Doação?! Não, obrigação.


Doação?! Não, obrigação.

*Atualizado em 01/02/2019

Na segunda, 28/01, o diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale, Luciano Siani, anunciou, em entrevista coletiva, que a mineradora iria fazer a “doação emergencial” de R$ 100 mil, de imediato, a cada família das vítimas fatais ou de pessoas ainda desaparecidas na tragédia de Brumadinho.

O executivo deixou claro que o valor não fazia parte da indenização, ainda a ser definida, mas era uma ajuda emergencial.

Parece mesmo uma atitude “nobre” da empresa. Algo que nunca foi feito, por exemplo, com as famílias das 19 vítimas do desastre de Mariana, em novembro de 2015. Vale lembrar que a barragem de Fundão era da mineradora Samarco, fruto da sociedade da anglo-australiana BHP Billiton e da… Vale.

O que tem incomodado muita gente, entretanto, é o termo “doação”. A Vale não está fazendo uma doação. Não é um ato de generosidade como o verbo “doar” implica. A mineradora que provocou a morte confirmada de 115 pessoas e possivelmente, quase outras 250, não está fazendo nada mais do que sua obrigação.

Ela poderia ter utilizado, quem sabe, o termo “indenização inicial”, deixando claro que os R$ 100 mil não seriam descontados do valor a ser determinado ainda pela justiça para reparar os danos físicos e morais sofridos pelas famílias dos moradores de Brumadinho e dos funcionários da Vale, que foram soterrados pela lama de rejeitos de minério.

Em uma reunião hoje pela manhã, em Brasília, com representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ressaltou que a Vale não tem de esperar ações judiciais para indenizar vítimas da tragédia.

Depois, a procuradora se encontrou com o presidente da mineradora, Fabio Schvartsman. Ao sair, ele disse que a intenção da empresa é acelerar ao máximo, por meio de acordos extrajudiciais, o processo de indenização. “Estamos preparados para abdicar de ações judiciais. Queremos fazer acordos extrajudiciais, buscando assinar com a maior celeridade possível um acordo com as autoridades de Minas Gerais que permitam que a Vale comece a fazer frente, imediatamente, a esse processo indenizatório”.

Até o momento, a Vale já tem R$ 11,8 bilhões bloqueados pela justiça para ressarcir danos e perdas provocados pelo desastre. Outros R$ 800 milhões foram somados a este montante, hoje pela manhã, pela Justiça do Trabalho, para garantir pagamentos e indenizações trabalhistas (é a segunda parte de R$ 1,6 milhão).

Histórico de morosidade e descaso

Em novembro do ano passado, a justiça condenou a Vale a indenizar indígenas Xikrin e Kayapó, no Pará, por danos ambientais e à saúde de integrantes dessas comunidades. O valor era de mais de R$ 100 milhões (devidos desde 2015) e incluía ainda, a paralisação das atividades de exploração de ferro-níquel na unidade Onça Puma, até que a empresa cumprisse obrigações estabelecidas por lei, que incluíam programas de mitigação e compensação dos impactos causados ao meio ambiente e aos indígenas por conta da exploração mineral.

Na época, em nota divulgada à imprensa, a Vale disse que iria recorrer da sentença do Tribunal Regional Federal e afirmou que “Laudos periciais demonstram que o empreendimento não gera qualquer dano ao rio Cateté e às comunidades indígenas. O empreendimento está devidamente licenciado pelas autoridades ambientais locais”.

Apesar da declaração, feita hoje por Scharvstan, fica difícil acreditar que os familiares dos mortos de Brumadinho serão indenizados rapidamente. No caso de Mariana, por exemplo, quase três anos depois é que foi fechado o acordo de indenização das vítimas. Além disso, a previsão é que os pagamentos finais sejam feitos somente em 2020, ou seja, cinco anos após a tragédia.

A ajuda inicial de R$ 100 mil é um sinal de que algo pode ser diferente dessa vez. Já que o acidente, que poderia ter sido evitado, não foi. Mas, definitivamente, não é uma doação. É uma reparação, ainda mínima, pela perda que essas pessoas sofreram e que, na realidade, nenhum dinheiro do mundo, irá jamais aplacar a dor e o sofrimento causado pela Vale.


Listas com os nomes das mais de 250 vítimas ainda desaparecidas

*Neste link a Vale explica o que os familiares das vítimas e dos desaparecidos de Brumadinho precisam fazer para pedir a “doação de R$ 100 mil”.

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Fotos: Isis Monteiro (abertura) e divulgação Movimento dos Atingidos por Barragens

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.