Lágrimas do Rio Doce

rio doce

Quando ouvi pela primeira vez sobre a notícia do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, perto de Mariana, em Minas Gerais, inicialmente acreditei que não haveria um impacto de grandes proporções, pois a imprensa noticiava que nem chegaria ao Rio Doce. E se atingisse, seria apenas a mudança de cor da água e que aquilo se diluiria.

Porém, nas mídias sociais, comecei a encontrar vídeos de pescadores, gravados com celulares, de animais morrendo em uma quantidade assustadora. Fiquei incomodado com a discrepância das informações.

Para averiguar por mim mesmo o impacto do crime ambiental, fui até às margens do Rio Doce, através do projeto “Lágrimas do Rio Doce“, de nome criado posteriormente, para tentar mostrar, de forma independente, a realidade e as consequências do desastre que iniciou-se em Bento Rodrigues e afetou grande parte da extensão do rio no estado e também no Espírito Santo.

Eu e minha equipe realizamos expedições emocionalmente desgastantes, percorrendo as margens do rio, já previamente castigadas pela destruição de quase todas as suas matas ciliares, assoreamento, ocupação desordenada e poluição. Foram várias viagens: uma incursão três dias após o início da tragédia, outra passadas duas semanas – quando registrei a imagem que abre este post, que mostra o contraste das cores do Rio Doce com a vegetação da margem, fazendo uma analogia com a bandeira brasileira

Novamente, 30 dias depois, estivemos na região e mais recentemente, após nove meses da tragédia, subimos de Regência à Mariana, entrevistando personagens envolvidos na tragédia, de políticos a pescadores.

Mais recentemente, em novembro, fui às margens do Rio Doce, quando se completou um ano de tragédia. Com a cheia do rio trazida pelas chuvas comuns nessa época do ano, o rejeito tóxico depositado no fundo do rio voltou à tona, deixando a água novamente com a cor avermelhada e matando peixes e outros seres marinhos.

Conhecemos histórias bem impactantes, desde o bom até o muito ruim. Muitos focados em ajudar, porém, nos entristecemos com situações onde gananciosos inescrupulosos fazem a situação ficar ainda pior, com foco em objetivos egoístas. As fotos que apresento aqui, mostram um pouquinho do que vivemos no decorrer destes doze meses após a tragédia, constatando que pessoas e animais continuam sofrendo. E que nossa sociedade, em todas as esferas, está longe de ser capaz de lidar com grandes desastres.

Meu objetivo como fotógrafo de natureza e conservação é de, através de cada imagem, contar histórias com o poder de gerar reflexão sobre o perigoso caminho pelo qual nossa sociedade está trilhando. Para mim, habituado a fotografar o belo, foi um desafio fazer imagens interessantes e “bonitas” em uma situação tão triste.

Como cidadão capixaba, apaixonado pela natureza, a cada expedição ao local, volto para casa com um pedacinho da alma faltando! Uma frase, que pensei durante o projeto, se destaca em minha mente sempre que revejo as imagens que fiz por lá: “É difícil fotografar com lágrimas nos olhos!”

Saiba mais sobre o projeto Lágrimas no Rio Doce no site da Últimos Refúgios e na página do Facebook da iniciativa#eunaoesqueci

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Triste lembrança de uma tragédia que matou pessoas, bichos e para muitos levou um pedaço da alma.
Registro feito quase nove meses após o início da tragédia 

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Não foram só os peixes que morreram com a tragédia. Camarões, moluscos, aves e mamíferos também pereceram. Na foto acima, um marreco pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis) morto

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Um ano após a tragédia, com a cheia do rio, o rejeito depositado no fundo voltou à tona, deixando a água mais uma vez avermelhada e provocando novas mortes

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Leonardo Merçon

Fotógrafo de natureza e conservação, é fundador do Instituto Últimos Refúgios, ONG sem fins lucrativos que busca sensibilização ambiental através da cultura, em especial, fotografias e vídeos. Leonardo já realizou diversas exposições no Brasil e também na Alemanha, Itália e França. Tem cinco livros publicados, quatro documentários em vídeo, séries para TV/Youtube e matérias veiculadas na BBC, National Geographic Brasil, Fantástico, Google Arts & Culture