todo o país. Seria o mesmo que dizer que, a cada 15 segundos, um animal selvagem perde a vida. E isso acontece por imprudência dos motoristas, falta de sinalização adequada e de ações mais efetivas para sua proteção – afinal, as estradas passam pelas casas deles. O centro, citado acima, mantém um “atropelômetro” na home do seu site. É assustador!

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João Marcos Rosa

Formado em jornalismo, o fotógrafo João Marcos Rosa se especializou em registrar temas ligados à vida selvagem e à conservação, trabalhos que o levaram a correr o mundo atrás de boas e fascinantes histórias. Colabora com as revistas National Geographic Brasil, BBC Wildlife, GEO e Terra Mater. Autor dos livros “Harpia” e “Fauna de Carajás”, vive em Nova Lima (MG) e é um dos sócios da agência Nitro Imagens.