Entidades médicas, políticos e sociedade civil repudiam discurso de menosprezo de Bolsonaro sobre pandemia de coronavírus

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No mesmo dia em que a Índia anunciou o isolamento para 1,3 bilhão de seus habitantes, os Jogos Olímpicos de Tóquio foram adiados para 2021 e os números de pessoas infectadas pelo novo coronavírus passam de 400 mil no mundo inteiro, com quase 20 mil mortes, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro fez um discurso, em rede nacional de televisão e rádio, em que contrariou todas as recomendações feitas por médicos e especialistas sanitários nacionais e internacionais, criticou o trabalho incansável da imprensa e chamou o COVID-19 de uma “gripezinha”.

Abaixo, alguns trechos do pronunciamento da noite passada:

O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos.

O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa.

O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine. Devemos, sim, é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nossos queridos pais e avós. Respeitando as orientações do Ministério da Saúde

No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão…”

Perplexidade e consternação

O Brasil ficou perplexo e estarrecido com o discurso acima. Assim como em outros dias, milhares de brasileiros foram às janelas, bater panelas e gritar em protesto contra o presidente. A população, que já vive com medo, em meio à pandemia, não conseguiu entender como a maior autoridade de seu país pode ignorar a ciência e a opinião de médicos, especialistas e da própria equipe do Ministério da Saúde.

Rapidamente, após o pronunciamento de Bolsonaro, entidades do setor da saúde, políticos, governadores e sociedade civil usaram as redes sociais e publicaram notas de repúdio à irresponsabilidade da fala do presidente, que foi chamada de “discurso da morte” por alguns.

A Sociedade Brasileira de Infectologia disse, em texto, “ver com preocupação o pronunciamento oficial do presidente… ao ser contra o fechamento de escolas e ao se referir a essa nova doença infecciosa como “um resfriadinho”… Tais mensagens podem dar a falsa impressão à população que as medidas de contenção social são inadequadas e que a COVID-19 é semelhante ao resfriado comum, esta sim uma doença com baixa letalidade… O Brasil está numa curva crescente de casos, com transmissão comunitária do vírus e o número de infectados está dobrando a cada três dias”.

Também em nota, o Conselho Nacional de Saúde alertou que o pronunciamento do presidente “coloca em risco a vida de milhares de pessoas… e é uma afronta grave à saúde e à vida da população. Sua fala prejudica todo o esforço nacional para que o Sistema Único de Saúde (SUS) não entre em colapso diante do cenário emergencial que vivemos na atualidade”.

Já a Sociedade Brasileira de Imunizações chamou de “temerário” o discurso de Bolsonaro. “Ao pregar o fim do isolamento social como estratégia de resposta à pandemia de COVID-19, o presidente contraria todas as evidências científicas. Vai de encontro, também, às próprias orientações do Ministério da Saúde, que vem trabalhando de forma correta e árdua diante desse grande desafio”.

No meio político, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que está em quarentena porque contraiu o coronavírus, foi um dos primeiros a se pronunciar contra o discurso absurdo do presidente. “Neste momento grave, o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população. Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República, em cadeia nacional, de ataque às medidas de contenção à Covid-19. Posição que está na contramão das ações adotadas em outros países e sugeridas pela própria Organização Mundial da Saúde”, destacou.

“Reafirmamos e insistimos: não é momento de ataque à imprensa e a outros gestores públicos. É momento de união, de serenidade e equilíbrio, de ouvir os técnicos e profissionais da área para que sejam adotadas as precauções e cautelas necessárias para o controle da situação, antes que seja tarde demais”, completou Alcolumbre.

Pelas redes sociais, o governador do Piauí, Wellington Dias reafirmou que manterá todas as medidas de prevenção ao Covid-19, “que apesar de reconhecer que haverá prejuízo (econômico), a vida está em primeiro lugar”.

Responsável pela indicação de Luiz Henrique Mandetta para o Ministério da Saúde, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que é médico, afirmou que rompeu com o governo federal e “não há mais diálogo com esse homem (Bolsonaro)”.

O mesmo repúdio foi demonstrado por governadores do Maranhão, Rio Grande do Sul, Pará e Santa Catarina, que garantiram que continuarão a manter o isolamento, escolas fechadas e a seguir as orientações da ciência e dos profissionais de saúde.

É simplesmente lamentável e por que não dizer, criminoso, o discurso do presidente de nosso país. Enquanto o mundo tenta conter o avanço dessa pandemia global, que se alastra pelo planeta, médicos arriscam suas vidas (muitos deles já morreram na China, Itália e Espanha) e líderes internacionais não medem esforços para proteger seus cidadãos, Bolsonaro prioriza a economia sobre vidas humanas.

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Fotos Públicas

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.