Jabuticaba do início ao fim do cardápio

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Setembro é tempo de jabuticaba (Myrciaria cauliflora), uma das mais famosas espécies de frutas da Mata Atlântica, dentre as poucas que conseguiram se instalar nos quintais ou em plantações comerciais e até aparecem nas prateleiras de supermercados, convertidas em geleias. A jabuticaba não é só gostosa, sobretudo se consumida ao pé da árvore, fazendo ploc a cada mordida: sua casca também tem alto teor de antocianinas – nome genérico de alguns tipos de açúcares modificados, presentes nos pigmentos vermelhos, azuis ou roxos de flores e frutos (no caso da jabuticaba, de um roxo tão escuro que justifica o apelido de maria preta).

Como sabemos, as antocianinas são antioxidantes por excelência: combatem os radicais livres que aceleram o envelhecimento. A casca da jabuticaba também tem propriedades antimicrobianas. E é por isso – além do sabor – que a engenheira agrônoma e chef Suzanna Ulson Cardoso faz questão de pesquisar as mais variadas utilizações da frutinha em suas receitas, de aperitivos, sucos e entradas aos pratos principais e sobremesas, conforme consta em todo o cardápio do restaurante Da Capela, no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas.

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Para se abastecer, Suzanna recorre a 100 jabuticabeiras da fazenda da família, que também é proprietária do restaurante. A colheita se concentra no mês de setembro, mas os pratos e as bebidas a la Maria Preta estão disponíveis durante o ano inteiro, porque as jabuticabas são congeladas ou transformadas em polpa, geleias, compotas e licores. Até pó de jabuticaba a habilidosa chef consegue produzir, para acrescentar a massas de pastel e macarrão! Não é à toa que o slogan do Restaurante Da Capela é: onde a gula tem perdão, mas o desperdício não!

No ambiente acadêmico, o engenheiro de alimentos e doutor em Tecnologia de Alimentos, Marco Antonio Trindade, também anda avaliando o poder das antocianinas da jabuticaba. Ele é pesquisador da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (USP), no campus de Pirassununga, no interior paulista, e há 3 anos orienta diversos estudos com os corantes feitos à base de cascas. Especialista em carnes embutidas, Trindade foca nas propriedades antioxidantes da jabuticaba como corante-conservante.

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“Fizemos análises do pó de casca de jabuticaba, análises in vitro das propriedades antioxidantes e análises da aplicação em produtos como linguiça frescal e mortadela”, conta o pesquisador. “O corante de jabuticaba pode substituir o corante carmim (proveniente de cochonilhas), com efeito antioxidante. A cor fica um pouco diferente, mais arroxeada do que rosada, mas o corante de jabuticaba garante mais tempo de prateleira da linguiça”.

Na mortadela, que é cozida, o aumento do tempo de prateleira não é tão significativo, mas o corante de jabuticaba substitui o conservante químico sintético eritorbato de sódio (E316), permitindo o uso do rótulo limpo (clean label). “Ou seja, a jabuticaba passa a ser um ingrediente natural que substitui um aditivo sintético”, complementa Marco Antonio Trindade.

Procurando bem, muitas cidades têm jabuticabeiras em praças e parques urbanos, além das árvores particulares, localizadas entre muros. Com tanta coisa boa que se pode fazer com as jabuticabas – além de alimentar aves e polinizadores de todo tipo – minha sugestão é multiplicar os pés de maria preta por aí. Adoraria ouvir mais plocs de sabor por toda parte!

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Fotos: Liana John (de cima para baixo: galho de jabuticabeira, pastel de queijo com massa de jabuticaba, compota de jabuticaba com queijo branco e jabuticabas do quintal desta blogueira)

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Liana John

Jornalista ambiental há mais de 30 anos, escreve sobre clima, ecossistemas, fauna e flora, recursos naturais e sustentabilidade para os principais jornais e revistas do país. Já recebeu diversos prêmios, entre eles, o Embrapa de Reportagem 2015 e o Reportagem sobre a Mata Atlântica 2013, ambos por matérias publicadas na National Geographic Brasil.