Formandos da ESALQ repudiam escolha da ministra da agricultura como paraninfa: “você não nos representa!”

Sem consultar os estudantes (200) das oito turmas de formandos de 2019 , Durval Dourado Neto, diretor da ESALQ – Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, da USP, em Piracicaba, convidou a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para ser sua paraninfa. E, para compensar sua ausência na colação de grau (ela estará viajando), que acontecerá amanhã, ele promoveu encontro entre os estudantes e a ministra no campus.

Afinal, Neto trabalhou o ano inteiro de 2019 fazendo pressão para realizar esse seu desejo, que encontrou apoio entre professores e alunos, mas não encantou a maioria.

Segundo o site Brasil de Fato, a estudante Angélica Borges, do curso de Ciências Biológicas, revelou que estiveram presentes à cerimônia cerca de 80 pessoas. Levando em conta as presenças do reitor da USP, Vahan Agopyan, de Durval (no canto esquerdo da foto acima), do prefeito de Piracicaba, Barjas Negri, de professores e técnicos, isso significa que boa parte dos alunos não participou.

Isso também pode ser resultado do descontentamento com escolha tão autoritária. Mas a ausência nem sempre é a melhor estratégia, como revelou a formanda Nara Perobelli, da 15ª turma de Bacharelado em Gestão Ambiental. Em determinado momento do encontro, ela pediu a palavra e, ao microfone, leu carta com críticas duras à presença da ministra no campus, a seu posicionamento de apoio ao agronegócio e ao governo, escrita por diversos alunos.

O texto repudia a escolha da ministra como madrinha da turma – “ela não nos representa!” e destaca que a atitude da direção “reflete o alinhamento da ESALQ com o projeto de agricultura e desenvolvimento conduzido pelo governo federal, que expropria direitos de comunidades rurais e indígenas, nega a ciência e silencia o conhecimento que não seja formatado para o lucro, perpetuando as desigualdades históricas do sistema agrícola e agrário do Brasil“. um modelo que, como a carta destaca, “é a cara da bancada ruralista“.

O texto salienta que esse foi o projeto disseminado durante todos os anos de estudos pela maioria dos professores, mas não por todos. E Nara disse que se sente orgulhosa de fazer parte do grupo daqueles que “entendem, por meio da ciência, da ética e do amor sem rótulos, que uma outra agricultura e um outro modelo de sociedade são possíveis”. 

No final, declarou que o grupo do qual faz parte sai da universidade comprometido com os ensinamentos de Ana Maria Primavesi, pioneira da agroecologia, que faleceu no início deste mês, aos 99 anos e disseminou um sistema de produção de alimentos saudáveis, que cuida da terra com amor. “Acreditamos, trabalhamos para isso e seguiremos na luta em direção a um sistema, que, como diz nossa sempre presente Ana Maria Primavesi, ‘não é para vender adubos e defensivos, mas para produzir bem e barato'” (leia o texto da carta, na íntegra, e assista ao vídeo que registrou a leitura, mais abaixo, neste post).

O que disse a ministra

Em resposta ao pronunciamento de Nara, Tereza Cristina fez um pronunciamento curtíssimo, dizendo que o Brasil vive uma democracia. “Ideologia, cada um tem que ter a sua. Essa é a beleza da democracia. De poder expressar livremente o que cada um pensa. Eu respeito o seu pensamento apesar de não concordar totalmente com ele. Mas tem algumas coisas em que a gente pode concordar”.

Chamou a agroecologia de uma “ciência fantástica”, desde que praticada com base em ciência. “O que não podemos é esquecer da ciência, principalmente dentro da universidade”. E concluiu: “Apesar de não te representar, fico muito feliz de ter sido escolhida por uma parte dos alunos desta escola”.

A carta na íntegra e o vídeo da leitura

Bom dia a todas e a todos! 

Aqui, na ESALQ, nós passamos de quatro a sete anos de nossas formações ouvindo, independentemente do curso que fizemos, sobre o agronegócio. Desde a administração, passando por ciência dos alimentos e engenharia florestal, todos, sem exceção, entram em contato com esse universo.  De um agro que é pop, que é tech, que é tudo.

Temos certeza de que a senhora, ministra, e o governo Bolsonaro como um todo, representam, geram e reproduzem em seu projeto de país esse modelo. 

Um modelo que é a cara da bancada ruralista. Um projeto de governo fundamentado e sustentado no capital e na desigualdade. 

Que, em 2019, gerou incêndios de proporções assustadoras;  que prendeu e matou ambientalistas, indígenas, quilombolas, agricultores, mulheres, negros, lgbtqi+; que buscou silenciar cientistas, pesquisadores, professores e todos que com dados escancaravam os problemas trazidos pelo tipo de agricultura que vocês incentivam com palavras e dinheiro. 

Nós passamos de quatro a sete anos aqui dentro ouvindo de muitos que essa era a única maneira possível de acabar com a fome no Brasil e no mundo. 

Ouvimos de muitos, mas não de todos. 

Hoje, segurando este microfone, tenho o orgulho de representar quem entende, por meio da ciência, da ética e do amor sem rótulos que uma outra agricultura e modelo de sociedade são possíveis. 

Esse grupo de pessoas é formado por estudantes, professores e funcionários que fazem pesquisa e extensão fundamentados na agroecologia nesta universidade, que é pública e que deve ser de todos e todas. 

Para este grupo do qual eu faço parte, é intragável que esta Escola, que se diz gloriosa, seja conivente com uma forma de produção e um projeto de país que se baseia no lucro, excluindo as pessoas do campo e as múltiplas funções da agricultura. 

Um governo que cerceia a ciência e a autonomia das universidades, que distorce informações, que não se propõe a ouvir nossas vozes nas ruas, mas que suporta nos escutar por dois minutos em troca de publicidade e uma placa de homenagem. 

Não, não representa a nenhuma ou nenhum de nós uma paraninfa ou paraninfo que do alto cargo de liderança que possui, escolha fazer política dessa forma. 

Acreditamos, trabalhamos para isso e seguiremos na luta em direção a um sistema, que, como diz nossa sempre presente Ana Maria Primavesi, “não é para vender adubos e defensivos, mas para produzir bem e barato”.

Foto: Reprodução

Deixe uma resposta

Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.