Ex-ministros repudiam desmonte da política ambiental no governo Bolsonaro. Salles responde com discurso repetitivo e vazio

Quando Bolsonaro, antes de assumir o governo, anunciou que iria acabar com o Ministério do Meio Ambiente (fundindo-o com o da Agricultura), especialistas e ativistas se manifestaram contra a medida, entre eles oito ex-ministros do meio ambiente, que representavam 27 anos de gestão ambiental no país. Eles escreveram uma carta para o presidente eleito, como noticiamos aqui.

Agora, diante de tantas medidas estapafúrdias e de um cenário tenebroso para o Brasil, Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero se reuniram em encontro inédito, em São Paulo, para avaliar e se posicionar publicamente contra a administração de Ricardo Salles e o desmonte da politica ambiental que ele tem promovido. Em uma de suas últimas medidas, por exemplo, excluiu mapas das áreas de conservação no país do site do Ministério do Meio Ambiente.

Mas o tom do encontro não foi apenas de denúncias ou acusações, mas também de apelo para o diálogo com o governo de Bolsonaro. A íntegra do evento está em gravação no final deste post.

Antes de iniciar o evento, Rubens Ricupero, que foi ministro do meio ambiente no governo de Itamar Franco, pediu um momento de silêncio aos presentes para homenagear Paulo Nogueira Neto, falecido em fevereiro deste ano. Ele foi o primeiro ambientalista brasileiro e ocupou a secretaria do Meio Ambiente de 1973 a 1985, nos governos de Médici, Geisel e Figueiredo. Com um detalhe: atuou com prerrogativas de ministro.

Assim, ontem, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, os ministros que atuaram nos governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luiz Inácio (Lula) da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer destacaram a “política sistemática, constante e deliberada de destruição das políticas ambientais” e divulgaram documento assinado por todos, no qual criticam a “série de ações, sem precedentes, que esvaziam a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do ministério”.

O texto está reproduzido no final deste post, antes do vídeo.

Ricupero iniciou sua participação dizendo que o atual governo é “malévolo e destrutivo contra o que o Brasil construiu com tanto esforço”. Marina Silva, ministra de Lula, acrescentou que, se o rumo atual não for alterado, “vão transformar nosso em país em um exterminador do futuro. Isso não podemos permitir”. E José Sarney Filho – que trabalhou como ministro dessa pasta nos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Michel Temer – acrescentou: “O atual governo está desconstruindo o Ministério do Meio Ambiente. Estamos presenciando o desmonte de tudo o que foi construído”.

Os ex-ministros destacaram as transferências do Serviço Florestal Brasileiro (que tem, como diretor, o autor do projeto que libera a caça de animais silvestres) e da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, da Agência Nacional de Águas para o Ministério do Desenvolvimento Regional, além da extinção da secretaria de Mudanças Climáticas e a indicação de nomes – a maioria militares – com pouca ou nenhuma experiência na área ambiental para cargos de chefia tanto no ministério como em órgãos ligados a ele como o Ibama e o ICMBio.

É bom lembrar que ambos estão na mira do ministro ruralista desde que assumiu a pasta do meio ambiente – em março, proibiu seu contato direto com a imprensa -, pois trabalham com fiscalização e licenciamento ambientais, respectivamente. Impossível esquecer a atitude irresponsável de Bolsonaro ao desautorizar, pela internet, a ação de fiscais do Ibama contra a exploração ilegal de madeira na Amazônia, como mostramos aqui.

Em abril, o diretor do ICMBio, Adalberto Eberhard, pediu demissão após episódio constrangedor em que Salles ameaçou processar funcionários do órgão por não estarem presentes a uma reunião para a qual não foram convidados. Foi a gota d’água, certamente. Em seu lugar e no de todos os diretores do órgão, que se demitiram em seguida, o ministro contratou militares sem experiência na área.

No encontro de ontem, o deputado federal Carlos Minc, que foi ministro do governo Lula, ironizou a atitude do ministro dizendo que o ICMBio poderia mudar de nome para “IPMBio”. Mas, brincadeiras à parte, todos os ex-ministros salientaram que, no passado, os militares exerceram papel importante na proteção do meio ambiente.

