Engenheiro do Pará cria produto inédito que usa açaí no tratamento de água

O Brasil é o maior produtor mundial de açaí. A pequena frutinha roxa, que se tornou famosa no mundo inteiro, nasce do açaizeiro (Euterope oleracea), uma palmeira tropical de origem amazônica.

O estado do Pará é de longe, o principal responsável pelo abastecimento de açaí para o mercado nacional e internacional. Segundo a Pesquisa Agrícola Municipal, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, a safra foi de 1,1 milhão de toneladas. 98,3% foi cultivado pelos paraenses.

Todavia, ainda há muito desperdício nesta produção gigantesca. “Somente 17% do fruto é aproveitado, na produção de vinho e polpa de açaí”, explica o engenheiro químico Márcio de Freitas Velasco. “Os caroços, que equivalem a 83% do fruto, são classificados como resíduo sólido urbano, sendo muitas vezes despejados de forma inadequada em vias públicas, próximo dos locais de venda ou simplesmente, despejados em lixões”.

Pois em 2015, quando iniciou seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências e Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará, Velasco tinha em mente dar um uso bem mais nobre aos caroços do açaí.

Há quase dez anos, o engenheiro químico trabalha na  Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em Belém. A entidade é responsável pelo atendimento de implantação de  infraestrutura básica, como fornecimento de água potável e melhorias de estradas vicinais, para mais de  52 mil famílias ribeirinhas, distribuídas pelas regiões do Marajó e Baixo Tocantins, assim como em Ilhas próximas à capital.

“Essas comunidades da região Amazônica encontram-se muitas vezes em locais isolados, sem acesso a saneamento básico, consumindo água sem qualquer tratamento prévio”, conta. “A presença de impurezas e microrganismos causadores de doenças, como bactérias e vírus, são as principais características da água utilizada para uso doméstico dessas pessoas, e até mesmo, para beber e cozinhar”.

Família ribeirinha com microestação de tratamento de água

Nos últimos cinco anos, 5 mil famílias ribeirinhas começaram a ter água tratada através da implantação de microestações de tratamento de água – META -, modelo projetado pelo engenheiro. A água obedece os padrões de potabilidade estabelecidos pela legislação vigente.

“O processo de tratamento desenvolvido baseia-se na remoção das impurezas através da adição de um coagulante, produto capaz de aglutinar e sedimentar tais impurezas, tornando fácil a sua remoção por meio de filtros, etapa essa conhecida como clarificação”, diz Velasco. “Paralelamente à clarificação, é realizada a desinfecção da água, através da adição de cloro. para eliminar microrganismos causadores de doenças, fornecendo assim água purificada pronta para consumo humano”.

O engenheiro destaca que atualmente existem no mercado coagulantes a base de produtos vegetais. A matéria-prima utilizada na produção desses produtos, conhecida como tanino, é extraída de uma árvore de pequeno porte, a acácia negra. “Seu uso requer manejo específico que envolve desde o plantio até a derrubada das árvores para extração do coagulante”, afirma o paraense.

Sistema de purificação de água

Tanino em abundância

E é aí que o açaí entra nesta história. O fruto do açaizeiro possui em sua composição cerca de 5,30% de tanino. Velasco diz que a substância é facilmente extraída do caroço com água quente, podendo esse extrato obtido ser utilizado como fonte de taninos para as mais diversas aplicações.

Com o objetivo de aproveitar ao máximo os caroços, considerados como resíduos sólidos, e até então desperdiçados, o engenheiro químico começou a estudar o potencial dos mesmos na produção de coagulantes.

Depois de 18 meses de pesquisa, ele conseguiu obter o coagulante vegetal a base do açaí. “Na etapa de clarificação, testei o produto em amostras de água coletada nos rios e igarapés da região Amazônica”, revela. “Os resultados indicaram uma elevada eficiência, garantindo água purificada de elevada qualidade”.

Tanino extraído do caroço do açaí

Márcio Velasco acredita que o uso da semente de açaí como um coagulante irá reduzir os custos operacionais do tratamento de água na região. Ao substituir o tanino da acácia negra pelo fruto do açaizeiro, será desnecessária a derrubada e replantio da primeira.

O próximo passo para o engenheiro será ingressar no doutorado, dando continuidade à pesquisa. “Precisamos desenvolver o produto em escala industrial, a fim de garantir sua aplicação a nível regional, reduzindo custos e ampliando a cobertura de atendimento das famílias ribeirinhas do Pará”, diz.

Fotos: Lets/Creative Commons/Flickr (abertura) e arquivo pessoal

20 comentários em “Engenheiro do Pará cria produto inédito que usa açaí no tratamento de água

  • 27 de janeiro de 2018 em 10:34 AM
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    Muito importante essa pesquisa, principalmente pra nossa região ribeirinha.
    Parabéns

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    • 7 de fevereiro de 2018 em 1:27 PM
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      Obrigado pelo comentário. Infelizmente essas famílias ainda permanecem praticamente invisíveis perante nossos governantes.

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  • 24 de março de 2019 em 7:46 AM
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    Grande avanço em nossas pesquisas na Amazonia,parabens Velasco por essa politica publica as comunidades tradicionais

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  • 27 de abril de 2019 em 10:25 AM
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    Obrigado Jessica. Vale ressaltar que as pesquisas continuam.

