Mais um líder indígena da etnia Guajajara é assassinado no Maranhão

Zezico Rodrigues Guajajara era um dos líderes da Terra Indígena Araribóia, professor há 23 anos e diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Azuru. Esta semana, em 31/3, seu corpo foi encontrado na estrada da Matinha, próximo à aldeia Zutiwa, onde morava, no município de Arame. Ele retornava à aldeia, em uma motocicleta, quando foi alvejado por um tiro de espingarda, mas ainda não se sabe o motivo do crime e quem o executou. Na véspera do crime, ele assumiu a Coordenação da Comissão dos Caciques e Lideranças da TI Arariboia (CCOCALITIA)

Zezico é praticamente o quinto indígena da etnia Guajajara assassinado em cinco meses. O primeiro foi Paulo Paulino Guajajara, morto com um tiro por madeireiros, em emboscada, em 1o. de novembro de 2019. Ele integrava o grupo Guardiões da Floresta, que protegiam a TI Araribóia de invasores, e estava na companhia de Laércio Guajajara, que ficou ferido e passou a receber ameaças: sob orientação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Governo Federal, deixou a aldeia. E, assim, Zezico se tornou a principal voz contra os ataques de madeireiros ilegais na região. De acordo com reportagem do El País, as queimadas criminosas são muito frequentes em sua aldeia.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, recebeu pedido de proteção dos Guardiões da Floresta antes da morte de Paulino, revela reportagem do site Amazônia Real, na qual o líder Zezico denunciou: “Ao longo desse período, perdemos os guerreiros sem punições dos matadores. A Funai sabe toda a história, mas também sempre acobertou os casos, ou seja, não pediu maior investigação. Assim, os madeireiros foram pegando fôlego, devido não existir punições dos crimes”. E acrescentou: “As ameaças são quase contra todos nós, lideranças e caciques. O governo nunca tomou providências”.

Como resposta à tanta violência, o governador Flavio Dino (PCdoB) decretou a criação da Força Tarefa de Proteção à Vida Indígena (FT-VIDA), “para auxiliar os órgãos federais em dificuldades e para atender emergências em terras indígenas”, como explicou na ocasião.

Sua intenção foi boa, mas, no início de dezembro, morreram mais três indígenas: os caciques Raimundo Benício Guajajara, 38 anos, e Firmino Praxede Guajajara, 45 anos, foram executados numa rodovia, entre as aldeias Boa Vista e El Betel, a 506 quilômetros de São Luís, no município de Jenipapo dos Vieira, e outros dois ficaram feridos: Nelci Olímpio Guajajara e Nico Alfredo Guajajara, quando voltavam de uma reunião com a Eletronorte.

Dias depois, o jovem Dorivan foi encontrado morto e esquartejado na cidade de Amarante, no Maranhão. Na época, Sonia Guajajara, liderança indígena e coordenadora executiva da APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil alertou: “Estamos num campo de batalha”.

Zezico escreveu carta para a Funai para denunciar ameaças

A escalada da violência contra os indígenas é intensa no Maranhão. E, como relata o jornalista Rubens Valente, em seu blog no UOL, em janeiro, a Funai tinha sido comunicada que Zezico estava sendo ameaçado. Com um detalhe: por outros indígenas da região. O professor pediu apoio da instituição por meio de carta. Ele e parentes pediam um veículo para poderem ir à Polícia Federal de Imperatriz registrar Boletim de Ocorrência.

Eis um trecho da carta: “No dia 15/01/2020, um grupo de indígenas da mesma aldeia foram até a residência do sr. liderança, Zezico Rodrigues Guajajara. Os quais foram armados para cometer crimes de homicídio contra a liderança. Na ocasião um deles sacou de uma faca para tentar esfaquear um dos líderes de jovens e um jovem que tentou defender o outro. Sendo que essas ameaças já vinham sendo anunciadas há dias pelos mesmos, tanto contra o líder Zezico, como contra atuais lideranças, onde afirmam que enquanto não praticarem o assassinato não descansarão”.

É importante ressaltar que esse tipo de ameaça a lideranças é feito certamente por indígenas cooptados por madeireiros, garimpeiros e grileiros. Não se trata de briga entre aldeias ou etnias.

