Diversidade, florestas, aquecimento global e algumas contradições na belíssima cerimônia dos Jogos Olímpicos

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A celebração da Rio 2016 foi linda. Encheu os olhos de brasileiros e estrangeiros pelo mundo. Emocionou, em diversos momentos – quem não chorou com a história da nadadora síria Yusra Mardini, com a participação especial do maratonista Vanderlei Carneiro de Lima (que acendeu a pira) ou com a delegação de refugiados, super aplaudida e ovacionada pela plateia? Boa parte da imprensa internacional elogiou, destacando a criatividade e a beleza do espetáculo, mas também a capacidade dos brasileiros de fazer muito (e bem) com tão pouco, já que o orçamento foi drasticamente cortado este ano (o Brasil gastou 10% do que foi investido nos jogos olímpicos em Londres, em 2012).

Mas não foram somente a beleza e a criatividade que chamaram a atenção na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. A riqueza da cultura brasileiratão negada e vilipendiada pelo governo interino de Michel Temer – garantiu o espetáculo, com o talento de profissionais incríveis na arte, na música, na dança, nos cenários, nos figurinos, nas performances… Sob a direção do cineasta Fernando Meirelles, a festa esbanjou competência e emoção. O Brasil estava em cada palavra, em cada som, em cada luz ou gesto, mas havia uma missão importante nesse encontro: mostrar o que realmente importa, ou seja, a importância do respeito à diversidade e ao meio ambiente, ainda que, na prática, a história ainda seja bem outra, revelando algumas contradições. Do contrário, como pensar no futuro e nos próximos jogos? A cerimônia engajada certamente se deveu, também, ao compromisso do Comitê Olímpico Internacional (COI) de ajudar a “construir um futuro sustentável”.

A cerimônia teve show pirotécnico de fogos (coitadas das aves e também dos animais de estimação que se escondem, apavorados com o barulho!), Hino Nacional cantado por Paulinho da Viola enquanto a bandeira era hasteada, Jorge Benjor com seu País Tropical, o vozeirão de Elsa Soares, Luiz Melodia, Marcelo D2, os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil acompanhados pela popular Anita (a convite do primeiro) que abriram passagem para as escolas de samba cariocas (e suas mulatas, mestres-sala e portas-bandeira) garantindo a presença do samba – patrimônio nacional. A supermodelo Gisele Bundchen – brasileira reconhecida no mundo todo – desfilou numa passarela de 128 metros (a maior que ela já percorreu) marcada pelas linhas sinuosas de Oscar Niemeyer, ao som de Garota de Ipanema de Tom Jobim, interpretada ao piano por seu neto, Danilo.

modelo transgênero Lea T (filha do ex-jogador Toninho Cerezo) “abriu espaço” para a delegação brasileira e invocou o debate sobre gênero e preconceito. Muito pertinente já que, todos os dias, uma pessoa LGBT é assassinada no Brasil. Como disse Fernando Meirelles em seu Twitter, no sábado pela manhã, “Bolsonaro e Trump não vão gostar. E, nisso, nós acertamos!”.

Nisso, sim, mas quando os índios “tomaram conta” do Maracanã, perdeu-se a oportunidade de chamar a atenção do mundo para sua realidade já que estes povos têm sido violentamente desrespeitados em seus direitos e visto suas terras devassadas e tomadas por todo o país. Evocou-se o descobrimento e seus colonizadores. Visualmente, foi lindo, mas está mais do que na hora de amadurecer a conversa sobre nossos povos tradicionais!

Vale lembrar que, durante as obras para receber os Jogos Olímpicos, a prefeitura promoveu uma espécie de “limpeza étnica e social”. Desalojou inúmeras pessoas menos favorecidas, empurrando-as para mais longe da visão da elite e dos turistas. Antes, havia levantado uma divisória entre a favela e a avenida por onde passam os carros que chegam à cidade, inclusive os que saem do aeroporto em direção ao centro. E a cidade coleciona inúmeras práticas insustentáveis no que se refere à proteção do meio ambiente. Mais contradição.