José Carlos Carvalho, que geriu o meio ambiente com FHC, aproveitou a oportunidade para lembrar o discurso de parte da equipe do governo que só pensa em ideologia e relaciona ambientalistas ao tal “marxismo cultural”. Mas como ele bem lembrou, o espaço para o meio ambiente no governo brasileiro foi criado durante a gestão Médici (com Paulo Nogueira Neto), portanto, no auge da ditadura militar.

Não há dúvida de que o impacto do comportamento de Bolsonaro e de seus ministros – que parecem visar a destruição do meio ambiente em prol de seu projeto desenvolvimentista -, é enorme na nossa credibilidade internacional. E pode piorar, como destacou Izabella Teixeira, ministra do meio ambiente de Dilma Rousseff.

Ela tocou num ponto nevrálgico para o país e o mundo: as mudanças climáticas. Chamou a atenção para a escolha de pessoas inexperientes e sem visão de futuro para gerir essa pasta, o que pode render problemas graves junto a organismos como a ONU – que Salles desqualifica sempre que tem uma oportunidade -, principalmente devido à complexidade que envolve os debates e reflexões sobre clima.

Izabella ressaltou também que, enquanto no Brasil se fala de economia 4.0, os asiáticos já vivem a economia 5.0 e que caminhamos “a passos largos para o século XVIII”, destacando a união dos ex-ministros: “é uma iniciativa para que mostremos que o Brasil é muito mais que isso. Precisamos nos juntar e não polarizar”.

O ex-ministro de Temer, Edson Duarte, por sua vez, revelou informações importantes sobre o processo de transição de sua gestão para a de Salles que reforçam a visão tacanha deste governo. Contou que o ministro atual e sua equipe abriram mão dos “documentos formulados pela equipe de transição” e também tentou evitar o pronunciamento de Duarte na cerimônia oficial de transmissão do cargo.

Lembro que demos muitas más notícias sobre medidas tomadas pelo governo Temer contra a preservação do meio ambiente para favorecer o setor produtivo, mas Duarte fez questão de destacar que uma série de medidas positivas, definidas no final de sua gestão, estão em risco, tais como os investimentos internacionais no Fundo da Amazônia e no Fundo do Clima: eles receberam aportes de países como Alemanha e Noruega, que este governo pode perder. Também citou a reintrodução de ararinhas azuis no país, dizendo que está parada apesar de ter os recursos necessários para isso. Mas, aqui, faço uma observação porque se trata de um tema espinhoso. Noticiamos, aqui no Conexão Planeta, as suspeitas de tráfico que envolvem o alemão que seria o responsável por essa iniciativa junto ao governo brasileiro. Talvez o projeto esteja parado por isto, mesmo.

Como não podia deixar de ser, os jovens que ocuparam as ruas da Europa e dos Estados Unidos – inspiradas por Greta Thumberg e seu movimento Fridays for Future – foram lembrados neste encontro histórico. Ricupero fez um apelo para que os jovens brasileiros também ocupem as ruas, de forma constante, para pressionar o governo pelo clima e pela preservação. Izabella Teixeira foi mais pop e disse que “o Brasil não pode ser a rainha má do Game of Thrones do meio ambiente”.

Só não vê quem não quer! As consequências das ações e inações do governo Bolsonaro em geral – mas especialmente do seu ministro do meio ambiente, já que tudo está interligado – são dramáticas e serão irreversíveis, em todos os aspectos, para a sociedade. Sim, os jovens são os que sofrerão mais porque terão que viver num país devastado, mas as consequências serão sentidas por todos. Em breve. A sociedade precisa dar um basta a tanto retrocesso e perigo.

Discurso repetitivo e vazio

Ontem, mesmo, o ministro do meio ambiente divulgou, em seu Twitter, resposta à carta dos ex-ministros. Disse que sentiu satisfação ao lê-la, mas que não viu nela nenhuma indicação clara de que o governo tem colocado em risco a imagem e a credibilidade do Brasil para o mundo.

