Inpe publica nota para ministro do Meio Ambiente sobre sistemas de monitoramento na Amazônia

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, publicada ontem, 16/1, entre outro temas, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, chamou os sistemas de monitoramento do desmatamento na Amazônia de ineficientes. Eis o trecho da conversa com a repórter Ana Carolina Amaral:

Ao destacar o ambiente urbano, o senhor está implicando que outras áreas não serão prioridades, como a Amazônia?
Não, estou dizendo que embora o tema Amazônia seja mais discutido hoje na imprensa, no Brasil e fora, o dano ambiental urbano que temos experimentado nos últimos anos é muito mais grave. Porque Amazônia, embora seja um problema, está sob o cuidado de várias entidades, monitoramento do Inpe, da Embrapa, com atividades de fiscalização que, embora tenham deficiências, estão acontecendo.

Quais são essas deficiências?
A primeira delas é uma falta de planejamento sobre o que fazer e como fazer. Nós tivemos um aumento de 14% do desmatamento no último ano apesar da fiscalização e apesar dos investimentos vultosos que foram feitos para essa fiscalização. Se a gente tivesse uma fiscalização eficiente, a tendência era isso caminhar para zero. 

Ao que parece, o ministro não tem conhecimento suficiente para falar sobre o assunto. Certamente, se conhecesse o funcionamento dos sistemas de monitoramento a fundo, não teria feito esse comentário infeliz. E, de qualquer forma, de que adianta ter sistemas eficazes se o governo incentiva a invasão de terras, não investe em proteção e segurança e ameaça os sistemas com cortes no orçamento como fez Temer (antecessor de Bolsonaro e que “rezava” pela mesma cartilha).

A Amazônia está em risco constante, sabemos. Mas o desmatamento tem registrado índices pra lá de alarmantes, que só pioraram com Temer. Leia a notícia que publicamos no início deste mês, com base em dados do sistema de alerta de desmatamento do Imazon (nstituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia): o desmatamento disparou e aumentou mais de 400% em novembro. Por que será, né?

Em resposta a Salles – e para certamente ajuda-lo a compreender melhor como esse trabalho funciona -, hoje, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), responsável por três sistemas complementares que atuam na Amazônia, publicou nota de esclarecimento em seu site, que reproduzo abaixo. Pra quem não conhece esses sistemas, vale muito a leitura.

No final do texto, indico o link para a entrevista de Salles na Folha.

São José dos Campos-SP, 17 de janeiro de 2019
Esta nota visa esclarecer o funcionamento dos sistemas de monitoramento das alterações da cobertura vegetal desenvolvidos e operados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), complementando as informações dadas pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, publicada na edição de 16/01/2019.

O programa de monitoramento do INPE conta com três sistemas operacionais: o Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) e o sistema de mapeamento do uso e ocupação da terra após o desmatamento, TerraClass. Os sistemas são complementares e foram concebidos para atender a diferentes objetivos.

Para toda a extensão da Amazônia legal brasileira, o sistema PRODES realiza o inventário de perda de floresta primária através do uso de imagens de satélite de observação da Terra, desde 1988. A partir deste inventário, são calculadas as taxas anuais de desmatamento para os períodos de agosto a julho, considerando como desmatamento a supressão da floresta em áreas superiores a 6,25 hectares.

Por depender das condições climáticas da estação seca para aquisição de imagens livres de nuvens, o PRODES é feito anualmente. A primeira apresentação dos resultados é realizada até dezembro de cada ano, na forma de uma estimativa da taxa de desmatamento. Para essa estimativa são processadas e analisadas todas as imagens das regiões que contiveram no mínimo 90% do desmatamento, no ano anterior. Os dados consolidados são apresentados no primeiro semestre do ano seguinte, quando é concluído o processamento das imagens necessárias para cobrir toda a Amazônia.

Para as áreas onde a cobertura de nuvens não permitiu o mapeamento, é feito um cálculo que estima a área desmatada sob nuvem, usando a hipótese de que a proporção da ocorrência de desmatamento em áreas sob nuvens é igual a das áreas não cobertas por nuvens. Destaca-se que a estimativa do desmatamento sob nuvens corresponde em média a apenas 5% da taxa de desmatamento calculada pelo PRODES.

O DETER, lançado em 2004, é um sistema de apoio à fiscalização e controle do desmatamento e degradação na Amazônia. O DETER produz diariamente alertas de alteração na cobertura florestal para áreas maiores que 3 hectares. Os alertas indicam áreas totalmente desmatadas (corte raso) bem como áreas em processo de degradação florestal (exploração de madeira, mineração, queimadas e outras). Esses alertas são enviados automaticamente ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), sendo insumo para o planejamento das ações de fiscalização. As informações ficam ainda disponíveis na internet para as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, bem como para toda a sociedade.

O TerraClass, realizado com frequência bienal, numa parceria entre o INPE e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), tem por objetivo a identificação do uso e cobertura das áreas apontadas como desmatadas pelo PRODES. Com os resultados do TerraClass é possível fazer uma avaliação da dinâmica do uso e ocupação dessas áreas, nas classes mapeadas pelo projeto (agricultura, pastagens, regeneração entre outras). São classificadas áreas superiores a 6,25 ha.

Os sistemas de monitoramento operados pelo INPE utilizam imagens com resolução espacial entre 20 e 30 metros, pois esta classe de imagens permite uma adequada identificação das alterações da cobertura vegetal na escala da Amazônia, considerando fatores como a disponibilidade de imagens, recobrimento frequente e extensivo do território monitorado e capacidade de processamento para a produção célere de resultados. Os resultados do PRODES fornecem uma série histórica anual e ininterrupta desde 1988, permitindo análises comparativas neste período.

O INPE monitora constantemente a qualidade desses produtos e os resultados mais recentes indicam um nível de precisão superior a 95% para os dados do PRODES. Além desse controle, a política de transparência dos dados, adotada pelo INPE desde 2004, permite o acesso completo a todos os dados gerados pelos sistemas de monitoramento, possibilitando avaliações independentes pela comunidade usuária, incluindo o governo em suas várias instâncias, a academia e a sociedade como um todo.

Como instituição de pesquisa e inovação, o INPE acompanha as inovações científicas e tecnológicas na área de observação da terra por satélite, para a constante melhoria de seus sistemas de monitoramento da Amazônia, e, desde 1972, coordena um curso de pós-graduação em sensoriamento remoto com o mais alto conceito da CAPES.

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Foto: Inpe/Divulgação

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.