“Jogar algo no lixo não significa que nossa responsabilidade está terminada”

“Jogar algo no lixo não significa que nossa responsabilidade está terminada”

Tia Kansara fala com paixão sobre aquilo em que acredita. Especialista em sustentabilidade, é sócia-fundadora da Kansara Hackney, primeira consultoria de estilo de vida sustentável do Reino Unido. Sua empresa trabalha junto com governos e empresas para criar projetos que harmonizem os interesses destas corporações aos das pessoas e do meio ambiente.

Palestrante internacional, Tia estará no Brasil, participando do congresso Smart City Expo, que será realizado entre os dias 28/01 e 01/03, em Curitiba.

Com diversos livros publicados, Tia escreveu “Replenish”, ponta-pé do projeto Replenish Earth, uma métrica econômica que busca, essencialmente, o desenvolvimento mais sustentável, que não leve os recursos naturais do planeta à exaustão, mas pelo contrário, consiga devolver à Terra aquilo que ela nos fornece de maneira gratuita e generosa. Na prática, esta métrica analisa nosso impacto positivo sobre o meio ambiente.

Em entrevista ao Conexão Planeta, a consultora falou mais sobre o Replenish Earth, cidades sustentáveis e o poder do cidadão em mudar hábitos, comportamentos e governos.

O que é o conceito do Replenish Earth?
Replenish Earth é sobre a nossa relação com o ecossistema. Aprender com a natureza como viver, trabalhar e se divertir, sem gerar resíduos. Estou falando de uma perspectiva mais ampla de “resíduos”. O que quero dizer é sobre qualquer resíduo negativo, degradante e “venenoso” ao meio ambiente, ao espaço confinado de que chamamos de “casa”.

Como o conceito foi criado?
Ele é uma métrica sobre nosso impacto positivo sobre o meio ambiente. Já temos algumas, como a pegada de carbono, que analisa nosso impacto negativo. Então, o que devemos medir quando nosso impacto é positivo? Quando comecei o Replenish Earth, percebi uma oportunidade de enfrentar nossos desafios globais de desperdício com amor, no lugar de culpa e medo.

Quando a ideia surgiu?
Em 2014, enquanto eu tentava descobrir como juntar meus interesses em economia e em nossos ambientes construídos. Descobri que ambos são sistemas criados com base em filosofias ultrapassadas. Por exemplo, construímos cidades que tiram mais do meio ambiente do que a sua própria capacidade de renovação. Economias e cidades são plataformas dependentes dos ativos globais do planeta Terra. A pergunta é: se dependemos do ar para respirar, comida para se alimentar e do abrigo para viver, como podemos devolver ao planeta aquilo que eles nos dá? Estamos prontos agora para juntar os pedaços, ajustar nossas expectativas e nos posicionar com humildade sobre as questões da resiliência climática?

Na prática, como funciona a métrica do Replenish Earth?
Você pode aplicar o Replenish Earth em sua startup ou projeto, usando o Replenish Business Model Canvas, em que perguntas específicas irão guiá-lo ao identificar se o seu produto ou serviço atingirá seu objetivo, ao mesmo tempo em que terá um impacto positivo sobre o meio ambiente. É possível aplicar o mesmo modelo para governos, prefeituras, residências ou negócios, que assim podem ser certificados com o Replenish Earth.

Ele já é utilizado?
Sim. O Replenish Business Canvas Model foi lançado, em 2015, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), e desde então, aplicado em três outras universidades do mundo. Também foi utilizado pelo governo do Butão e no seu indicador de Felicidade Interna Bruta (FIB), que analisa o bem-estar da população. Diversas cidades também já empregaram o plano de transição governamental do Replenish Earth, entre elas, Melbourne (Austrália), Ahmedabad, Surat, Goa (Índia), Lisboa e Portugal. Mais recentemente, Tóquio e Los Angeles.

Como uma pessoa pode usar a métrica em sua vida diária?
Pare de gerar lixo imediatamente. Pesquise a origem do produto que você compra e onde ele será descartado, depois de utilizá-lo. Tenha certeza de que ele é reciclável, eco-friendly, orgânico – tenha consciência do impacto ambiental dele quando o compra. Seu dinheiro é um investimento no sistema. E também na sua saúde.

A senhora afirma que a economia circular é o caminho a ser seguido. Mas, infelizmente, ainda estamos atrelados a uma economia de consumo, que nos faz acreditar que se comprarmos mais, seremos mais felizes. Quão distantes ainda estamos da economia circular?
Chega uma hora em que precisamos ser responsáveis pelas informações que nos são dadas. Não podemos continuar a culpar os “outros” – sejam empresas, cidades, escolas ou nossos pais. Quebre este ciclo vicioso. Exija de maneira diferente. Se permita fazer a mudança. De um mês a um ano, você pode viver um estilo de vida que seja Replenish-friendly. Recicle tudo, eliminando seus hábitos de consumo antigos. Depois de fazer isso, você se sentirá melhor, você viverá melhor e estará mais alinhado com seus próprios valores. Quanto tempo isto irá levar? Quanto tempo você vai demorar?

Como a tecnologia pode nos ajudar na transição para um modo de vida mais sustentável?
As plataformas que estavávamos esperando já chegaram. Não precisa ir mais longe do em Blockchain*, que nos permite testar uma economia compartilhada usando a transparência de dados.

Como podemos viver em mais harmonia com a natureza nas grandes cidade, como a senhora sugere? Ainda há mudanças possíveis em cidades como São Paulo, Nova York ou Nova Deli?
Só percebemos o impacto dos aterros sanitários adiando a inevitável pergunta sobre o lixo – escondendo-o até que não seja mais possível fazê-lo. A poluição do ar em Deli é insuportável, o trânsito em São Paulo, assim como em Nova York, é um desperdício de tempo da população. Mudanças imediatas exigem, por exemplo, que não é possível esconder o lixo. Nossos péssimos hábitos requerem que admitamos que somos responsáveis, precisamos agir e uma atitude de “vamos consertar”. Jogar algo no lixo não significa que nossa responsabilidade está terminada. Iniciativas lideradas pela comunidade são as mais efetivas. A cidade unida é sempre mais forte.

A senhora poderia dar exemplos de cidades que estão conseguindo se tornar mais sustentáveis e em harmonia com a natureza?
Surat, na Índia. O primeiro-ministro Paatil lançou um projeto de moradia sustentável na área de Chikhli. Ele tem um impacto profundo na vida de 30 mil pessoas, que estão conectadas com outros vilarejos próximos. O projeto fornece casas de baixo custo e acesso à educação para crianças que até então não o tinham. Em Havana, Cuba, a agricultura urbana tem dado uma oportunidade incrível aos locais para criar reservas alimentares na cidade, onde muitas pessoas ainda recebem comida através de um sistema criado pelo governo.

*Este será o tema da palestra de Tia Kansara em Curitiba – Blockchain x Replenish Earth 


Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.