Mordendo a chuva

BANQUETE DE MIGALHAS

Um tronco instável. Será derrubado, sabemos.  Ou… Olha melhor! Não seria uma perna e um pé que precisam da bota do senhorio para se manter oprimidamente em pé? Um par de pernas que trabalhou no garimpo da quase obra de marcos zacaríadesexaurida Chapada Diamantina? Que foi atrás do desejo de uma vida melhor trabalhando nessa vida dura e insalubre que é a mineração de diamantes?

É Marcos Zacariades. A alma do artista baiano deve ter penado para construir essas obras que nascem da desconstrução do ambiente. Tanta coisa para desconstruir, tanto conceito para cair, tanto absurdo que somos obrigados a absorver e essa gente desconstroi logo o primordial, o primário, o necessário para sobrevivência.

O que faremos só com os fragmentos, com o pouco que restar dos atentados sucessivos contra natureza? Que tentativa é essa de conjugar saltos e solas chiques com a vida miserável, sem chuva, que resta depois da queimada na floresta? Ideias e ideais: concatenem-se! Fraturas ambientais hão de se conciliar com o quê? Com quem?

As tentativas de falsa unidade são frágeis. Cristalizam na tela o nosso desejo de explodir a máquina de escrever.  De acabar com as notícias digitadas diariamente de destruição sem precedente. Tanto dito nos jornais, para não dizer nada nesse jogo silencioso de fingimento.

Denúncias importantes, sim, porém menores para não mexer em vespeiros que zunem em outros sotaques e que derrubariam a árvore genealógica da elite política e econômica. Discussões com importância relativa para encobrir com fumaça a mídia picada e contaminada. Quis também pisotear (podia?) todas essas máquinas  que você colocou no chão, Marcos. Levantar todo carrossel desse alfabeto num ímpeto só…

obras de marcos zacaríades

Máquinas de escrever pisoteadas: denúncias na mídia são fragmentadas e contaminadas

Ou arrancar tudo que é dente como num jato sempre vivo que desabrocha em pontas dentadas na cadeira dos desdentados. Um chuveiro florido da raiva dos desejos reprimidos.  Uma chuva de emoções represadas. São essas “Coisas Existentes em Função do Desejo”… Nome perfeito para exposição que acontece, em Curitiba, Marcos.

obras de marcos zacaríades

Da cadeira de dentista, jorra uma chuva de dentes

Não há espaço que suporte os dependurados pelo sufoco. A hipocrisia nos assola. E rezamos para um Deus que caiba nos nossos limites. E transformamos belos signos em diabos. E abominamos as ingênuas serpentes que são apenas instinto animal. Isso porque precisamos de Deuses e Diabos. Para amar e temer. Para nos colocar limites. Porque não sabemos quando, nem como parar. Por que não nos aguentamos em pé por nossas próprias pernas.

Olhar para a obra Ordenação, ao lado, deixa isso claro. Com a intenção de clarear ainda mais e corajosamente esse nosso obras de marcos zacaríadesmedo escuro, vou contar uma historinha que vem lá da Índia. Há uma divindade chamada Patanjali.  A imagem que a representa tem uma cauda de três pontas. Sabe o que isso significa lá? As três qualidades fundamentais da natureza. A professora de yoga Márcia Becker diz que “Sattva é a força criativa, da leveza e luminosidade. É a essência que precisa se concretizar. Tamas é a inércia, o obstáculo, o embotamento que retarda o acontecimento. Rajas é a atividade, a mudança que possibilita a manifestação”.

Esse ocidente cristão é o mestre da deturpação… Tisc-tisc. O significado é tão belo e natural. Metáfora para deixar ainda mais palatável: o grão quando brota,  encontra o obstáculo da terra, seu próprio alimento. A mesma terra algoz e ídolo! Um dos fatores que faz a energia se movimentar para que a planta cresça…

Só que as nossas pobres plantas decerto não sabem que vão ter que tentar crescer nessa terra cada vez mais infértil, nesse nosso mundo desequilibrado e perdidamente omisso, ajoelhado para os padrões que o dinheiro compra com os cronometrados e práticos jingles, belas paisagens e bonitos tons de make-up para disfarçar as olheiras das noites mal dormidas pela indigestão do último banquete de conservante e agrotóxico.

Marcos, me empresta a máquina de escrever porque nunca é demais bater em mais essa tecla…  E, se alguém tiver um piano aí, inventa um jingle desses que grude mesmo.  Sobre esse tema eu nunca ouvi. Por que será?


“Coisas Existentes em Função do Desejo”
Data:
 até 24/04
Horário: terça a sábado, 10h às 20h, e domingo 10h às 19h
Local: 
Caixa Cultural Curitiba
Endereço: Rua Conselheiro Laurindo, 280, Centro, Curitiba
Entrada grátis

Fotos: divulgação Marcos Zacariades

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Karen Monteiro

Com arte, tá tudo bem. Se as exposições, peças de teatro, shows, filmes, livros servirem de gancho para falar de questões sociais e ambientais, tanto melhor. Jornalista, tradutora, cronista e assessora de imprensa, já colaborou com reportagens para grandes jornais, revistas e TVs.