Funcionários do Ibama divulgam carta manifesto em que alertam sobre “colapso da gestão ambiental”

Funcionários do Ibama divulgam carta manifesto em que alertam sobre o “colapso da gestão ambiental”

Mais de 400 servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assinaram uma carta, endereçada ao presidente do órgão e à sociedade brasileira.

No documento, os funcionários relatam a situação caótica que enfrentam. Segundo eles,  houve uma redução de 45% no número de fiscais do Ibama entre 2010 e 2019. Só nos últimos 12 meses, a queda foi de 24%. Ainda segundo o documento, dos atuais 780 fiscais, 189 podem se aposentar a qualquer momento.

Por esta razão, um dos pontos destacados no texto é o pedido de realização imediata de concurso público para vagas de analista ambiental, “… considerando que não há meios de garantir a proteção ambiental da Amazônia com o atual quadro de servidores. O último concurso público promovido para a reposição do quadro das unidades da Amazônia foi em 2009, ou seja, há 10 anos”.

Em abril de 2019, o ministério do Meio Ambiente anunciou cortes no orçamento do Ibama. Com a diminuição de 24%, o instituto teve uma perda de quase R$ 90 milhões para realizar suas atividades, que foram ainda mais prejudicadas devido à suspensão dos investimentos no Fundo Amazônia.

O dinheiro doado por Noruega e Alemanha para projetos de preservação na região, viabilizou, de 2016 a 2018, pelo menos 466 missões de fiscalização do órgão. Ao todo, essas ações geraram aplicação de mais de R$ 2,5 bilhões em multas. As verbas do fundo financiariam também a compra de veículos especiais, como modelos 4×4 e helicópteros, usados na realização das vistorias na floresta.

Os servidores do órgão mencionam ainda, na carta manifesto, o discurso feito pelo presidente Jair Bolsonaro, que afirmou recentemente que “no Brasil há tolerância zero aos crimes ambientais”. Todavia, para que isso aconteça, a equipe do Ibama afirma que medidas concretas e urgentes precisam ser colocadas em ação.  

Controle autoritário da comunicação

Desde março, o ministério do Meio Ambiente proibiu a comunicação direta entre imprensa e Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).  Nunca antes na história dessas autarquias situação como essa aconteceu. Com isso, os servidos federais têm medo de retaliação e evitam ter seus nomes divulgados.

Na carta aberta, a autonomia é outra questão que ganhou destaque. Os funcionários afirmam ser imprescendível que eles possam elaborar estratégias para inibir a prática de crimes ambientais e citam, inclusive, que a assessoria de imprensa do Ibama e do ICMBio possam trabalhar sem depender de autorizações diárias do Ministério do Meio Ambiente.

Confira abaixo, na íntegra, a carta aberta dos servidores do Ibama:

“Nós, agentes ambientais federais do IBAMA, servidores do Estado Brasileiro, pautados pelo dever de lealdade à instituição a qual servimos, nos termos da Lei 8.112/1990, bem como pelo compromisso assumido com a sociedade brasileira e, convencidos da necessidade de providências para assegurar o efetivo controle ambiental e a preservação da qualidade do meio ambiente no país, vimos a público externar nossa imensa preocupação com a condução da política ambiental no Brasil e encaminhar propostas que consideramos fundamentais para solucionar a atual crise ambiental e político-econômica instalada.

2. Indiscutivelmente, o IBAMA é a principal instituição responsável pela prevenção e combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Todas as grandes ações de combate ao desmatamento da Amazônia foram protagonizadas pelo IBAMA, graças à implantação de estratégias inovadoras de combate ao desmatamento aliadas à capacitação, dedicação, competência e patriotismo de seus agentes ambientais federais, garan9ndo ao Brasil destaque mundial nas ações de combate ao desmatamento e incêndios florestais.

3. Todos estes fatores contribuíram significativamente para a reduzir em 80% o desmatamento ilegal em toda a Amazônia. Entre o auge da destruição da floresta em 2004 e o ano de 2012, foram conquistadas as menores taxas de desmatamento da história.

4. Entretanto, nos anos recentes, o IBAMA e o ICMBio passaram a ser atacados e sofrer com a falta de estrutura evidenciada especialmente pelo fechamento de unidades, bloqueio a novos concursos, destruição de leis ambientais, ingerência de políticos aliados a segmentos fiscalizados por lei, cortes orçamentários, entre outros.

5. Não há como dissociar todos estes fatores ao aumento expressivo dos índices de desmatamento e queimadas, conforme dados já amplamente divulgados pelo INPE e pela NASA, com risco da destruição da floresta retornar aos patamares de 2003.

6. O discurso propagado e as medidas concretas adotadas contra a atuação do IBAMA e ICMBio apontam para o colapso da gestão ambiental federal e estimulam o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da Amazônia.

