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“Meu encontro com as baleias jubartes”

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Ei-las! Avistam-se baleias da Praia da Pituba de Salvador?  Vindos do interior, desconfiamos… quá, isso é conversa de pescador! Vai ver uma baleia encalhou. Um casal de amigos, porém, nos incitou. Sim, de Caravelas é possível vê-las! No dia seguinte, o Jornal A Tarde estampou uma reportagem: “Recomeça a temporada de avistamento de baleias na costa da Bahia”.

É isso mesmo! De julho a novembro, é possível avistar as baleias jubartes na costa baiana. Elas viajam por cerca de quatro mil quilômetros, da Antártica, em busca das águas calmas, mornas e profundas do arquipélago dos Abrolhos (extremo sul da Bahia), para se acasalar, dar à luz e amamentar. O filhote nasce, depois de uma gestação de 11 meses. E mamãe permanece, por cerca de quatro meses, sem se alimentar, preparando o filhinho para a longa travessia de retorno.

Perdi o sono e, mentalmente, revi a intensa campanha dos anos oitenta, em defesa dessas baleias. Assustava-me com a golfada de sangue lançada no vídeo da tevê e o apelo final, depois de informar o número de baleias abatidas naquele ano: “E o Senado nem fica vermelho”! Ou seja, os senadores não se envergonhavam diante da matança e demoravam em ratificar a Convenção Internacional de Proteção e Preservação.

Por fim, a sigla da entidade responsável pela campanha. Diabos! Como saber, quem era esse tal de Greenpeace?  Prisca era, ainda distante da computação doméstica, sem CtrlV e sem as ferramentas de pesquisas tão ágeis de hoje. Imagine! Muito antes de se estabelecer no Brasil, o que aconteceu somente depois da ECO/Rio92, o Greenpeace já sacudia o mundo com essa boa nova: a chegada de um tempo em que é crime matar baleias.

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Cantora dos Sete Mares

No final do ano de 1981, as jubartes ganharam dois aliados de peso: Roberto e Erasmo Carlos. O álbum, lançado em dezembro, estourou nas paradas de sucesso com a canção, As Baleias. Assim, o Brasil inteiro passou a cantar em defesa das baleias:

Não é possível que você suporte a barra/ de olhar nos olhos o que morre em tuas mãos/
E ver no mar se debater o sofrimento/ e até sentir-se um vencedor neste momento /
Seus netos vão te perguntar em poucos anos/ Pelas baleias que cruzavam os oceanos/
que eles viram em velhos livros/ ou nos filmes dos arquivos dos programas vespertinos de televisão/
O gosto amargo do silêncio em tua boca/ Vai te levar de volta ao mar e a fúria louca/
Numa cauda exposta ao vento/ Em seus últimos momentos/
Relembrada num troféu em forma de arpão.

Foi assim que pessoas de minha geração passaram a discutir meio ambiente nas escolas, na sala de jantar e nos bares.

Sim, mas e o medo de enfrentar o Atlântico para conhecer essas gigantescas maternidades… mãezonas! Apesar de ter curtido dezenas de vezes, na Sessão da Tarde, O Velho e O Mar, de Ernest Hemingway, venho do Piemonte da Chapada Diamantina, onde o mar se retirou há milhões de anos, deixando apenas tufos da Mata Atlântica, refúgio de cachoeiras. Então, a razão medrosa e estúpida perguntava: Como, se aventurar pelo oceano Atlântico em pleno inverno? “Olha, a puxada de rede nas praias de Salvador terminou em março e já estamos finalizando agosto”… espicaçava o demônio do medo! Insone, fechei o corpo e entreguei a alma à meditação.

A baleia jubarte (Megptera Novaengliae) é, também, chamada de cantora dos Sete Mares. É uma das 12 espécies de baleias existentes no planeta. De comportamento dócil, faz lindas acrobacias, saltando e exibindo a cauda, onde estão registradas suas impressões digitais. Pelo desenho da cauda, os biólogos marinhos conseguem identifica-las. E, são famosas, também, pelo desenvolvido sistema de vocalização. Seu canto melancólico, de sofisticada construção musical, é repetido pelo macho para atrair a fêmea para o acasalamento e, inclusive, indicar a rota de direção ao bando, durante as migrações sazonais.

