Há mais de 20 anos, Projeto Harpia trabalha para salvar da extinção a maior ave de rapina do Brasil

Há mais de 20 anos, Projeto Harpia trabalha para salvar da extinção a maior ave de rapina do Brasil

Gavião-real, harpia, uiraçu, gavião-pega-nenê. Estes são alguns dos nomes populares da espécie Harpia harpyja, a maior ave de rapina do Brasil. As asas deste pássaro majestoso podem chegar a ter até 2 metros de envergadura.  

A harpia vive em florestas tropicais entre o sul do México e o norte da Argentina, e no Brasil, ainda é encontrada na Amazônia. É nessa região, que há mais de 20 anos, um projeto monitora a espécie e trabalha pela sua conservação, e desta maneira, evitar sua extinção.

Criado em 1997, o Programa de Conservação do Gavião-real do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), que hoje chama-se apenas de Projeto Harpia, faz o mapeamento de ninhos de harpia nos estados do Pará, Amazonas e Rondônia, além de áreas no Pantanal e na Mata Atlântica.

Graças ao trabalho de pesquisadores, estudantes e voluntários, atualmente são aproximadamente 120 ninhos monitorados no país. Segundo estudos genéticos, estima-se que poderia haver ainda 5 mil harpias na Amazônia e 300 na Mata Atlântica.

O mapeamento desses ninhos não é um trabalho fácil. As harpias são animais bastante discretos, apesar do tamanho, e na imensidão da floresta, eles ficam muito bem camuflados. “Existe, claro, um bom número de indivíduos que não temos conhecimento. É preciso entender que é muito difícil encontrar um ninho dessa ave no meio da floresta preservada”​, diz Carlos Tuyama, coordenador do Núcleo Rondônia do Projeto Harpia.

Há mais de 20 anos, Projeto Harpia trabalha para salvar da extinção a maior ave de rapina do Brasil

A enorme árvore e a harpia bem ao centro dela

As aves dessa espécie fazem seus ninhos em árvores emergentes, aquelas muito altas, que lançam suas copas acima do nível médio do dossel ou do “resto da vegetação”. “O ninho normalmente tem 2,5 metros de diâmetro e sempre fica na forquilha principal”.

Geralmente, a reprodução da espécie ocorre a cada 2 anos e meio em média.

Tuyama explica ainda que normalmente a fêmea põe um ovo apenas, ​ocasionalmente, pode colocar dois, porém apenas um filhote sobreviverá​. Ela incuba esse ovo por 58 dias e após o nascimento, a mãe fica ao lado do filhote por mais 80 ou 90 dias. “Só depois desse tempo ela volta a caçar, quando o filhote já tem um porte mais robusto, podendo se defender de alguma ameaça que venha ao ninho​. Ele normalmente começa a voar com 5 meses, mas vai depender do alimento trazido pelos pais até aproximadamente os 18 meses”.

Quem cuida do filhote é a fêmea. O macho busca alimentos (mamíferos de médio e pequeno porte, tais como preguiças e primatas, e aves) e leva ramos verdes para a manutenção do ninho.

Um novo filhote nas florestas de Rondônia

Há quatro anos, a equipe do Projeto Harpia em Rondônia iniciou o monitoramento de um casal, recém descoberto, que estava reconstruindo um ninho na época. Depois, acompanharam o desenvolvimento do filhote, um macho.​ ​Mas quando ele tinha cerca de 15 meses, a árvore que era a base do seu ninho caiu. Mesmo assim, ele permaneceu ali por mais alguns meses, até sua dispersão. As harpias jovens abandonam sua região natal para buscar um novo território.

“Depois disso continuamos voltando lá nesse fragmento de floresta, para tentar achar a árvore que os pais iriam adotar como para um novo ninho. Passamos quase dois anos procurando, mas nem sinal”, conta Tuyama.

Mas algum tempo depois, um morador da região, no município de Rolim de Moura, relatou que havia duas harpias na área, a cerca de 4 km do local onde a outra árvore havia caído.

Sim, era o mesmo casal! Em novembro e dezembro aconteceu um novo acasalamento e nos dois meses seguintes a fêmea chocou o ovo. E entre os dias 17 e 18 de fevereiro nasceu esse lindo filhote, que aparece na foto abaixo.

Há mais de 20 anos, Projeto Harpia trabalha para salvar da extinção a maior ave de rapina do Brasil

Desde então, o Projeto Harpia tem monitorado de perto o desenvolvimento do filhote, que cresce saudável.

Com cerca de 45 dias, ele é sempre protegido pela atenta mãe. Já nessa idade, ele começa a praticar suas pequenas garras, segurando um resto de uma presa, deixada no ninho pelo pai.

O essencial trabalho de conservação da espécie

O esforço que o Projeto Harpia vem fazendo ao longo das últimas duas décadas não se resume ao mapeamento dos ninhos. É feito ainda um grande trabalho de educação ambiental e sensibilização da comunidade do entorno, além da coleta de informação científica.

Carlos Tuyama revela, por exemplo, que muitos dos ninhos são descobertos por trabalhadores dos castanhais, pois uma vez por ano eles passam sob cada castanheira, recolhendo os frutos e acabam se deparando com as aves e seus possíveis filhotes.

“Por isso a parceria com o pessoal que quebra castanha ou com indígenas é a melhor forma de descobrir esses ninhos”, destaca o coordenador do projeto em Rondônia. Ele ressalta ainda a importância das visitas e conversas frequentes com as comunidades locais e a tentativa de dissuadir fazendeiros a não desmatarem.

No estado, 50% dos ninhos conhecidos estão em Terras indígenas ou Unidades de Conservação e 50% em propriedades particulares (reservas legais).

A perda de habitat, ou seja, o desmatamento continua sendo a principal ameaça à sobrevivência das harpias.

Como todo predador de topo de cadeia, a espécie é vital para o equilíbrio do seu ambiente. “Sem a harpia poderia haver um número muito maior de primatas, por exemplo, e isso ao longo do tempo levaria a uma paisagem diferente naquela micro-região”, afirma o especialista. “Muito mais primatas, comendo folhas e frutos, mudariam a conformidade da vegetação”.

Mas graças ao Projeto Harpia e seus dedicados profissionais e voluntários, novos filhotes, como o do vídeo abaixo, estão conseguindo prosperar e bater asas no tempo certo.

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Fotos: Carlos Tuyama

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.