É possível educar uma criança sem a interferência dos adultos?

tocar
Quando uma criança pequena toca o tronco de uma árvore, ou uma folha, ou qualquer elemento vivo, ela o faz com o frescor da primeira vez, atraída pela comunicação da textura daquele elemento. Ela tem a postura do pesquisador, ou a que os pesquisadores deveriam ter para fazer novas descobertas: estar sem ideias pré-concebidas, estar atento e focado e profundamente interessado no elemento que está explorando.

E aqui vale um comentário: Na verdade, essa atitude das crianças é a mesma de quando elas exploram brinquedos de plástico ou outro material manufaturado. A diferença é que, com esses últimos, ela não consegue intuir a história natural contida nele. Os elementos naturais, sim, revelam algo conhecido na memória ancestral da criança. Os elementos naturais se comunicam com as crianças. É uma comunicação sensorial que remete à experiências ancestrais e arquetípicas.

Dessa forma, ela não tem receios ou censuras, ela explora sem preconceitos, interessada em reconhecer o mundo, em apreender os elementos e aprender com eles. O mundo da criança pequena é radicalmente sensorial. Quando ela toca num galho, numa folha ou no que quer que seja, ela pesquisa suas propriedades físicas, sentindo tudo das mais variadas formas que seus sentidos lhe permitem explorar.

Os juízos de valor são transmitidos pelos adultos, que têm se apressado, cada vez mais cedo, a impô-los aos pequenos. Gostar ou não gostar, sentir medo ou aversão são ensinados pelos adultos das mais variadas formas, na maioria das vezes até inconscientemente. Quando uma criança vai tocar em algo e um adulto diz: “Que nojo!”, ou simplesmente demonstra este sentimento de maneira até disfarçada, a relação da criança com aquela experiência recebe esta influência e tende a limitar suas explorações com aquele elemento ou em situações similares. Ela aprende a ter nojo.

Essa reflexão nos coloca diante de questões fundamentais: é possível educar uma criança sem a imposição das emoções e dos desejos dos adultos?

É muito provável que não. No entanto, antigamente – até a década de 1970 na maior parte do mundo, mesmo nas grandes cidades – as crianças brincavam livres durante muito mais tempo, recebendo menos influência dos adultos em suas explorações espontâneas. Elas podiam desenvolver conhecimento a partir de si mesmas, a partir de suas próprias explorações naturais.

Mas, nos últimos 45 anos, os espaços livres foram se restringindo e sendo substituídos pelos carros, de forma que o brincar livre passou a ser entendido como perigoso e as crianças foram progressivamente ficando em espaços fechados e cada vez menores (até chegarem ao pequeno espaço das telas, onde, hoje, elas “brincam” com tanto interesse – infelizmente -, ficando ainda mais submetidas aos desejos e fantasias dos adultos). Nas brincadeiras ao ar livre, as crianças são supervisionadas o tempo todo, recebendo uma carga intensiva de influências do mundo adulto, enfraquecendo a espontaneidade, nossa fonte mais fértil de criatividade.

Não existe uma resposta pronta para esta reflexão. Mas acreditamos que ela pode ajudar pais e educadores a observar a si mesmos e ao quanto impõem às crianças suas formas de perceber e sentir o mundo. Ela pode também estimulá-los a buscar lugares abertos em que as crianças possam brincar livres e com segurança. Ela pode, ainda, ajudá-los a superar os próprios medos e a confiar na sabedoria, engenhosidade e abertura comuns tanto nas crianças como na natureza.

Foto: Fabi Lopes

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Ana Carolina Thomé e Rita Mendonça

Ana Carolina é pedagoga, especialista em psicomotricidade e educação lúdica, e trabalha com primeira infância. Rita é bióloga e socióloga, ministra cursos, vivências e palestras para aproximar crianças e adultos da natureza. Quando se conheceram, em 2014, criaram o projeto "Ser Criança é Natural" para desenvolver atividades com o público. Neste blog, mostram como transformar a convivência com os pequenos em momentos inesquecíveis.