Ex-ministros do meio ambiente assinam ‘carta aberta às lideranças do século XXI’ por um futuro justo e sustentável

Florestas do Amapá correm risco de serem dizimadas por plantações de soja e eucalipto
Esta semana, no dia do meio ambiente, 5/6, cinco ex-ministros do Meio Ambiente e um da Fazenda (Carlos Minc, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, Izabella Teixeira, Marina Silva e Rubens Ricupero) divulgaram (no jornal Valor Econômico) carta dirigida ao governo brasileiro para pedir que vete as medidas provisórias aprovadas no Congresso (por deputados ruralistas, em sua maioria, ou comprometidos com o setor) que reduzem consideravelmente a proteção das florestas no Brasil, e também diálogo com a sociedade e a ciência.

Com o texto, eles conclamam Temer a se posicionar sobre “o período histórico em que seu governo se encontra (…). Se estiver no passado, abrirá caminho para a destruição florestal (…). Se fizer parte do presente, reconhecerá que mudanças nas políticas ambientais necessitam de diálogo (…)”.

De nada adianta o governo assinar decreto que torna o Acordo de Paris (do qual o Brasil é signatário) parte da legislação brasileira, nem criar uma unidade de conservação e ampliar outras três, como foi divulgado no mesmo dia 5, se o Brasil – sua biodiversidade e seus povos tradicionais – continua sendo vilipendiado pelos senhores do agronegócio, da mineração e da exploração madeireira.

Além disso, é importante lembrar que o Brasil ainda recebe apoio financeiro de países como a Alemanha e a Noruega para a conservação de suas florestas. Como o país poderá manter seus compromissos, se Temer aprovar tais medidas e o Congresso e os empresários prosseguirem com sua sanha desenvolvimentista? Como poderá manter sua biodiversidade, tão preciosa para a vida na Terra? Como poderá garantir Justiça e Direitos Humanos?

Eis o texto na íntegra:

Já faz quase duas décadas que viramos a página da história e chegamos ao século XXI. Mas decisões como a do presidente Donald Trump, às vésperas da semana do meio ambiente, nos fazem questionar em que momento realmente estamos vivendo. Ao rejeitar fatos e ciência, Trump deu seu sinal ao mundo. Não há senso de responsabilidade que o fará abandonar promessas estapafúrdias. Os países membros do acordo, empresas e lideranças ambientais, políticas e religiosas reagiram contrariamente ao retrocesso e mandaram seu recado de volta: o acordo de clima seguirá sem o governo americano, que passa a figurar na lanterna da economia de baixo carbono.

No Brasil, também não há motivo para celebrar o dia 5 de junho. O governo criticou a decisão dos Estados Unidos. Em nota, os ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente, afirmaram que “o Brasil continua comprometido com o esforço global de combate à mudança do clima e com a implementação do Acordo de Paris”, posição que foi reforçada pelo presidente Michel Temer, na Cerimônia do Dia Mundial do Meio Ambiente, ao assinar o decreto que torna o acordo parte da legislação brasileira. No entanto, quem acompanha a pauta socioambiental não tem encontrado respaldo para essa afirmação.

Uma série de propostas para mudar políticas públicas ambientais no país, apresentadas pelo Congresso Nacional, sem a devida discussão com a sociedade e com surpreendente agilidade, têm deixado sociedade civil e parte do setor empresarial em constante preocupação.

Projetos legislativos que reduzem a proteção florestal colocam em risco as metas climáticas, uma vez que o setor de florestas e uso da terra é a principal fonte de emissões de gases estufa do Brasil. Além disso, ameaçam povos indígenas e suas terras, agravando a violência no campo, comprometem patrimônio natural, segurança hídrica e alimentar e atividades econômicas ligadas à floresta, assim como o próprio agronegócio, responsável por quase 25% de nosso PIB.

A justificativa dos congressistas para seguir com as peças legislativas que legalizam ocupações irregulares e outras atividades ilegais no campo é a necessidade de se liberar terras para produzir – o que não se sustenta.

