Esqueça o pé e enfie os dentes na jaca

Quem vê jaca sobrando em árvores carregadas, no litoral brasileiro até toma a espécie (Artocarpus heterophyllus) por nativa. Mas a jaqueira, na verdade, é “adotada”: veio da Ásia (Malásia e Índia) nas caravelas portuguesas. Há pelos menos três séculos, cresce espontaneamente na região da Mata Atlântica.

A “adoção” é um sucesso: as árvores de madeira dura e copas densas, com cerca de 20 metros de altura, crescem misturadas aos remanescentes de floresta litorânea e os frutos imensos, pendentes do tronco, habitam tanto a culinária tradicional como a contemporânea.

Em geral, a jaca pesa cerca de 10 quilos e a parte consumida é a polpa, dividida em bagos, ao natural ou transformada em doces em calda ou em massa (geleias). Em algumas regiões e comunidades do Nordeste, como o Recôncavo Baiano, o fruto é considerado alimento básico e é incluído na merenda escolar. De fato, a jaca garante uma boa dose de cálcio e vitaminas A, B1, B2 e C. As sementes também são comestíveis, depois de torradas, e fornecem proteína e potássio, além de ajudarem a controlar diarreias.

O aproveitamento das jacas, no entanto, ainda é muito baixo, porque os frutos são grandes demais e apodrecem muito rápido. Muitos, inclusive, só são recuperados no chão, depois que caem de maduros, portanto a armazenagem é precária e ainda se joga fora muita coisa boa. Diversas pesquisas já foram realizadas para testar métodos de processamento e melhorar isso, como fez a engenheira agrícola Ana Paula Prette, em sua tese de doutorado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba.

A pesquisadora desenvolveu uma polpa desidratada e dois tipos de farinha de resíduos de jaca (casca, eixo central, sementes e parte da polpa antes descartada). Os três produtos aumentam consideravelmente o tempo de armazenagem da jaca e podem ser usados na fabricação de sucos, bolos e biscoitos, com “alto aporte nutricional, baixo custo operacional e requerimento mínimo de equipamentos”, conforme destaca Ana Paula em sua tese. Ou seja, podem se transformar também numa alternativa de renda para micro agroindústrias.

Outra pesquisadora, Fabíola Medeiros de Albuquerque, trabalhou em seu mestrado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com a possibilidade de uso das sementes de jaca para a produção de amido. Segundo concluiu, o amido de jaca poderia ser amplamente aproveitado nas indústrias de panificação, produtos cárneos, balas e caramelos, pudins e sobremesas prontas.

Entre os veganos e vegetarianos, a jaca verde é uma excelente alternativa ao frango desfiado, na produção de coxinhas. A textura ideal para enrolar e fritar e o sabor garantem o sucesso do salgadinho, definitivamente incorporado ao cardápio de lanchonetes nos grandes centros urbanos. Diversas versões da receita de coxinha de jaca circulam pela internet e quem provou atesta que é bom mesmo!

É claro que não dá para deixar de mencionar que a jaca também frequenta o vocabulário popular, na tradicional expressão “enfiar o pé na jaca”, como sinônimo de fazer uma grande besteira, frequentemente associada ao ato de esquecer a dieta e se empanturrar de comida ou esquecer a promessa de não beber e tomar um porre. A expressão já derivou inclusive para a criação do verbo “jacar” e da expressão “jacada de fim de ano”, com o mesmo significado.

Agora que as festas passaram e 2017 começa a engrenar, quem sabe não é tempo de cunhar um novo mote, mais de acordo com as boas qualidades do fruto e “enfiar os dentes na jaca”, esperando apenas um alimento saudável e nutritivo.


Fotos: Liana John

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Liana John

Jornalista ambiental há mais de 30 anos, escreve sobre clima, ecossistemas, fauna e flora, recursos naturais e sustentabilidade para os principais jornais e revistas do país. Já recebeu diversos prêmios, entre eles, o Embrapa de Reportagem 2015 e o Reportagem sobre a Mata Atlântica 2013, ambos por matérias publicadas na National Geographic Brasil.