Elas não sonham com os salários bilionários dos jogadores de futebol pelo mundo, mas já celebram conquistas importantes desde que a prática do esporte foi liberada para as mulheres, em 1979. Não foi à toa que, para ilustrar este post, escolhi não só a imagem fora dos padrões da Fifa – em que as jogadoras aparecem com as pernas cruzadas -, mas a tradução visual linda do designer ativista Gladson Targa. Uma homenagem do artista para as 23 brasileiras da Seleção de Futebol Feminino que, no dia 9, farão seu primeiro jogo contra a Jamaica. “Escolhi essa imagem por quebrar o protocolo e troquei o fundo pela cor lilás, que representa o feminismo”, contou ele. No meio do texto, reproduzo as fotos oficiais.
Os avanços contra preconceitos e desafios não são pequenos. Demorou, mas neste ano, por exemplo, será realizada, pela primeira vez, a maior cobertura da mídia sobre a Copa Mundial de Futebol Feminino. Os jogos do Brasil serão transmitidos ao vivo pela TV aberta, em quatro canais. E, a partir de hoje, 7 de junho, primeiro dia da competição, dois canais da TV a cabo farão a transmissão de todos os jogos. E isto por que? Porque os anunciantes resolveram investir em espaços na TV para divulgação da modalidade. Inédito!
É muito importante que a imagem das mulheres atletas do nosso futebol se espalhe pelos lares de milhões de brasileiros, para criar vinculo, afeto, envolvimento com a modalidade e garra pra torcer. E elas estão empenhadas em propagar seus talentos, que passam por uma nova fase no país.
Afinal, a equipe tem Marta (camisa 10 e Embaixadora da Boa Vontade da ONU), Cristiane e Formiga no time. Nesta Copa, Marta pode se tornar a maior artilheira das Copas em geral – isto é, entre homens e mulheres – porque já fez 15 gols nesta temporada contra 16 do alemão Klose. Formiga está em sua sétima Copa. Não é pouco. E, Cristiane está se despedindo dos campeonatos mundiais.
As três ajudaram a escrever a história do Brasil no futebol feminino, cada uma a seu modo. São mulheres que enfrentam preconceitos e muitos desafios para manter o time coeso e forte, com atletas de alta performance. Mulheres que foram antecedidas por atletas como Sissi, Tafarel, Pretinha, Fanta, entre outras que desenharam o futebol em seus corpos e impulsionaram a modalidade no país.
Marta, Cristiane, Formiga e as outras 20 atletas da seleção brasileira feminina honram duas medalhas olímpicas e o vice-campeonato na Copa do Mundo da China, em 2017, quando perderam para a Alemanha. Isto, sem incentivo algum, é bom que se lembre.
Uma história linda! Por isso, coloque os jogos da seleção brasileira na agenda e vamos torcer!
“Coisa de homem“
Durante quase 40 anos, a prática do futebol feminino foi proibida no Brasil. Na verdade, o decreto assinado pelo presidente Getúlio Vargas,em 14 de abril de 1941, em plena ditadura do Estado Novo, declarava que os esportes iam contra a “natureza faminina”. Isso corroborado por médicos, sem definir quais modalidades eram proibidas.
O texto dizia assim: ”… às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportosbaixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.
Nos anos 30, há relatos de mulheres presentes nos campos e nas arquibancadas. Grupos se organizavam para torcer por seus times preferidos, em que jogavam só homens. Era uma paixão! Daí para o desejo de atuar em campo e não só na torcida, foi um pulo.
Mas, aos olhares masculinos, o esporte de contatoque levava os praticantes a correr atrás de uma bola para chutar a gol era violento demais, algo inaceitável para uma mulher, que era bela, delicada, frágil… do lar.
