Extinção de reserva na Amazônia não é fato isolado, mas parte de uma ‘operação casada’

Fosse um ato isolado, a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca)uma gigantesca área em uma das regiões mais preservadas da Amazônia — teria pouco impacto. Afinal, depois de sua criação, em 1984, boa parte da área foi demarcada com terras indígenas e convertida em unidades de conservação, o que lhes conferiu um nível maior de proteção.

Porém, este não é um caso isolado. Ele observa um padrão desta administração: ‘operações casadas’, sem consulta ou participação da sociedade e com absoluto desprezo pelo patrimônio socioambiental do Brasil.

Com o objetivo de atender aos interesses econômicos próprios e de seus aliados, a cúpula do governo e suas lideranças no Congresso estão desmontando o sistema de salvaguardas socioambientais construído ao longo das ultimas três décadas. A demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas foi paralisada completamente. Várias propostas de redução de unidades de conservação estão em curso e podem ceifar mais de um milhão de hectares, sob a justificativa de permitir a regularização de ocupações antigas de pequenos produtores.

O caso da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará mostra que, na verdade, quem vai se beneficiar são ocupações ilegais recentes (grilagem mesmo!), com média acima de 2 mil hectares cada (20 milhões de metros quadrados!). Em paralelo, o governo propôs, e o Congresso aprovou, o que ficou conhecido como a MP da Grilagem, que aumentou a área passível de regularização de 1.500 para 2.500 hectares — que coincidência, não? — e reduziu o valor a ser pago pela terra pública para 10% a 50% do valor de referência do Incra. Assim, na região do Jamanxim, cada dez mil metros quadrados pode sair por menos de R$ 100 — ou seja, um centavo por metro quadrado.

Em outra frente, o governo trabalha para aprovar uma lei que abre as terras indígenas para mineração, ao mesmo tempo em que publicou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que autoriza a exploração de “riquezas de cunho estratégico”, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai.

Para completar, lideranças governistas trabalham com diversos lobbies da indústria para aprovar ‘goela abaixo’ uma reforma do sistema de licenciamento ambiental que, entre outras barbáries, exime do licenciamento de atividades rurais e cria decurso de prazo para aprovação de licenças.

A extinção da Renca não é um caso isolado; é parte de uma operação casada, meticulosamente orquestrada para maximizar os benefícios econômicos de aliados políticos a partir da apropriação privada do patrimônio publico e em detrimento das populações tradicionais, da conservação da biodiversidade e do bem-estar de toda a população.

*Este texto foi publicado originalmente no jornal O Globo em 30/8/2017

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Tasso Azevedo

Engenheiro florestal, consultor e empreendedor social em sustentabilidade, floresta e clima. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima e colunista de O Globo e revista Época Negócios. Foi diretor geral do Serviço Florestal Brasil, diretor executivo do Imaflora e curador do Blog do Clima