Lixo no paraíso

Maldivas: lixo no paraíso

– Mãe, como esse lixo veio parar aqui?

Fico surpresa ao ouvir meu filho de 13 anos me fazer esta pergunta, já que escrevo sobre este tema há quase uma década. Estamos nas Maldivas, um país formado por mais de 1.190 ilhas de corais, divididas em 27 atóis, espalhadas por 90 mil km2 no Oceano Índico.

Estamos fazendo um passeio de barco e o nosso guia pergunta se queremos parar em uma minúscula ilha inabitada, para explorarmos o local e tomarmos um banho de mar. Aceitamos de imediato, mas ao desembarcar da lancha, o choque. A areia está cheia de lixo, trazido pelo oceano. São garrafas plásticas, embalagens de produtos de limpeza, pedaços de redes de pesca, canudos, sandálias de dedo.

Assim, como outros lugares paradisíacos, que achávamos que ainda estariam protegidos do lixo plástico, as Maldivas não estão. Mesmo estando a milhares de quilômetros de distância da Índia, por exemplo, país continental mais próximo dali.

Por curiosidade, pego algumas das embalagens de garrafas PET encalhadas na areia e busco a procedência. São das Maldivas mesmo, provavelmente comercializadas nas ilhas locais.

Garrafas plásticas, sandálias e embalagens trazidas pelo mar

Mas os habitantes dos atóis sabem que precisam combater este problema. Há já bastante tempo, a pesca deixou de ser o principal meio de subsistência da população das ilhas. O turismo tomou seu lugar e é responsável, atualmente, por movimentar a economia do país. E o povo daqui tem plena consciência de que lixo espanta turistas. Com praias poluídas não haverá diversidade de vida marinha, e sem ela, acaba-se o turismo de natureza: passeios de barcos, mergulhos, snorkeling …

No hotel em que fiquei, por exemplo, diariamente funcionários recolhem lixo que chega na areia e depois encaminham para um centro de reciclagem. Durante as refeições, nada de garrafas plásticas de água, apenas de vidro, que são reutilizadas o tempo todo.

Outro resort, o Soneva Fushi, foi o primeiro das Maldivas a implantar um programa de reciclagem na própria ilha. Atualmente a rede já consegue reciclar 90% de seus resíduos localmente. Para a cadeia de hoteis, lixo é um investimento e não desperdício.

Entre as iniciativas criadas pelo programa de reciclagem do Soneva está a compostagem dos resíduos orgânicos, utilizados como fertilizante em hortas. A produção de alimentos locais, principalmente num arquipélago distante de tudo, como as Maldivas, reduz os gastos com transporte e a emissão de carbono na atmosfera.

Outros trabalhos realizados no resort são o reúso de isopor em blocos de construção e a transformação de vidros reciclados em objetos de arte, inclusive com resíduos enviados por outras ilhas. A cada mês, entre 500 e 1 mil kg de vidro são coletados, lavados, triturados e derretidos no Glass Studio do Eco Centro.

Peças produzidas com vidro reciclado no hotel Soneva, nas Maldivas

Apesar de ter banido garrafas plásticas de água desde 2008, ainda assim existe o descarte de outras embalagens deste mesmo material no Soneva Fushi. Por isso, há um programa de reciclagem de plástico, o “Precious Plastic”. Utilizando uma máquina simples, funcionários e hóspedes do hotel participam de atividades para dar vida a novos objetos, como potes de flores, vasilhas e até, brinquedos para crianças.

Ao saber de todas estas iniciativas e comprometimento ambiental, o choque com o lixo na areia fica um pouquinho menor. Mas sabemos que só conseguiremos mesmo diminuir o impacto ambiental do plástico, e que ele chegue até paraísos como as Maldivas, quando começarmos a proibir e reduzir o seu uso.

Plástico, uma praga que polui os quatro cantos do planeta

 


Fotos: arquivo pessoal e divulgação Soneva Fushi

Deixe uma resposta

Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.