Jardineiro com câncer terminal leva Monsanto, fabricante de agrotóxicos, a julgamento na Califórnia

Em 18 de junho, próxima segunda-feira, se tudo correr bem, o jardineiro californiano DeWayne Johnson, de 46 anos, entrará para a história como a primeira pessoa física que processou e conseguiu condenar a fabricante internacional de sementes, transgênicos e agroquímicos Monsanto, comprada pela Bayer este ano. Este é um desejo forte, não só meu, mas de milhares de pessoas pelo mundo já que esta indústria produz e comercializa alguns dos maiores venenos causadores de câncer e outras doenças como Parkinson, diabetes e Alzheimer.

Ou seja, apesar de seus representantes negarem de forma veemente, ela é responsável pela morte de muita gente. E um dos venenos mais conhecidos e temidos que fabrica é o herbicida RoundUp, que tem como princípio ativo o glifosato, já banido de países na Europa – principalmente para uso em locais públicos (jardins, parques e praças) e também em algumas plantações. Ele é utilizado para matar ervas daninhas e gramíneas que competem com a plantação e está por toda parte, inclusive na água que bebemos.

É justamente por causa desse produto que Johnson entrou na justiça contra a Monsanto . Ele não tem muito tempo de vida – está com câncer em fase terminal, atribuído ao uso constante de Roundup nos jardins das escolas onde trabalhou, na cidade de Benícia, no condado de Solano, na Califórnia. E não quer morrer sem ver a empresa condenada e proibida de comercializar o veneno.

Em 2012, ele começou a trabalhar como jardineiro e aplicou esse herbicida em jardins de escolas (imagina!!) até 2015, quando teve que parar de trabalhar por causa do sintomas do câncer – tipo linfoma não-Hodgkin -, diagnosticado em 2014. Em novembro, já desenganado e com mais de 80% de seu corpo coberto por lesões, iniciou novo tratamento que oferece melhoras em alguns momentos, mas não impede que ele sinta muito cansaço, nem o livre da morte prematura.

A sorte de Johnson foi encontrar um juiz, Curtis Karnow, que acolheu a denúncia em maio deste ano e compreendeu a urgência dessa condenação. Rapidamente, emitiu uma ordem determinando que o julgamento seja realizado logo e que os jurados considerem não apenas as evidências científicas relacionadas às causas do câncer de Johnson, mas também o fato de que a Monsanto suprimiu as evidências dos riscos causados por seus produtos, ocultando dados dos reguladores e do público. Para ele, é certo que o júri poderá considerar tais danos como passíveis de uma ‘bela’ punição.

Segundo o jornal britânico The Guardian, Karnow escreveu: ““A correspondência interna apontada por Johnson pode ajudar o júri a entender que a Monsanto tem conhecimento de que seus herbicidas à base de glifosato são carcinogênicos … mas tem continuamente procurado influenciar a literatura científica para evitar que tais evidências atinjam a esfera pública, reforçando suas defesas em ações de responsabilidade sobre tais produtos”.

A falta de ética é tão grande – além da crença na impunidade -, que a Monsanto chegou a divulgar em campanhas que, à mesa, o RoundUp é mais seguro que sal. Mesmo com o parecer da Organização Mundial de Saúde, que o considera um cancerígeno em potencial. E também com a declaração, em 2015, feita pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), classificando esse princípio como provável carcinógeno humano.

Além de citar uma série de estudos que indicam que o princípio ativo do Roundup (o glifosato) pode levar a muitas doenças (como já comentei acima), todos que processam a Monsanto ainda usam pesquisas que revelam que as formulações de glifosato em seus produtos finais comerciais são mais tóxicas do que o glifosato sozinho.

Abrindo parênteses, vale comentar que a empresa ainda fabrica um produto relacionado ao herbicida maldito, que comprova sua toxicidade. Trata-se do RoundUp Ready (numa tradução livre: Pronta para o RoundUp), uma semente de soja potente, desenvolvida em 1980, que tolera os efeitos do herbicida, “facilitando” o trabalho dos agricultores já que mata só as ervas daninhas e não a plantação. Claro que a Monsanto aproveita para dizer que, com essa semente, é preciso usar menos herbicida – veja que absurdo! -, mas o fato é que ela foi criada para que seu uso seja ainda mais garantido. É só levar em conta o nome da semente. A empresa deveria ser condenada também por subestimar nossa capacidade de avaliar suas falcatruas, não? Fecho parênteses.

O advogado de Johnson, Michael Miller, reforça isso, como revelou o The Guardian. Ele declarou que “a empresa defendeu dados falsificados e atacou estudos legítimos”, que revelavam os perigos de seus herbicidas, além de liderar uma “prolongada campanha de desinformação” para manipular consumidores, agências governamentais e agricultores. “Estamos ansiosos para expor como a Monsanto escondeu o risco de causar câncer e poluiu o meio ambiente. Ela não quer que a verdade sobre o RoundUp e o câncer se tornem públicos”, ressaltou Miller.