Como é de costume, Salles desqualificou as organizações não-governamentais. Segundo ele, o que causa prejuízo à imagem do Brasil não são as alterações feitas no ministério, mas a “campanha de difamação promovida por ONGs e supostos especialistas”, atribuindo as críticas a preconceito ideológico. Ah, Salles tinha que falar de ideologia neste texto, claro…

Ele afirmou que os governos anteriores é que devem ser responsabilizados pela paralisação da modernização e do avanço das politicas do ministério e de seus órgãos. E que, agora, com as mudanças em sua estrutura, com “quadros regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública de excelência”, como citado pelos ex-ministros em sua carta, é que o Brasil está no caminho para atender os “objetivos do desenvolvimento econômico sustentável“.

Ele se esqueceu de ler a frase que antecede esse parágrafo: “Não há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente”. Fez a leitura que quis. E repare que incluiu a palavra ECONÔMICO nos objetivos promovidos pela ONU, que ele costuma desqualificar como um antro de socialistas, que só pensam em direitos humanos. Aliás, desqualificar quem luta pela preservação é uma prática comum de sua gestão. Capicioso.

Foi assim quando falou da transferência da Agência Nacional de Águas para o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo. “… ter a ANA no Ministério do Meio Ambiente não significou, até então, ter evoluído no tema. Ao contrário, mesmo com ela, nada fizeram”. E também foi nesse tom que Salles defendeu a administração do Serviço Florestal Brasileiro pelo Ministério da Agricultura, sem dizer exatamente porquê. Importante ressaltar que, para a presidência desse órgão, a ministra Tereza Cristina designou o relator do projeto de lei que libera a caça de animais silvestres. É ou não é um desmonte? Destruição. Devastação.

Para o ministro – que é ruralista e foi condenado pela Justiça de São Paulo por favorecer mineradora em área de proteção ambiental quando era secretario do meio ambiente de Geraldo Alckmin -, alguns dos problemas que a administração atual enfrenta são reflexo do legado deixado por seus antecessores, além dos escândalos de corrupção: “… se há cortes e contingenciamentos infelizmente impostos pelo Ministério da Economia, esses também decorrem do caos herdado e dos escândalos de má gestão e corrupção ocorridos em governos anteriores e que legaram ao País este quadro econômico delicado em que vivemos”.

Do jeito que fala e escreve, parece que ninguém trabalhou de forma correta antes de Salles. E que ele veio salvar o mundo dos maus.

Me custa acreditar que um ministro que toma as decisões que vem tomando para desmontar toda a estrutura de proteção ao meio ambiente, seja capaz de escrever esta carta, que o Ministério chama de nota, em seu site.

Para terminar, ele fala da conciliação entre preservação e desenvolvimento, no mesmo tom da ladainha proferida por Bolsonaro em relação a qualquer setor. “Essa é a missão de conciliação da preservação e defesa do meio ambiente com o necessário e impostergável desenvolvimento econômico, determinada pelo Sr. Presidente da República, que este Ministério do Meio Ambiente, juntamente com os demais órgãos do Governo, se dispõem a cumprir”.

Cinismo pouco é bobagem. Quem quiser ler a resposta de Salles na íntegra, ela está publicada no site do Ministério do Meio Ambiente.

Abaixo, reproduzo a carta assinada pelos oito ex-ministros que antecederam Salles. Ele teria muito a aprender com eles, pena que não esteja interessado. Em seguida, está a gravação, sem edição, do encontro da imprensa com eles. Vá direto ao 23o. minuto que é quando eles começam a falar.

“Não há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente

São Paulo, 8 de maio de 2019

Em outubro do ano passado, nós, os ex-ministros de Estado do Meio Ambiente, alertamos sobre a importância de o governo eleito não extinguir o Ministério do Meio Ambiente e manter o Brasil no Acordo de Paris. A consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática, ponderamos, é condição essencial para a inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país no século 21.