Enquanto isso, duas simbólicas medidas provisórias aguardam a sanção do presidente Temer em plena semana do meio ambiente. As MPs 756 e 758 retiram de proteção 588,5 mil hectares de florestas na Amazônia e diminuem em 20% o Parque Nacional de São Joaquim (SC), um dos principais refúgios da biodiversidade da mata atlântica na região. Tais medidas impactam áreas críticas de preservação que, entre 2012 e 2015, lideraram o ranking de unidades de conservação mais desmatadas do país.

A motivação original da MP 758 era liberar uma faixa e cerca de 862 hectares de um Parque Nacional para a passagem da Ferrogrão, perto da cidade de Itaituba, no Pará. Uma segunda MP foi elaborada e tramitou junto com esta, propondo a redução de 300 mil hectares de outras Unidades para legalização de ocupação ilegal, posterior à criação das unidade de conservação, e de garimpo, praticamente na mesma região da Ferrogrão e da BR-163.

No entanto, o Congresso Nacional alterou significativamente essas MPs, chegando à proposta de redução de 600 mil hectares e ainda reduzindo um Parque em Santa Catarina. Tais propostas abrem o caminho para a maior degradação ambiental da região e o próprio ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, já se posicionou contra a aprovação dessas medidas.

É inegável que o Brasil carece de projetos de infraestrutura, principalmente no setor de logística. Mas essas MPs comprometem a imagem das ações de desenvolvimento, tão necessárias para o país, ao propor empreendimentos que desconsideram critérios de sustentabilidade.

Em meio à turbulência política do país, pode parecer secundário preocupar-se com as políticas ambientais. Não é. A taxa de desmatamento da Amazônia, que vem em preocupante elevação desde 2014 e atingiu quase 30% em 2016, pode afastar investidores e mercados externos que passam a desconfiar da competência do Brasil para cumprir suas obrigações e compromissos internacionais.

Como exemplo, podemos mencionar os investimentos do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), um dos maiores projetos de conservação de florestas do mundo. Os cerca de US$ 215 milhões, provenientes de doadores internacionais, só serão desembolsados caso o país não sofra perdas em suas unidades de conservação. Reduzir a proteção florestal é uma estratégia antiquada e dissonante do que o mercado exterior espera do setor agropecuário nacional.

Precisamos entender o momento de crise – política, econômica e socioambiental – de forma ampla. Não são apenas os índices de empregabilidade, o apetite para investimento e o custo de serviços básicos que não andam bem. Vivemos também um momento que coloca em xeque a capacidade de o país empreender e construir uma agenda de futuro justa, solidária e sustentável. Nesse cenário, líderes, representantes da sociedade e formadores de opinião devem nos ajudar a reerguer.

Por isso, as lideranças do século XXI não poderiam ter outra postura que não seja vetar integralmente essas medidas, em coerência com a manifestação do governo brasileiro ao condenar a decisão de Trump e em respeito ao longo caminho já percorrido até aqui na construção de uma agenda que viabilize o uso sustentável do solo do Brasil.

Esperamos, com isso, que o presidente Temer possa usar a decisão sobre essas MPs como uma oportunidade para dizer ao Brasil em que período histórico o seu governo se encontra. Se estiver no passado, abrirá caminho para a destruição florestal, ignorando os apelos da sociedade e da ciência. Se fizer parte do presente, irá reconhecer que mudanças nas políticas ambientais necessitam de diálogo e irá vetar essas medidas para reiniciar o debate de uma forma diferente, com transparência e envolvimento dos atores da agenda de clima, florestas e agricultura. Torcemos pelo século XXI.

Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente (abril de 2010 a maio de 2016)

Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente (maio de 2008 a março de 2010)

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente (janeiro de 2003 a maio de 2008)

José Carlos Carvalho, ministro do Meio Ambiente, (março de 2002 a dezembro de 2002)

Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente

José Goldemberg, ministro da Educação (1991 a 1992) e secretário do Meio Ambiente da Presidência da República (março a julho de 1992)

Foto: Daniel Beltrá/divulgação Greenpeace

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.