7. É importante destacar que a questão ambiental detém significativa relevância estratégica para o Brasil e o mundo. Respeitar as leis de proteção ambiental interessa, sobretudo, à economia brasileira, fortemente dependente da exportação de commodi9es. O clamor mundial pela proteção da Amazônia brasileira, bem como o risco de adoção de sanções econômicas contra exportações, explicita ainda mais sua relevância.

8. Neste cenário, o Presidente da República, em pronunciamento em rede nacional, afirmou que este é um governo de tolerância zero aos crimes ambientais. Declaramos total apoio à tolerância zero aos crimes ambientais, contudo, alertamos para o risco de esvaziamento desse discurso, caso não venha acompanhado pela garantia, por parte do governo brasileiro, de uma atuação permanente, continuada, estratégica e efetiva da fiscalização ambiental federal, sem a qual os índices de destruição da floresta amazônica não diminuirão.

9. Assim, informamos que são necessárias as seguintes medidas governamentais de caráter emergencial em áreas estratégicas:

a) Gestão: cumprimento imediato de critérios técnicos para ocupação de funções de direção no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e ICMBio, seguindo os princípios da administração pública de legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência administrativa. Cargos de gestão devem ser ocupados por servidores de carreira destas instituições, protegendo-as de interferências políticas e de representantes institucionais sem capacidade técnica e legitimidade para tal;

b) Pessoal: autorização imediata para realização de concurso público para vagas de analista ambiental, considerando que não há meios de garantir a proteção ambiental da Amazônia com o atual quadro de servidores. O último concurso público realizado para a reposição do quadro das unidades da Amazônia foi em 2009, ou seja, há 10 anos. Entre 2010 e 2019 houve uma redução de 45% do efetivo da fiscalização ambiental do IBAMA, que conta atualmente com 780 fiscais para combater os crimes ambientais em todo o Brasil. Somente entre 2018 e 2019 a redução foi de 24%. Dos 780 agentes ambientais, 189 (cerca de 24% do efetivo atual) já estão aptos e podem aposentar a qualquer momento. É necessária também a inclusão dos agentes ambientais federais no rol de instituições da Lei N° 12.885/13, a qual prevê indenização para exercício em localidades estratégicas vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços, bem como a implementação de seguro de vida e do adicional de atividade de risco;

c) Orçamento: garantia de recursos orçamentários e financeiros para a devida execução das atividades institucionais de Fiscalização Ambiental e de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, realizadas pelo Prevfogo/IBAMA, especialmente após a paralisação dos repasses financeiros oriundos do Fundo Amazônia;

d) Logística: imediata estruturação logística para subsidiar as atividades decorrentes da fiscalização ambiental, como a apreensão e destinação de produtos oriundos em áreas embargadas e desmatadas ilegalmente;

e) Autonomia: conceder à fiscalização ambiental autonomia para empregar estratégias e instrumentos legais estabelecidos na legislação que visem incapacitar economicamente os infratores para a prática de novos crimes ambientais, bem como minimizar a vantagem econômica auferida em decorrência dos crimes praticados. O discurso contrário a estas medidas que promovem a dissuasão do crime ambiental, cria um clima de insegurança, desconfiança e desmotivação entre os fiscais, o que tem contribuído para a diminuição do uso dessas medidas e consequente para o atual aumento do crime ambiental. No mesmo sentido, a correta divulgação das ações institucionais na proteção ambiental desestimula o cometimento de crimes ambientais, por isso, é necessária a devolução da autonomia à assessoria de imprensa do IBAMA e ICMBio, as quais estão atualmente condicionadas à aprovação de pautas por parte do Ministério do Meio Ambiente;

f) Legislação: inclusão do IBAMA e do ICMBio no rol de instituições que podem emitir porte de armas, via Projeto de Lei nº 3723/2019, a ser votado esta semana na câmara dos deputados, e revisão da legislação criminal, com agravamento de penas para desmatamento e queimadas ilegais na Amazônia.

10. Protegemos o meio ambiente brasileiro para as presentes e futuras gerações, sempre no estrito cumprimento da legislação ambiental brasileira.

11. Registramos que sem uma atitude firme contra os crimes ambientais, os índices de destruição da floresta amazônica não diminuirão. Para isso, é preciso um comprometimento imediato do governo com a valorização do IBAMA e ICMBio e seus agentes para a manutenção da soberania brasileira na Amazônia.

12. Sem a adoção de tais medidas estruturantes, qualquer esforço do governo brasileiro em resolver a situação não tem potencial de produzir resultados sólidos a longo prazo e assume o risco de configurar mera tentativa de arrefecer a crise política atual.

Respeitosamente,

Agentes Ambientais Federais do Brasil e demais Servidores do Ibama”

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Imagem: reprodução carta Ibama

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.