Os Yanomami, em Roraima, sofrem com essa situação há muitos anos: hoje, suas terras estão invadidas por cerca de 20 mil garimpeiros, e eles têm feito grandes esforços para lutar contra os invasores e recuperar os jovens que debandaram de suas aldeias. A produção de chocolate é uma das formas encontradas.

O governo e a cobiça pelas terras indigenas

No Twitter, o governador Flávio Dino (PCdoB) lamentou a morte e destacou que a Secretária de Segurança fez contato com a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF), oferecendo o apoio do Governo do Estado “para auxiliar o governo federal na segurança a indígenas em suas terras”.

O Amazônia Real relatou que a assessoria de imprensa da Polícia Federal no Maranhão enviou nota à reportagem dizendo que “a Polícia Federal foi acionada e irá apurar os fatos por meio da abertura de um Inquérito Policial”. Já a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça não respondeu se o órgão ou o ministro Sérgio Moro iriam comentar sobre o caso. Sobre o pedido da Força Nacional de Segurança Pública, a assessoria do MJ se limitou a dizer que “não chegou nenhuma solicitação de apoio”.

A gente sabe que Bolsonaro nunca escondeu seu interesse pelos recursos naturais das terras indígenas, desde a época em que era um réles deputado federal. Em campanha presidencial, afirmava que os indígenas não teriam um centímetro de terra a mais, com demarcações. E, desde que assumiu a presidência, defende a liberação dessas terras para exploração econômica.

Sua postura em relação ao crescimento do desmatamento e aos incêndios florestais (boa parte fruto de queimadas criminosas) na Amazônia apenas reafirmou esse pensamento. E sempre que tem uma oportunidade, ele diz que pretende fazer regularização fundiaria nessa região, o que poderia favorecer a legalização de terras invadidas. Ninguém pode reclamar que ele “escondeu o jogo”. Foi sempre – e é – muito claro.

Em janeiro, o presidente declarou, mais uma vez, sua ideia estapafúrdia de integração desses povos: “Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombola. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”. Bem se vê que não está nem um pouco interessado no bem estar desses povos.

O desmonte da política indigenista tem sido estratégico para fortalecer suas intenções. O abandono da Funai – hoje, presidida pelo delegado evangélico Marcelo Augusto Xavier da Silva – é um fato, o que coloca em risco ações judiciais que discutem a permanência dos povos em terras sob litígio e fragilizar, cada vez, a demarcação de terras. Já em meio à pandemia de coronavírus, Silva anulou a demarcação da Terra Indígena Guasu Guavira, no Oeste do Paraná.

Sem ações de fiscalização, a invasão de terras demarcadas e consolidadas também é um fato: os maiores exemplos nesse sentido são as terras indígenas Araribóia, no Maranhão, Karipuna, em Rondônia, e Raposa Serra do Sol e dos Yanomami, em Roraima.

Desde 2000, 49 indígenas Guajajara assassinados

“Com o assassinato de Zezico Rodrigues, o número de homicídios registrados contra indígenas do povo Guajajara, desde o ano 2000, chega a 49 – sendo 48 deles no Maranhão e um no Pará, conforme dados do Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil“, diz o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em nota divulgada em seu site.

“A situação vivenciada pelo povo Guajajara é trágica e exemplar em relação ao contexto de vulnerabilidade a que muitas comunidades indígenas estão expostas em todo o Brasil – mesmo as que vivem em terras já demarcadas e, em tese, contam com a proteção do Estado”.

Em seu perfil no Facebook, o sempre atento Caetano Scannavino, do Projeto Saúde e Alegria, de Alter do Chão, comentou: “Ontem, acabaram com o vida de Zezico Guajajara. Desde novembro, a média é de uma liderança indígena assassinada por mês, foram cinco mortes só na TI Araribóia. A imagem (abaixo) fala por si só: todo sufoco de cerca de 7 mil Guajajara e dos Awá-Guajá (que vivem em isolamento voluntário nessa terra) em permanente ameaça por madeireiros, grileiros, garimpeiros. Isso não parou!”.

Foto: Divulgação/CIMI

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.