Passados mais de cem dias do novo governo, as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país.

Não podemos silenciar diante disso. Muito pelo contrário. Insistimos na necessidade de um diálogo permanente e construtivo.

A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição.
Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente: entre elas, a perda da
Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, a ameaça de descriação de áreas protegidas, apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes.

Nas últimas três décadas, a sociedade brasileira foi capaz, através de sucessivos governos, de desenhar um conjunto de leis e instituições aptas a enfrentar os desafios da agenda ambiental brasileira nos vários níveis da Federação.

A decisão de manter a participação brasileira no Acordo de Paris tem a sua credibilidade questionada nacional e internacionalmente pelas manifestações políticas, institucionais e legais adotadas ou apoiadas pelo governo, que reforçam a negação das mudanças climáticas partilhada por figuras-chave da atual administração.

A ausência de diretrizes objetivas sobre o tema não somente tolhe o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil, comprometendo seu papel protagônico exercido globalmente, mas também sinaliza com retrocessos nos esforços praticados de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas necessárias ações de adaptação e no não cumprimento da Política Nacional de Mudança do Clima.

Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós.

É urgente a continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes nas ações do desmatamento ilegal e da ocupação de áreas protegidas e dos mananciais, especialmente nos grandes centros urbanos.

O discurso contra os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, e o questionamento aos dados de monitoramento do INPE, cujo sucesso é auto-evidente, soma-se a uma crítica situação orçamentária e de pessoal dos órgãos. Tudo isso reforça na ponta a sensação de impunidade, que é a senha para mais desmatamento e mais violência.

Pela mesma moeda, há que se fortalecer as regras que compõem o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, estruturadas em perspectiva sistêmica, a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. O Sistema Nacional de Meio Ambiente precisa ser fortalecido especialmente pelo financiamento dos órgãos que o integram.

É grave a perspectiva de afrouxamento do licenciamento ambiental, travestido de “eficiência de gestão”, num país que acaba de passar pelo trauma de Brumadinho. Os setores empresarial e financeiro exigem regras claras, que confiram segurança às suas atividades.

Não é possível, quase sete anos após a mudança do Código Florestal, que seus dispositivos, pactuados pelo Congresso e consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, estejam sob ataque quando deveriam estar sendo simplesmente implementados. Sob alegação de “segurança jurídica” apenas para um lado, o do poder econômico, põe-se um país inteiro sob risco de judicialização.

Tampouco podemos deixar de assinalar a nossa preocupação com as políticas relativas às populações indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais, iniciada com a retirada da competência da Funai para demarcar terras indígenas. Há que se cumprir os preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, reforçados pelos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, há muitas décadas.

O Brasil percorreu um longo caminho para consolidar sua governança ambiental. Tornamo-nos uma liderança global no combate às mudanças climáticas, o maior desafio da humanidade neste século. Também somos um dos países megabiodiversos do planeta, o que nos traz enorme responsabilidade em relação à conservação de todos os nossos biomas. Esta semana a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), considerada o “IPCC da biodiversidade”, divulgou o seu primeiro sumário aos tomadores de decisão, alertando sobre as graves ameaças que pesam sobre a biodiversidade: um milhão de espécies de animais e plantas no mundo estão ameaçadas de extinção.

É urgente que o Brasil reafirme a sua responsabilidade quanto à proteção do meio ambiente e defina rumos concretos que levem à promoção do desenvolvimento sustentável e ao avanço da agenda socioambiental, a partir de ação firme e comprometida dos seus governantes.

Não há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente. E isso se faz com quadros regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública de excelência, com a participação da sociedade e com inserção internacional.

Reafirmamos que o Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século 21. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de si próprio.

Rubens Ricupero
Gustavo Krause
José Sarney Filho
José Carlos Carvalho
Marina Silva
Carlos Minc
Izabella Teixeira

Edson Duarte

Fotos: Montagem com fotos de arquivo pessoal e Reprodução/Observatório do Clima

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.