Para eles, tal esporte colocaria seu corpo em risco.Elas poderiam tomar cotoveladas em várias partes do corpo,inclusive nos seios, e ficar inférteis e sem poder amamentar.A ideia que se reforçava na época era a de que as mulheres deveriam “cuidar da família e criar filhos fortes para a nação”. Mas, me diz: alguém frágil gesta, carrega um ser por nove meses em seu ventre e depois “dá à luz” um filho?
O fato é que, por quase quatro décadas, com a proibição da prática de esportes, em especial o futebol, foram eliminadas quaisquer chances de atletas mulheres se profissionalizarem. E, assim, o futebol foi totalmente criminalizado para elas.
Óbvio que isto não quer dizer que, durante esse período, as mulheres ficaram sem jogar. As mais apaixonadas, sempre que tinham alguma oportunidade, corriam atrás da bola e de gols de forma clandestina, arriscando-se a passar por alguma repressão moralista e machista.
Em 1965, já sob ditadura militar, foram declarados os esportes proibidos para as mulheres: futebol, polo aquático, halterofilismo e beisebol. Nesse período, quando desobedeciam, as mulheres eram presas. E se iniciaram casos de assédio moral: as atletas eram ridicularizadas e humilhadas.
Mas isso não era privilégio das brasileiras. Em outros países, como Inglaterra e Alemanha, o futebol também era proibido para as mulheres, até que, nos anos 70, foi criada a Federação Internacional do Futebol Feminino.
Por aqui, somente em 1979, o decreto de Vargas foi revogado, mas o futebol não foi rapidamente disseminado e desenvolvido entre as mulheres. A ideia de que esse esporte não era para elas ficou muito arraigada na cultura brasileira, mas não relacionada à proibição feita pelo governo. Foi fácil esconder essa realidade ao admitir que o corpo da mulher não era combatível com tal prática. Por isso, pouca gente sabe que foi o governo de Getúlio que propagou tal infâmia. E naturalizou-se a questão.
E claro que os quase 40 anos de proibição deixaram marcas profundas, resquícios que persistem até hoje. É resultado dessa lacuna a falta de incentivo à prática do esporte, além de condições de trabalho menos dignase a falta de patrocinadores. Mas as lutas foram tantas, que agora já podemos celebrar algumas das conquistas obtidas até agora.
Como se poderia imaginar que, hoje, assistiríamos à Copa Feminina de Futebolpela TV aberta porque alguns patrocinadores aderiram à essa causa, acreditam na força das mulheres, na importância de sua visibilidade ou que esta rende curiosidade e telespectadores, portanto, possíveis consumidores para suas marcas?
Historicamente, foi em 2015 que a situação começou efetivamente a mudar. Para o site Huffington Post Brasil, a historiadora Giovana Capucim e Silva – autora do livro ‘Mulheres Impedidas: A proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo’ – lembrou de dois marcos importantes nessa trajetória: o segundo lugar na Copa da China, em 2017, na qual perdeu para a Alemanha, país que já tem dois títulos mundiais. Também o movimento sutil de mulheres que querem contar histórias de mulheres e, ao mesmo tempo, a iniciativa da ONU que convidou a jogadora brasileira Marta para ser uma de suas Embaixadoras da Boa Vontade, como já citei acima.
Estas foram ótimas projeções para as mulheres e ajudaram a disseminar a prática de um esporte que, até pouco tempo tempo, era “coisa de homem”. Força para as meninas da Seleção!
Acompanhe notícias sobre a Seleção Feminina e a programação dos jogos.
Fontes: CBF, Huffington Post, Folha de São Paulo
Imagens deste post: ilustração de Gladson Targa sobre foto oficial da CBF e fotos Divulgação/CBF
Vejo algumas ações importantes para dar visibilidade à Copa Feminina de Futebol e que vão no sentido de equiparar as duas copas: algumas empresas como a Avon e a Creditas e para a minha surpresa a Prefeitura de São Paulo, estão liberando os funcionários ou colocando telões nos horários dos jogos da seleção do Brasil . Isto no atual contexto político é um grande avanço.