Frente parlamentar, Marina Silva, eleitores de Bolsonaro e ministérios do Meio Ambiente e Agricultura contra a fusão

*Atualizado em 02/11/2018

Nem bem foi eleito, e Jair Bolsonaro já começou a mostrar ao que veio, inclusive voltando atrás em sua palavra. Na terça-feira, 30/10, o futuro ministro da Casa Civil de seu governo, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), anunciou que o presidente eleito decidiu manter a ideia de fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Na verdade, sabemos que, com essa fusão, a proteção ao meio ambiente será nula e todas as áreas ainda protegidas serão entregues à destruição.

Antes das eleições (primeiro turno para presidente), foram diversas as organizações que se reuniram para repudiar suas falas contra o ativismo no Brasil. E também porque ele já tinha mencionado essa ideia estapafúrdia, que só poderia ter sido pensada por alguém que não tem o menor conhecimento do assunto ou que tem interesses espúrios e visão limitada.

Durante a campanha eleitoral, pressionado por eleitores e equipe, ele recuou dessa decisão polêmica, que agora foi confirmada e deixou muita gente indignada.

Organizações, ministério e frente parlamentar

No mesmo dia em que sua equipe divulgou a ideia da fusão dos ministérios, o Observatório do Clima (OC), Instituição que reúne organizações da sociedade civil que atuam com meio ambiente e mudanças climáticas, divulgou nota de repúdio à declaração, como publicamos aqui, no site:

“Não surpreende a decisão anunciada nesta terça-feira, 30/10, pela equipe do presidente eleito de levar adiante a proposta de fundir o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura. Com ela, o governo de Jair Bolsonaro antecipa o início do desmonte da governança ambiental do Brasil”, diz o texto.

No texto, a organização destaca o que representa essa fusão, que favorece a bancada ruralista: “O movimento integra uma agenda maior de aliados de Bolsonaro, expressa também neste dia pela pauta prioritária da bancada ruralista: antes do final do ano, pretendem aprovar o enfraquecimento do licenciamento ambiental e o fim das demarcações de terras indígenas. E também destaca o ataque ao ativismo no país que, se o projeto de lei defendido por Magno Malta for aprovado (ele queria votar essa pauta hoje, no Senado), transformará qualquer manifestação em ato de terrorismo.

Ontem, o Ministério do Meio Ambiente divulgou nota de repúdio (veja o texto na íntegra no final deste post), na qual detalha porquê essa medida está fadada ao insucesso – “o novo ministério que surgiria com a fusão do MMA e do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas”-, ressaltando que, dos 2.782 processos de licenciamento que tramitam, hoje, no Ibama (instituto que Bolsonaro ameaçou fechar junto com o ICMBio – Instituto Chico Mendes), “apenas 29 têm relação com a agricultura”.

Ou seja, não faz o menor sentido subjugar o meio ambiente à agricultura. Mas o agronegócio tem grandes interesses nas áreas preservadas, como sabemos.

A carta chama a atenção para o valor da biodiversidade que pode nos levar à uma economia verdadeiramente sustentável: “O Brasil é o país mais megadiverso do mundo, tem a maior floresta tropical e 12% da água doce do planeta, e tem toda a condição de estar à frente da guinada global, mais sólida a cada dia, rumo a uma economia sustentável”.

E termina com um alerta para o risco de acabar com a liderança ambiental do Brasil durante a crise climática que vivemos: “Temos uma grande responsabilidade com o futuro da humanidade. Fragilizar a autoridade representada pelo Ministério do Meio Ambiente, no momento em que a preocupação com a crise climática se intensifica, seria temerário. O mundo, mais do que nunca, espera que o Brasil mantenha sua liderança ambiental”.

A Frente Parlamentar Ambientalista (também conhecida como bancada ambientalista) se manifestou, convocando entrevista coletiva de imprensa no salão do Congresso. Estavam presentes o deputado Alessandro Molon (PSB/RJ), que é coordenador da frente, José Sarney Filho (ex-ministro do Meio Ambiente do governo Temer e deputado pelo PV/MA), Ivan Valente (PSOL/SP), entre outros.

“Vamos tomar todas as medidas legislativas e judiciais possíveis e necessárias para evitar esse enorme retrocesso”, afirmou Molon.

Sarney Filho ressaltou que a medida também não favoreceria nem o agronegócio. “Essa proposta é uma verdadeira tragédia, não só para o Brasil, mas para o mundo. Indica o desconhecimento da biodiversidade do país mais diverso do mundo, não leva em conta o papel do Brasil no combate ao aquecimento global que bate à porta de todo mundo, também desconhece que o próprio agronegócio vai ser prejudicado, porque os nossos concorrentes vão usar esse argumento contra nós”.

Blairo Maggi e Marina Silva contra a fusão

O ministro da Agricultura e Pecuária, o ruralista Blairo Maggi, que já havia se manifestado contra a ideia da fusão durante o segundo turno das eleições, confirmou o que Sarney Filho disse, de acordo com a Agência Brasil. Para ele, 66% do território brasileiro está preservado graças à ação dos produtores brasileiros e o custo para manter as reservas ambientais nas propriedades é usado pelo ministro em viagens internacionais para favorecer os produtos nacionais no mercado global.

Assim como o ministro do Meio Ambiente já havia dito em nota, Maggi também ponderou que a pasta do Meio Ambiente trata de temas que não têm nenhuma relação com o setor agropecuário, tais como energia, infraestrutura, mineração e petróleo. Por isso, seria impossível conciliar todos os assuntos sob um único comando.

A ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata à presidência pela Rede, Marina Silva, se pronunciou em público. “O que está sendo dito, de que vão fazer um rolo compressor em cima dos índios, do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama, do ICMBio, do serviço florestal, do movimento ambientalista…, não sabem o que estão dizendo. Saberiam que o que está sendo dito vai prejudicar exatamente aquilo que eles enganosamente acham que vão favorecer. As barreiras tarifarias serão imensas em cima dos produtos brasileiros”.

E continuou: “Lembro bem, quando eu era ministra, que diziam que a agricultura brasileira só existia em função da destruição da Amazônia. E aí eu mostrava um gráfico que revelava a agricultura subindo, o desmatamento caindo,  unidades de conservação sendo criadas e desmontava todos os discursos de barreiras não tarifárias. Agora eles vão ver o que e1 bom pra tosse. Somos um grupo que não esta apenas defendendo um interesse particular, é o interesses de mulheres, homens, crianças, idosos, empresários, trabalhadores, e todos. Sem água não tem agricultura, sem floresta não tem água, E se nos não tivermos capacidade para o Congresso, de mostrar pra quem tem alguma compreensão do que está em jogo, todos serão prejudicados”.

Eleitores arrependidos

Mas não foram só ambientalistas, ativistas e apaixonados por natureza e conservação que se revoltaram. No Twitter, diversos eleitores – homens e mulheres – escreveram mensagens para Bolsonaro dizendo-se traídos por ele e pedindo explicação.

Pelo visto, eles se preocupam com o tema, mas não leram o plano de governo de seu candidato. Devem ter acompanhado sua campanha apenas pelo WhatsApp e Facebook, onde Bolsonaro disse apenas o que quis e mentiu bastante, como foi denunciado pelo jornal Folha de São Paulo.

Abaixo, reproduzo alguns tweets que encontrei, e os ilustro com um cartoon (de autor desconhecido; se alguém souber quem é, me avise) que traduz, de forma simples, a situação:

– “Votei em vc, mas me arrependi. Vc disse que não uniria mais o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura e mentiu. #decepção”.

– “Espero que o fato de vc fundir o Ministério do Meio Ambiente com o agropecuário seja só boato! Votei em ti e espero que tu honre com honestidade! Começando por respeitar a natureza e os animais. Porque, caso contrário, serei a primeira a ser #forajairbolsonaro”.

– “Sr. Presidente, não faça eu me arrepender do meu voto. Nós, enquanto defensores do meio ambiente, sabemos que é um erro a fusão desses ministérios. Há realmente a necessidade de fazer isso? Há muitas outras opções como corte de gastos. O meio ambiente deve ser prioridade, juntamente com a segurança, educação e saúde. Não decepcione seus eleitores!”.

– “Você mentiu sobre voltar atrás e apoiar a causa ambiental. Lá vem a velha política? Baseada em mentiras e falácias”.

MMA defende protagonismo brasileiro na área ambiental

Eis o texto da nota divulgada ontem pelo Ministério do Meio Ambiente, na íntegra:

“O Ministério do Meio Ambiente (MMA) preparou um detalhado e volumoso trabalho para dar plena ciência de tudo o que tem sido feito na pasta e daquilo que é de nossa responsabilidade à equipe de transição, com a qual pretendemos estabelecer um diálogo transparente e qualificado. Por isso, recebemos com surpresa e preocupação o anúncio da fusão com o Ministério da Agricultura.

Os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm agendas próprias, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências. Exemplo claro disso é o fato de que dos 2.782 processos de licenciamento tramitando atualmente no Ibama, apenas 29 têm relação com a agricultura.

O Brasil é o país mais megadiverso do mundo, tem a maior floresta tropical e 12% da água doce do planeta, e tem toda a condição de estar à frente da guinada global, mais sólida a cada dia, rumo a uma economia sustentável. Protegemos nossas riquezas naturais, como os biomas, a água e a biodiversidade, contra a exploração criminosa e predatória, de forma a que possam continuar cumprindo seu papel essencial para o desenvolvimento socioeconômico.

Nossa carteira de ações abrange temas tão diferentes como combate ao desmatamento e aos incêndios florestais, energias renováveis, substâncias perigosas, licenciamento de setores que não têm implicação com a atividade agropecuária, como o petrolífero, homologação de modelos de veículos automotores e poluição do ar. O Ministério do Meio Ambiente tem, portanto, interface com todas as demais agendas públicas, mas suas ações extrapolam cada uma delas, necessitando, por isso, de estrutura própria e fortalecida.

O novo ministério que surgiria com a fusão do MMA e do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas. A economia nacional sofreria, especialmente o agronegócio, diante de uma possível retaliação comercial por parte dos países importadores.

Além disso, corre-se o risco de perdas no que tange a interlocução internacional, que muitas vezes demanda participação no nível ministerial. A sobrecarga do ministro com tantas e tão variadas agendas ameaçaria o protagonismo da representação brasileira nos fóruns decisórios globais.

Temos uma grande responsabilidade com o futuro da humanidade. Fragilizar a autoridade representada pelo Ministério do Meio Ambiente, no momento em que a preocupação com a crise climática se intensifica, seria temerário. O mundo, mais do que nunca, espera que o Brasil mantenha sua liderança ambiental.

Edson Duarte
Ministro do Meio Ambiente”

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*Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, “o presidente eleito, Jair Bolsonaro, indicou nesta quinta-feira, 1.º, que a fusão dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura deve ser revista. “Pelo que tudo indica, serão dois ministérios distintos”, disse. “Pretendemos proteger o meio ambiente sim, mas não criar dificuldades para o nosso progresso.” 

Foto: Felipe Werneck/Ibama/Creative Commons/Flickr

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.