Ex-Ministros de Ciência, Tecnologia e Inovação lançam manifesto contra governo Bolsonaro

Esta é a quarta vez que titulares de governos anteriores se unem para protestar contra medidas do governo Bolsonaro. Já foram realizadas iniciativas de ex-ministros do Meio Ambiente, Educação e Justiça. E cogita-se que as próximas áreas em que ex-ministros irão se manifestar são as da Cultura e da Saúde.

Desta vez, o encontro reuniu, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dez ex-Ministros de Ciência, Tecnologia e Inovação que atuaram nos últimos 30 anos e chamaram o manifesto e o encontro de A Ciência Brasileira em estado de alerta.

“Nós, ex-ministros de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), vimos a público manifestar a nossa profunda preocupação diante das ameaças no tocante à Educação, em geral, e à CT&I em particular. Agravam-se os cortes orçamentários drásticos que poderão levar ao retrocesso sem paralelo na história da Ciência brasileira, área essencial e crítica, tanto ao desenvolvimento econômico e social quanto à soberania nacional”.

Assim se inicia o manifesto assinado por Aldo Rebelo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Aloízio Mercadante (2011, que também participou do manifesto dos ex-ministros da Educação), Marco Antonio Raupp (2012 a 2014), Celso Pansera (2015 e 2016), Roberto Amaral (2003), Clélio Campolina, Ronaldo Sardenberg, José Goldemberg (de 1990 a 1992, que também participou do manifesto dos ex-ministros do meio ambiente) e Sérgio Machado Rezende (2003), que destacaram que “vivemos, hoje, a maior das provações da nossa história”.

Sem citar os nomes de Bolsonaro, nem do ministro atual da área, o astronauta Marcos Pontes, os ministros presentes ressaltam que não podem “concordar com as recorrentes manifestações, por parte das autoridades do governo, que negam evidências científicas na definição de políticas públicas”.

Ontem, durante o encontro, eles destacaram que as universidades federais são responsáveis por 95% da produção cientifica brasileira, mas tiveram 42% do orçamento anual contingenciado, além de 6.198 bolsas de estudo bloqueadas nos níveis de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

O documento resume a realidade da Ciência no Brasil, que já começa a sentir os efeitos da desconsideração deste governo por sua importância vital para a sociedade. E eles concluem: “não se pode permitir a criação de condições que estimulem a evasão de nossos melhores cérebros”. E acrescentam que também é inadmissível “a ausência de representantes da comunidade científica em comitês e conselhos governamentais”.

Realmente, é desesperador. É como tirar o país do mapa da Ciência e, assim, deixamos de existir para o mundo, deixando ir embora os grandes talentos que as universidades apoiaram até o ano passado, e que irão colaborar com o desenvolvimento cientifico em outros países.

Agora, leia o texto abaixo, na íntegra:

A Ciência Brasileira em estado de alerta

Nós, ex-ministros de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), vimos a público manifestar a nossa profunda preocupação diante das ameaças no tocante à Educação, em geral, e à CT&I em particular. Agravam-se os cortes orçamentários drásticos que poderão levar ao retrocesso sem
paralelo na história da Ciência brasileira, área essencial e crítica, tanto ao desenvolvimento econômico e social quanto à soberania nacional.

Invariavelmente, as nações desenvolvidas são aquelas que têm Ciência e Tecnologia próprias e capacidade aprimorada de inovação. Em desenvolvimento são as que apostam no conhecimento científico, buscam ter tecnologia própria e a fortalecer sua capacidade de inovação. Umas são soberanas, altivas; outras tendem a ser dependentes, inseguras.

Nosso País, em que pese ter uma dívida histórica e avanços importantes recentes com a Educação, Pesquisa e Desenvolvimento, conseguiu saltar sobre as suas próprias debilidades estruturais (má distribuição de renda, infraestrutura precária de saneamento, transportes e habitação e atendimento insuficiente de saúde e segurança) para se projetar no mundo como o 13º maior produtor de conhecimento, considerados os artigos publicados em revistas científicas indexadas.

Com muito esforço, formamos um corpo de pesquisadores, especialmente nas universidades públicas, nos centros de pesquisa e nas empresas, que atuam na fronteira do conhecimento em áreas de ponta. Foi uma construção de décadas e de muitas gerações, um engajamento que
envolveu civis e militares, desde o pós-Segunda Guerra Mundial, e que atravessou diferentes governos. Como em outros países, o Estado Nacional soube financiar e prover os centros de conhecimento até ao ponto que pudemos erguer, nas últimas décadas, um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esta é a riqueza da nossa Nação e nosso principal passaporte para a sociedade do conhecimento.