Para entender as mudanças climáticas

Mas, o mais incrível nesta cerimônia foi a “aula” sobre aquecimento global apresentada em vídeo dirigido por Meirelles, que contou com a consultoria de outros dois brasileiros: o cientista Paulo Artaxo e o engenheiro florestal Tasso Azevedo, ambos especialistas em clima.

Nessa noite, mais de três bilhões de pessoas no mundo puderam compreender (melhor) porque o planeta está aquecendo e o que podemos fazer para evitar o pior. Cheio de gráficos e de imagens contundentes, este vídeo deveria ser adotado nas escolas e universidades e também exibido na TV, em espaços públicos, nos cinemas (antes dos filmes comerciais), nos bares… em todo lugar. Nele, foram apresentados os recordes de temperatura nos últimos anos, a “pegada” do petróleo – com direito à animação da espiral criada pelo climatologista Ed Hawkins, que (no mesmo dia) comentou no Twitter a emoção de ver seu trabalho apresentado para o mundo dessa forma -, o derretimento do Ártico, o aumento do nível do mar e a importância das florestas. Para ilustrar este momento, cenas de reflorestamentos realizados em vários países ganharam a companhia de Fernanda Montenegro (em português) e Judy Dench (em inglês), que recitaram o belo e forte poema A Flor e a Náusea, de Carlos Drummond de Andrade. “Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me?”.

Este foi um convite para reflorestarmos o mundo, também inspirados pelos atletas que depositaramsementes em tubetes que serão plantados no bairro de Deodoro, na zona oeste do Rio, para criar uma nova área verde na região. O Brasil tem a maior floresta tropical e a maior reserva de biodiversidade do planeta, ambas ameaçadas. Reflorestar é preciso! O desmatamento só cresce, devido ao agronegócio, e o país ainda passa por tentativas descaradas, promovidas no Congresso, para acabar com o licenciamento ambiental.

Pira olímpica, arte cinética e a sustentabilidade do vento

No final da cerimônia, depois de passar pelas mãos do tenista Guga e da jogadora de basquete Hortênsia, atocha olímpica foi entregue ao maratonista brasileiro Vanderlei Carneiro de Lima para que a pira fosse acesa. E, aqui, a preocupação com a pegada ambiental dos Jogos também se revelou: esta é a menor pira das Olimpíadas, reduzida para causar menos gases, portanto, menor impacto ambiental.

Depois de acesa, mais um espetáculo brindou o público: a pira foi içada para encontrar-se com uma obra gigante do artista cinético americano Anthony Howe, inspirada no sol, criando um efeito visual maravilhoso em espiral, promovido pela ação do vento, ou seja, pela energia eólica, uma fonte renovável.

A ideia de incluir a obra na cerimônia partiu da cenógrafa Daniela Thomas, que ainda colocou uma versão menor da escultura na Esplanada da Igreja da Candelária, onde, até o final dos Jogos Olímpicos, ficará instalada a “pira do povo”, que foi acesa pelo jovem atleta Jorge Alberto Gomes, de 14 anos, que treina na Vila Olímpica da Mangueira.

Na torcida, pelo bom esporte e pela vida

Apesar do momento delicado – não só político, mas econômico, cultural, social, ambiental… – pelo qual passa o país, celebramos com intensidade, criatividade e competência este encontro com talentos do esporte de todo o mundo. Um viva aos atletas! Outro à cultura brasileira! E que as contradições se apequenem diante das possibilidades que os seres humanos têm de mudar a sua história. Para melhor.

Acompanhemos os jogos e torçamos por nossos atletas – que vençam a garra e o talento -, mas sem esquecer de lutar contra tudo que ameaça a democracia, os direitos humanos e a sustentabilidade da vida na terra. Especialmente, em nossa terra.

Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação Rio2016/Fotos Públicas

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.