Inspirada no grafismo indígena, artesã paulista mostra na prática o que é economia circular

Inspirada no grafismo indígena, artesã paulista mostra na prática o que é economia circular

Durante muitos séculos o homem viveu no planeta achando que tudo o que tinha a seu dispor era infinito: água, minerais, plantas, animais … Mas agora já sabemos que o modelo econômico baseado no extrair, transformar e descartar está levando a Terra ao colapso. Ele é insustentável e inviável!

Ao longo das últimas décadas, entretanto, um novo conceito tem se mostrado cada vez mais coerente: o da economia circular. Segundo ele, nossa produção de bens deve estar baseada na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. Nos remete, sem dúvida nenhuma, à famosa frase do químico francês Antoine Laurent Lavoisier: “Nada se cria, tudo se transforma”.

São estes conceitos que fazem parte do trabalho diário da artesã paulista Ivone Rigobello. Arquiteta, urbanista e designer, há mais de 20 anos se inspira no grafismo indígena brasileiro para criar suas peças. “Os indígenas possuem um olhar sobre a natureza com o qual me identifico”, explica.

Estamparia inspirada no grafismo indígena

Há alguns anos, Ivone participou de um projeto na Aldeia Enodi, no Mato Grosso do Sul, com índios das etnias Ofaiés e Guaranis. Através do trabalho de estamparia, a iniciativa ajudou a comunidade indígena a resgatar suas tradições e buscar alternativas para a geração de renda.

Em Mococa, sua cidade natal no interior de São Paulo, onde tem seu ateliê, com a ajuda de sua equipe de costureiras e artesãs, tudo é feito manualmente. Ivone utiliza fibras naturais e reutilizadas e também, lonas de caminhão para criar almofadas, tapetes, jogos americanos, bolsas, painéis decorativos… “Produzo estampas exclusivas utilizando fibras como sisal, juta, palha de buriti. Todas elas provenientes de cooperativas do Norte e Nordeste do Brasil”, conta.

Peças produzidas com material reaproveitado

Recuperar, reutilizar e reciclar

Foi nos tempos em que morava na capital paulista que a artesã teve o primeiro contato com a lona de caminhão. “Foi no Mercado Mundo Mix que vi a lona sendo reutilizada: uma marca produzia roupas com ela”, relembra. Na época, Ivone fabricava painéis de parede e jogos americanos com sacos de juta utilizados para o transporte de café nas cooperativas de Mococa.

Por incentivo de uma amigo que trazia lona de caminhão de Minas Gerais, em 2007, começou a trabalhar também com este material. “Aos poucos, passei a garimpar em Mococa mesmo – era mais sustentável”, afirma. “Procurei os caminhoneiros locais e falei da importância de se reutilizar este material tão resistente. No começo, foi bem difícil, pois para eles este era um material que devia ser descartado”.

Mas Ivone não desistiu! Compra dos caminhoneiros as lonas velhas, que apesar de terem sido usadas anos e anos nas estradas do país, ainda são excelente matéria-prima para a confecção de bolsas, nécessaires, porta-cartões e até, tapetes. “O aproveitamento é total e os  retalhos pequenos são doados a ONGS”, revela .

Trabalho no ateliê em Mococa

Reutilizar, reaproveitar e reciclar são palavras chave no trabalho da artesã. O capacho de sisal, por exemplo, é confeccionado com o reaproveitamento de sobras de tapetes maiores. Resíduos que seriam descartados, como jornal velho, bandejas de isopor, tocos de madeira, vidros de alimentos e caixas de papelão, são utilizados no ateliê.

Além das vendas online em seu site, as peças com inspiração no artesanato indígena são comercializadas em lojas em Búzios, Paraty e Ubatuba. “ Frequentemente meus clientes são estrangeiros, que procuram um presente bem brasileiro”, destaca.

A artesã realiza ainda workshops e cursos online em que promove o conceito dos muitos R’s. “Fui criada numa cidade do interior. No sítio do meu pai, brincávamos com folhas, fazíamos tintas com elas. Não tínhamos recursos”, conta. “Quando cresci, para mim se tornou uma coisa muito natural. Instintiva. É mais barato, mais econômico, sem desperdício. Foi assim que fui criada”.

E ela completa: “Este é o meu papel social como artista, passar algo que é latente para mim”.

Leia também:
Couro?! Não! Folhas.
A moda brasileira feita com lonas de barcos e redes de pesca retiradas do fundo do mar
Abacaxi se transforma em couro sustentável para roupas, calçados e móveis
Couro de pirarucu é para vestir, calçar ou usar a tiracolo e não para jogar fora

Fotos: divulgação

Deixe uma resposta

Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.