Farmácia de Poesia: em uma livraria muito charmosa, poeta prescreve versos para curar seus ‘pacientes’

Em sua Farmácia de Poesia, em Bishop’s Castle, no condado de Shropshire, na Inglaterra, há dois anos Deborah Alma vende livros cheios de versos, catalogados de acordo com o humor do “paciente” ou “tipo de doença”.

As seções foram montadas com base na antologia de poesia que ela editou em 2016, The Everyday Poet. Assim, foi dividida em poemas que atendem (ou podem curar) necessidades emocionais diversas: amor, envelhecimento, tristeza, luto, euforia demasiada, stress, exaustão, tensão, coração partido… Lá, os visitantes encontram alívio para algumas de suas doenças emocionais “com a terapia calmante da poesia”. Mas também – por que não? – incentivo para alimentar a esperança e a alegria de adultos e das crianças.

Deborah acredita no poder de cura e de transformação da poesia. Antes de criar a “farmácia”, trabalhou, por anos, com pacientes com demência e viu “como a poesia pode mudar o humor de alguém e, também, como as pessoas gostam de ser ouvidas com atenção e cuidado”.

E ela tem razão. Quem nunca se deixou levar por versos para aliviar dores de amor? Para ilustrar uma sensação revelada nas redes sociais? Para enviar a um/a amigo/a, parente ou namorado/a e sinalizar que tudo (de ruim) passa?

Poesia é alimento para a alma, e para Alma, que é poeta.

Consultas e prescrições poéticas

Às vezes, vestida com jaleco branco e portando um estetoscópio, a “doutora” ainda dá consultas poéticas. Nao acredita em prescrições sob demanda, por isso recebe os “pacientes” numa sala, onde lhes faz uma série de perguntas, e depois “prescreve” um poema, escolhido com muito cuidado. “Eu acho que, se há uma grande habilidade no que faço, é identificar o poema certo para a pessoa certa, depois de conversar e conhecê-la um pouco”.

Quando receita uma poesia para alguém, sente como se a pessoa se apoderasse dela. Geralmente, o “paciente” a mantém por perto como um remédio: coloca os versos em destaque, em sua casa, para lê-los todos os dias. “E isso pode ser tranquilizador, animador, entre muitas outras coisas”.

Claro que cada pessoa tem uma necessidade, mas, para coração partido, Deborah receitaria o poema O amor depois do amor, de Derek Walcott, perfeito porque fala da paixão “por sua própria vida”, antes de qualquer pessoa. Para luto, é preciso saber quem a pessoa perdeu – mãe, pai, filho, namorado(a), marido, esposa, um(a) amigo(a) -, mas ela diz que indicaria versos “sobre deixar ir”, como os do poema One Art, de Elizabeth Bishop.

E será que existe cura poética para o vício em internet? Para o jornal britânico The Guardian, a “doutora” poeta disse que sim: “O poema que vem à mente é The Door, de Miroslav Holub, porque trata-se de experimentar as coisas por conta própria”.

Deborah também incentiva seus “pacientes” a escreverem versos e, por isso, ministra oficinas de poesia na livraria.

Da ambulância à farmácia

Tudo começou quando, há seis anos, ela e o companheiro, James Sheard, compraram uma ambulância original dos anos 70 – “num momento louco”, como costuma contar -, se autointitulou como poeta de emergência e começou a viajar pelo país distribuindo versos. Era convidada para ir a “escolas, hospitais e festivais por todo o lugar” para receitar poesia.

Ao encontrar a construção de arquitetura eduardiana, em Bishop’s Castle, pensou que seria hora e se fixar. Ela ficou encantada com a construção, que abrigou uma farmácia e tinha “as prateleiras e gavetas originais e um balcão de carvalho”. Pensou: “Uau! Isto daria uma farmácia de poesia fantástica!”.

A ideia de parar de viajar já habitava seus pensamentos porque “sou uma mulher de meia idade e estou ficando um pouco velha demais para ficar perambulando por aí”. Assim, a ambulância continua sendo uma atração da livraria, mas só é utilizada em casos de “emergência”, quando algum “paciente” não pode ir até lá .

Espírito do tempo

Em novembro do ano passado, a Organização Mundial de Saúde divulgou estudo que conclui que o envolvimento com arte – dançar, cantar, ir a museus, teatro, cinema, ler poesia, literatura… – é benéfico para a saúde mental e física.

A instituição chegou à essa conclusão depois de pesquisar mais de três mil estudos, que identificaram o papel importante das artes na prevenção de problemas de saúde, na promoção da saúde e no gerenciamento e no tratamento de doenças ao longo da vida.

Deborah e sua alma de poeta seguem muito bem o espírito do tempo.

Em 2018, uma pesquisa realizada na Inglaterra indicava que as vendas de poesia haviam aumentado mais de 12%, principalmente devido ao interesse dos jovens. Para o jornal britânico The Guardian, Deborah justificou esses dados dizendo que a poesia “está preenchendo a lacuna deixada pela religião”.

Para ela, “mais do que qualquer outra arte, ela fala diretamente como se fosse de uma pessoa para outra. É íntima e empática”.

Fotos: Divulgação

Um comentário em “Farmácia de Poesia: em uma livraria muito charmosa, poeta prescreve versos para curar seus ‘pacientes’

  • 15 de janeiro de 2020 em 7:41 PM
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    Palavras podem nos adoecer, mas também nos curam e a poesia nos ajuda a expressar nossas emoções como a Arte em geral… mas a poesia está mais perto das palavras e alimenta melhor nosso mundo interno, carente de sensibilidade e afeto ou como Adelia Prado diz:
    “De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo.”
    Encantada com esse evento,
    Genoveva

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.