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Pesquisas recentes têm comprovado o comportamento solidário das baleias jubartes com outras espécies, como o Conexão Planeta contou, aqui, no início de agosto. O fotógrafo Sebastião Salgado conta, em sua autobiografia, que, durante o projeto Gênesis, a baleia que fotografou o acompanhava e, quando ele fez carícias em seu dorso, em momento algum ela pôs em risco a embarcação que, sabidamente, podia afundar com uma virada de sua cauda.

As baleias venceram!

Em dezembro de 1987 foi sancionado o Decreto-Lei 7.643, proibindo sua caça em águas brasileiras. No ano seguinte, foi criado o Instituto Baleia Jubarte, cujo trabalho consiste na sua proteção e preservação, com avaliação do tamanho da população de baleias jubartes que frequentam o banco dos Abrolhos. E também:
– monitorar e fiscalizar o turismo de modo a evitar interferência no processo reprodutivo;
– estudar o comportamento natural das baleias e sua interação com os barcos de turismo da região;
– realizar estudos de bioacústica e análises genéticas;
– desenvolver atividades de informação e educação ambiental;
– registrar e atuar no resgate de cetáceos encalhados ou emalhados nas redes de pesca na faixa litorânea compreendida entre o norte do Espírito Santo e o litoral baiano.

A proteção desses gigantes dos mares consiste, também, no estabelecimento de rotas para as embarcações para evitar colisões desastrosas para as baleias.

Complementando o estuário de proteção legal, a Constituição Federal de 1988 no Título VIII, Capítulo VI, art. 225 dispõe sobre o meio ambiente e estabelece que sua preservação e seu equilíbrio são de responsabilidade do Poder Público e da co-le-ti-vi-da-de. Portanto, todos são responsáveis pela restauração, manutenção e preservação do planeta.

30 lindos e preciosos minutos

No domingo cedo, “picamos a mula” para a Praia do Forte, local mais próximo de Salvador de onde é possível avistar as jubartes. Escolhida a agência, resolvidos os trâmites burocráticos, engolimos um “dramin” para evitar o enjoo e adentramos no Instituto Baleia Jubarte, onde somos recebidos pelo esqueleto de uma imensa baleia. E lá, ouvimos uma palestra necessária sobre o trabalho de preservação da espécie e as regras de segurança exigidas para navegar.

A Praia do Forte fica a 60 quilômetros de Salvador, no município de Mata de São João. E é santuário destinado à preservação das jubartes e das tartarugas marinhas, do conhecido Projeto Tamar. Por isso, a área de preservação não tem píer e a escuna não pode atracar. Assim, depois de vestir os coletes e guardar os equipamentos no compartimento reservado pela tribulação, fomos os últimos a subir no barquinho que nos levou até a escuna, ancorada em alto mar.

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Quem deseja chegar até o berçário de Abrolhos, Caravelas, Alcobaça, Nova Viçosa e Prado, estas são as cidades da zona costeira do extremo sul da Bahia, porto de saída para o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. A importância da preservação ambiental desse Parque é fundamental porque sua barreira de corais é o mais importante criadouro de peixes, que garante o repovoamento das áreas adjacentes, permitindo a exploração sustentável da pesca na região.

Nossa viagem segue. Depois de alguns minutos de navegação, com o mar batendo muito, tive a sorte de alcançar a proa, melhor lugar para avistar e, quiçá, fotografar as baleias. Bem… 30 minutos depois, avistamos uma fêmea com seu filhote, que, com toda razão, não queria visibilidade. A mãe ajudava o filhote a subir para respirar, pois, como mamífero, tem que fortalecer os pulmões. A foto que fiz foi de muito longe, não dá para mostrar.

Mais uma vez, a tripulação da escuna (Instituto Baleia Jubarte) reexplicou as regras de proteção e preservação da Portaria 117/96 do Ibama.  A embarcação deve manter-se a uma distância de 100 metros das baleias, com o motor desligado e evitar impacto. Ademais, o tempo de permanência não pode ser superior a 30 minutos. Assim, vendo que se tratava de uma fêmea com filhote, a ordem foi dar meia volta e tentar avistar em águas mais profundas. Giramos o leme nos distanciando, ainda mais, da costa.