Não faltam processos movidos contra uma das líderes na produção de sementes e transgênicos no mundo. Cerca de 4 mil pessoas (físicas e jurídicas) processaram a empresa, alegando que sua exposição (ou de pessoas conhecidas ou queridas) ao RoundUp, provocou o linfoma que acometeu Johnson. E perderam.

Em 2016 e 2017, o Tribunal de Haia, na Holanda – ao qual a empresa se recusou a comparecer -, condenou-a por crimes contra a humanidade (um dos quatro crimes listados pelo Estatuto de Roma, que rege esse tribunal). Recomendo o documentário Tribunal Internacional Monsanto – O Making Of, de Marie-Moniue Robin, que conta todo o desenrolar desse julgamento. Só isto já valeria o fechamento da empresa, mas seu poder no mundo é muito maior, como conto aqui, neste post. Quem sabe, agora, um “simples jardineiro” acaba com a prepotência de seus dirigentes e com a impunidade.

Sim, a Monsanto é uma das empresas mais odiadas do planeta. Não é à toa que a Bayer já anunciou que vai tirar seu nome dos produtos por causa de sua péssima imagem. Eis outra que subestima nossa inteligência, não? Estamos de olho!!!

Não faltam manifestações contra a Monsanto, que até ganhou uma Marcha Mundial, que acontece todos os anos na última semana de maio e tem página no Facebook. E, mesmo assim, seu poder parece imbatível.

Está tão blindada nos Estados Unidos que, em março de 2013, foi aprovada emenda na lei do orçamento que permite o cultivo de plantas geneticamente modificadas, mesmo que não estejam homologadas. Ela ate ganhou um apelido muito adequado: Ato de Proteção à Monsanto.

Mas a atuação nociva dessa empresa no mundo não se limita a provocar doenças e morte com seus venenos. Pesquisas encomendadas por ONGs ambientalistas indicam que, com o controle que exerce sobre o comércio global de alimentos e produtos agrícolas, ela também contribui para criar e perpetuar a fome e a miséria no mundo. E não está sozinha! Seus companheiros nessa jornada cruel – segundo relatório da ActionAid – são a Cargill, o Wall-Mart e a Nestlé. Juntinhos, os quatro dominam o mercado de alimentos, sementes e agrícola em geral, passando pelas gôndolas dos supermercados até a nossa mesa.

gigante global da agricultura insustentável não perde por esperar, quero crer. Além do julgamento de 18/6/2018, já está marcado outro, para outubro deste ano, desta vez em sua cidade natal, St. Louis, no distrito de Missouri. É preciso repetir a estratégia do inimigo pra vencer: ser incansável.

Desejo que esse cenário devastador de nossa saúde e do planeta comece a mudar com a vitória de Johnson na corte californiana. Seria lindo, né? Johnson vence – nós com ele – e, finalmente, essas empresas irresponsáveis começam a pagar indenizações milionárias às vítimas de seus venenos e suas famílias. E também a cessar o controle – que dividem com outros setores, claro! – sobre a fome, a miséria e a desigualdade no mundo.

Estamos num momento de luta contra os agrotóxicos (lembre do Pacote do Veneno que os deputados da bancada ruralista ainda querem aprovar na Câmara – você já votou na consulta pública para tentar impedir isso?), contra os ruralistas que querem mais terras para plantar (o que significa desmatar sem critério algum), em defesa do direito à comida saudável, dos alimentos orgânicos…

Este é o momento de dar uma virada e exigir qualidade e saúde à mesa. Está nas mãos dos cidadãos mudar essa realidade. Nas minhas e nas suas também.

Fotos: Rostichep/Pixabay (abertura/abelha morta), Mike Mozart/Flickr (RoundUp), Funverde (mobilização em Porto Alegre), OccupyReno/Flickr (protesto nos Estados Unidos) e Donna Cleveland/Flickr (protesto em São Francisco/Califórnia)

Um comentário em “Jardineiro com câncer terminal leva Monsanto, fabricante de agrotóxicos, a julgamento na Califórnia

  • 15 de junho de 2018 em 10:45 PM
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    Bela matéria Mônica Nunes,parabéns! No documentário da jornalista francesa Marie Monique Robin,de 2007, baseado se não me falha a memória do livro da própria autora, já denunciava os métodos mafiosos da Monsanto e o rastro de destruição sua destruição e corrupção que a companhia deixa mundo afora. Apenas um reparo, me parece que no quarto parágrafo há uma imprecisão cronológica. Vamos divulgar. Abs,

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.