Exploração de minério ameaça glaciais da América do Sul

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*Por Marli Kuhnen, de Santiago

Uma verdadeira batalha ambiental está se formando no Chile em torno do projeto de lei que deveria proteger os glaciais e que está sendo considerado por ambientalistas um verdadeiro incentivo à degradação e exploração dessas imensas reservas de água doce congeladas.

Elaborado em maio pela Comissão de Meio Ambiente, criada pelo governo federal, o projeto de Lei de Proteção dos Glaciais será colocado em votação na Câmara de Deputados. Entidades não governamentais como o Greenpeace e Chile Sustentável estão se mobilizando para impedir que a lei seja aprovada.

O Chile possui mais de 24.000 glaciais catalogados, o que representa 82% de todos os glaciais de superfície existentes na América do Sul. O governo admite no texto da lei que a maioria dos glaciais chilenos apresentam balanços negativos, ou seja, estão em retrocesso e apresentam perdas de áreas e espessuras.

A lei estabelece que ficam protegidos apenas os glaciais que estejam em zonas de proteção e parques ambientais, ou seja, garante a preservação dos que já têm algum tipo de amparo.

Mas o ponto que mais causa controvérsia na aprovação do projeto de lei é o que define como “reserva estratégica” cerca de 33% de todos os glaciais existentes e que atualmente são explorados pela mineração. Ou seja, os glaciais que mais sofrem degradação e que necessitam ser preservados, teriam licença para exploração e sofreriam apenas a vigilância distante do Ministério de Meio Ambiente.

Segundo o Greenpeace “em termos práticos, isso legaliza a intervenção e destruição dos glaciais” e ainda que “o projeto de lei não protege, pelo contrário, permite destruí-los por aqueles que por anos o têm feito”.

Outro ponto controverso estabelece que os órgãos ambientais definirão anualmente quais são os glaciais que entram na lista da “reserva estratégica”, o que segundo o Greenpeace coloca em dúvidas o que é e o que não é protegido.

De fato, a lei não obriga as empresas mineradoras a modificar seus planos de exploração e ainda permite que qualquer pessoa ou empresa que se oponha à proteção de um glacial, alegando que ela ((empresa) possa ser afetada economicamente pela preservação.

A ONG Chile Sustentável também se manifesta dizendo que “perdeu-se a oportunidade para que a iniciativa realmente apresentasse um resguardo, pelo menos temporal, a todos os glaciais do território nacional como reserva de água doce”.

Proteger os glaciais é proteger a reserva de água do planeta. Além disso, muitos glaciais possuem nascentes e durante o período de seca, abastecem várias cidades com o degelo parcial da sua superfície. A degradação dos glaciais tem ocorrido por dois motivos principais: o aquecimento global e pela exploração da indústria, principalmente a mineira, que há décadas explora o cobre na região.

A nova lei não resguarda os glaciais que estão atualmente ameaçados, apenas monitora e eventualmente pode modificar suas permissões para incluir medidas de mitigação e isso não é suficiente, segundo os ambientalistas da Chile Sustentável.

Ao contrário do Chile, que ainda está tentando estabelecer uma lei específica para proteção de glaciais, a Argentina já possui uma desde 2010. Contudo, o Greenpeace vem cobrando do presidente Mauricio Macri uma postura mais rigorosa no cumprimento da legislação.

No último 9/6, ativistas argentinos escalaram o obelisco situado em frente à Casa Rosada, sede do governo em Buenos Aires, e pregaram um cartaz de 40 metros de altura que dizia “Macri, salve os Glaciais”. A campanha pede o fechamento das atividades da Mina de Veladero, explorada pela indústria minera Barrick Gold e situada dentro da Reserva de San Guillermo, declarada Rede Mundial de Reservas da Biosfera pela ONU (Organização das Nações Unidas).

O Greenpeace acusa ainda a mineradora de ouro de contaminar rios com cianureto durante o ano de 2015, o que já custou à empresa uma multa de 145 milhões de pesos argentinos, cerca de 32 milhões de reais. A companhia responde judicialmente sobre o episódio, mas a entidade alega que essa conduta anterior produz forte ameaça aos rios que cercam os glaciais.

O poder das mineradoras na região andina é muito forte, principalmente, porque se trata de umas das forças econômicas locais de maior importância e a pressão que exercem sobre os governos do Chile e Argentina põe em xeque questões ambientais que, sem respaldo governamental, não podem ser levadas adiante. Cabe à sociedade exigir boas leis e, claro, o cumprimento delas para assegurar que as gerações do futuro tenham garantido o acesso à água potável e condições de habitar o planeta.

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Fotos: divulgação Greenpeace Argentina

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Marli Kuhnen

Jornalista formada pela Cásper Líbero, em São Paulo, e jardinista formada pela Natureza. Tem uma empresa de jardinagem e meio ambiente no interior de P. Além disso, escreve o Blog Jardim Sustentável. Atualmente mora em Santiago, no Chile, de onde colabora para o Conexão Planeta.