E, quando já retornávamos decepcionados, eis que fomos surpreendidos com um espetáculo divino: um bando de baleias descendo e subindo para respirar. Delírio geral! Abraçada a uma coluna e às cordas da escuna, fotografei num transe febril. A febre durou uma semana. Hoje, revendo as fotos, para ilustrar este texto, vejo que o registro não ficou tão mal… para o primeiro encontro com as jubartes.

Reconexão com nossa porção animal

A história de salvação das baleias jubartes não terminou. Elas estão entre os mamíferos mais ameaçados do mundo. Caçadas desde o século XVII para comercialização do óleo, de uma população de 150 milhões, hoje restam, apenas, 35 mil. O trabalho do Instituto Baleia Jubarte tem dado bons resultados. No ano passado, foram contadas 17 mil baleias em Abrolhos!

Portanto, o apelo de Roberto segue atual:

“Como é possível que você tenha coragem? De não deixar nascer a vida que se faz?
Em outra vida que sem ter lugar seguro/ Te pede a chance de existência no futuro?
Mudar seu rumo e procurar seus sentimentos/ vai te fazer um verdadeiro vencedor/
Ainda é tempo de ouvir a voz dos ventos/ Numa canção que fala muito mais de amor”.

Diferente do ser humano, que vive, feito tonto, se perguntando “de onde eu vim e para onde vou”, todos os demais seres, filhos da Criação, e que vivem livres na natureza, sabem qual é sua missão na Terra. A terra é a quintessência da condição humana, também! E, apesar dos esforços no sentido contrário, sua natureza é singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos uma morada segura, onde pode mover-se e respirar sem esforço, nem artifício. A civilização, todavia, nos separou dos animais, do mundo natural. Des-criamos… trocamos o natural pelo artificial. Sim, é uma civilização da morte!

Ocorre que, pela vida, o homem permanece ligado a todos os outros seres vivos. Todavia, a ciência vem se esforçando para trocar a existência do ser humano, dom gratuito, por algo produzido por ele mesmo, no laboratório! A consequência disso é a perda da capacidade de compreender nosso papel no mundo. Quanto mais “livres da prisão na terra”, mais distantes da natureza, pior para nós!

Exauridos pela vida artificial, porque isolados do mundo natural pelo artifício do concreto, do plástico, do asfalto, dos medicamentos, alienados da nossa porção animal, nos tornamos paranoicos e esquizofrênicos! Assim, o estoque de Rivotril das farmácias não atende à demanda.

Quando, porém, mudamos a rota e nos reaproximamos do mundo natural, com respeito, tudo em nós muda. Preferir um turismo consequente, responsável e sustentável, que faz bem ao corpo e ao espírito, é um passo na direção da reconexão com nossa porção animal. E saber que nossa ação ajuda a salvar espécies ameaçadas de extinção, faz nossas células vibrarem alegremente. A isso se dá o nome de fe-li-ci-da-de, que só se encontra nas horinhas de descuido!

Salvador, 13 de agosto de 2016

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Fotos: Marcia Costa (baleias) / Clara Giannelli (retrato de Marcia)

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Edson Carvalho
Edson Carvalho
7 anos atrás

Anualmente acompanho daqui de meu apartamento, no bairro vizinho ao Pituba citado na primeira frase do texto, o belo espetáculo que Márcia tão bem reproduziu em imagens. O que me faltava, e o que muito me surpreendeu e por isso sou muito grato à Márcia e ao Conexão, era a quantidade e a importância das informações que tal evento representa.

Mônica Nunes
7 anos atrás
Reply to  Edson Carvalho

Edson, querido
Obrigada pelo comentário.
Muito bacana saber que o Conexão Planeta adicionou informações ao seu repertório por intermédio do texto brilhante da Marcia.
Sigamos conectados.
Bj grande

Maria das Graças Queiroz
Maria das Graças Queiroz
4 anos atrás

Amei!
Felicidade é saber que ainda existem seres humanos sencíveis

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