Como exemplos da maturidade da Ciência nacional alcançada nos últimos anos, podemos citar:
as tecnologias de ponta mais avançadas do mundo em exploração de petróleo em águas profundas;
a agricultura de alta produtividade, desenvolvida a partir de pesquisas realizadas nos âmbitos universitário, governamental e empresarial;
a construção de um novo acelerador de partículas de terceira geração; o enriquecimento de urânio e construção de um reator multipropósito para produção de radioisótopos utilizados na Medicina;
o monitoramento e manejo ambiental, que previne desastres naturais e contribui na preservação da Amazônia;
a Medicina avançada e vacinas desenvolvidas em instituições de pesquisa e universidades públicas.

Cabe destacar, ainda, nossa capacidade de projetar e construir aviões, resultado de avanços tecnológicos que contaram com robustos investimentos de recursos públicos em P&D, que incluiu o Brasil entre os oito países fabricantes de aeronaves no mundo, a despeito da venda da gigante brasileira à empresa Boeing.

Tais conquistas da Ciência e da capacidade inovativa brasileira podem ser percebidas também em numerosas empresas estabelecidas em diferentes setores da atividade econômica, bem como no ambiente propício ao surgimento de “startups” tecnológicas.

O investimento de recursos executados nas últimas décadas permitiu ao País fortalecer seus grupos de pesquisa, impulsionar as inovações nas cadeias produtivas estratégicas e na capacitação de sua mão de obra, abrindo, dessa forma, espaço para mudanças nos processos de trabalho e no perfil de qualificação do trabalhador.

Havia, nos governos anteriores, consenso quanto do desenvolvimento científico e tecnológico, sabíamos que uma base econômica sólida, estar apoiada em um processo endógeno e dinâmico de geração de conhecimento e inovação, associado à expansão das universidades públicas e institutos federais. Foram inegáveis os avanços, objetivando minorar os graves problemas de desigualdades sociais e competitividade sistêmica.

Para o funcionamento do Sistema Nacional de CTI são essenciais as bolsas de pós-graduação do CNPq e da Capes, assim como a Finep, a Embrapii e fundos de financiamento que compõem o FNDCT, que está sofrendo um grande contingenciamento que compromete ações essenciais na
área. Da mesma forma, os Institutos de Pesquisa e as Organizações Sociais vinculadas ao MCTIC vivenciam cortes, cada vez maiores, e que comprometem a sua produção.

No eixo central, precisamos de proposições estratégicas que sejam lúcidas o bastante para o fortalecimento das ciências básicas, valorizando as ciências sociais e humanas, o desenvolvimento de novas tecnologias e de políticas socioeconômicas, que venham atender ao crescimento mais inclusivo, sustentável e inteligente.

Entretanto, vivemos hoje a maior das provações da nossa história. Não podemos concordar com as recorrentes manifestações, por parte de autoridades do governo, que negam evidências científicas na definição de políticas públicas. As pesquisas são fundamentais para o País avançar em direção a um desenvolvimento econômico, com inclusão social, respeito aos direitos humanos e sustentabilidade ambiental, que preserve nossos recursos naturais estratégicos.

Esta bandeira pelo conhecimento não tem partido e não pertence somente à comunidade científica, acadêmica e empresarial, mas deve ser levantada por toda a sociedade. A linha de continuidade é o entendimento de que o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia & Inovação constitui uma Política de Estado.

Os extraordinários avanços da economia digital, da inteligência artificial, biotecnologia, automação e robótica, internet das coisas, novos materiais estão mudando rapidamente as formas de produção no mundo e estabelecendo um novo paradigma tecnológico com imensos desafios ao trabalho humano e ao Brasil como nação. O dispêndio em CT&I é um investimento virtuoso e estratégico.

Desqualificar as universidades públicas que produzem mais de 90% da pesquisa brasileira e a privatização de empresas estratégicas, são equívocos que podem custar caro à sociedade brasileira.

Não podemos permitir a criação de condições que estimulem a evasão dos nossos melhores cérebros. Não podemos aceitar a ausência de representantes da comunidade científica em Comitês e Conselhos Governamentais que discutem políticas públicas. É preciso garantir esperança para as futuras gerações!

O desafio é enorme e urgente, o Brasil precisa avançar a uma velocidade superior à da fronteira do conhecimento, sob pena de termos, na melhor das hipóteses, uma estagnação relativa. É urgente a transversalidade da CT&I na gestão pública, como instrumento para a recuperação econômica e transformação do país em Nação sustentada pelo conhecimento.

Eis aqui o nosso chamado para que a sociedade brasileira se comprometa e se mobilize na defesa da Ciência, do Conhecimento e da Tecnologia, patrimônios de uma Nação.

Rio de Janeiro, 1 de julho de 2019

EX-MINISTROS DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO:
Aldo Rebelo 
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Aloízio Mercadante 
Marco Antonio Raupp
Celso Pansera 
Roberto Amaral
Clélio Campolina 
Ronaldo Sardenberg
José Goldemberg 
Sérgio Machado Rezende

Deixe uma resposta

Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.