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  • 27 de abril de 2019 em 10:48 AM
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    Parabéns pelo seu trabalho, essa descoberta contribuirá muito para a melhoria da qualidade de vida de nossa população ribeirinha.

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  • 27 de abril de 2019 em 11:37 PM
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    Muito importante essa pesquisa, a utilização de resíduos para trazer benefício a sociedade principalmente a população ribeirinha que pouco tem atenção de nossos governantes. Parabéns!

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  • 28 de abril de 2019 em 9:42 AM
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    Excelente. Mostrando que o pouco que se investe em pesquisa está dando retorno a uma das camadas mais carentes e esquecidas da sociedade, nossas comunidades ribeirinhas. Parabéns Sr. Velasco !

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  • 28 de abril de 2019 em 10:14 AM
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    Pesquisa importante para o desenvolvimento de regiões que precisam de maior atenção.
    A engenharia está em todo lugar, até onde não se nota. Só acho que o titulo deixou a desejar. Não é o açai e sim o rejeito do açai que é utilizado. Parabéns pela pesquisa.
    Prof. Dr. Nazareno Braga
    Professor UFAM
    Curso de Engenharia Química.

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  • 28 de abril de 2019 em 12:03 PM
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    Parabéns pela iniciativa!
    O avanço desta pesquisa irá beneficiar quem vive em situação precária. E o que é melhor, praticando sustentabilidade, utilizando elementos locais e diminuindo o custo do processo.

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  • 28 de abril de 2019 em 12:34 PM
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    A Amazônia legal tem em seus rios uma alta taxa de turbidez, e a o produto pesquisado e de suma importância já que o acai e abundante na região, e uma pesquisa valiosa, parabéns a UFPA, parabéns ao pesquisador Marcio.

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  • 29 de abril de 2019 em 9:18 AM
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    Isto é fantástico, acompanho a pesquisa do doutorando, Márcio, nos enche de orgulho, neste momento em que grandes pensadores foram para o exterior, temos que valorizar os que ficaram, tenho certeza que está pesquisa continuará a contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos menos favorecidos.
    Nazareno santos

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  • 29 de abril de 2019 em 9:57 AM
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    Parabenizo o pesquisador Márcio Velasco pela relevante pesquisa que deveria ser adotada pelo poder público. Infelizmente, ainda há falta de incentivo ao que , é de fato, adequado a Amazônia. .

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  • 1 de maio de 2019 em 5:37 PM
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    Fiquei muito impressionada pelo o seu trabalho e até meus amigos aqui da Europa gostaram muito de saber sobre isso. Eu tive que traduzir, mas eles também acharam muito interessante.. ainda mais porque o açaí ainda não é tão conhecido por aqui. Existe em muitas bebidas energéticas, mas açaí mesmo nunca viram. E agora com o seu trabalho se interessaram mais ainda a saber sobre o assunto de como usar açaí para tratamento de água, parabéns ?

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    • 21 de janeiro de 2021 em 12:18 PM
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      Parabéns, meu amigo! Essa pesquisa é mais uma iniciativa da ciência na contribuição para o desenvolvimento dessas comunidades amazônidas.

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  • 26 de janeiro de 2020 em 1:24 PM
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    Parabéns pela pesquisa Márcio! Fiquei realmente surpreso com os dados da sua pesquisa e certamente com tanto resíduo produzido diariamente, havendo interesse do poder público, a questão da água potável poderá ser resolvida em 100%, melhorando a vida dos ribeirinhos.

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    • 26 de maio de 2020 em 6:42 PM
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      Acompanhei o trabalho desse engenheiro aqui em Breves, no Marajó. Fiquei muito feliz quando vi água boa pra beber na minha casa. Muito obrigado doutor Márcio.

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    • 14 de janeiro de 2021 em 9:30 AM
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      Muito importante o trabalho do pesquisador. Parabéns!! Mas não esqueçamos a pesquisa de uma jovem cientista há tempos atrás, que usou os caroços carbonizados para filtragem da água, também com resultados satisfatórios. Nosso povo é show!!!

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  • 15 de janeiro de 2021 em 8:45 PM
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    Parabéns ao pesquisador Márcio Velasco, pela iniciativa e dedicação aos trabalhos que, sem dúvidas, irão ajudar e muito as populações ribeirinhas a terem uma melhor qualidade de vida.
    E que venha o doutorado com mais resultados positivos aos já apresentados.

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    • 22 de janeiro de 2021 em 6:29 PM
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      Pesquisa muito valiosa para Amazônia e nosso povo do Marajó, contribuindo para a sustentabilidade da região. Que venha o doutorado para contribuir ainda mais com a nossa população.

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  • 4 de abril de 2021 em 9:55 AM
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    Pesquisa muito pertinente aos recursos naturais que temos aqui, no Pará. O açaí, assim como toda sua cadeia produtiva, irá perdurar por muitos anos na pesquisa. Cara, Suzana, só uma correção (creio que tenha sido apenas de digitação mesmo), onde está escrito “Euterope”, deveria estar escrito “Euterpe”. Parabéns ao Engenheiro e pela matéria publicada.

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.