Deixa que eu cuido: para bloco carioca, cuidar dos filhos é coisa de homem!


 

*Atualizado em 25/02/2019

Entre os muitos blocos que vão desfilar neste carnaval no Rio de Janeiro, um deles tem uma proposta bastante diferente. É o Deixa que eu Cuido, que vai se reunir a partir das 15h, no Parque Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão.

“A proposta do bloco é que os pais cuidem das crianças enquanto as mulheres pulam carnaval”, conta Teo Cordeiro, cofundador do Deixa que eu Cuido. “Estamos muito engajados na discussão da desigualdade de gênero e incomodados pelos homens não se pronunciarem sobre o assunto ou quando o fazem, é mais pelo ponto de vista do discurso e menos da prática”.

A iniciativa surgiu no carnaval de 2016, pelas mãos dos amigos Teo e Rafael Carvalho. “Hoje todo mundo acho o feminismo lindo e aplaude, mas são poucas as manifestações concretas e gestos de reparação dessa desigualdade”, diz. “E o cuidado com o filho passa por isso, talvez seja o elemento dentro da relação homem e mulher que acentue mais essas desigualdades. É a mulher que faz todo o papel de criação: cuida, leva, busca, faz tudo. Ter filho, pelo menos no Brasil, intensifica essa desigualdade”.

Os amigos acham que o carnaval é uma época perfeita para provocar a reflexão no universo masculino, já que muitas mulheres têm que sacrificar seu desejo de se divertir para cuidar dos filhos. “Ô camarada, se você está achando que ser provador é legal e cuidar é uma coisa menor, se liga!”.

Teo tem 35 anos. Formado em Serviço Social, também é músico. E pai, com P maiúsculo, em tempo integral. Ou como ele prefere ser chamado, “cuidador”. Cuida dos dois filhos, uma menina, de 1 ano, e um menino, de 4, enquanto a mãe das crianças trabalha.

O que era para ser uma conversa para saber mais sobre o Deixa que eu Cuido, acabou se tornando uma entrevista muito bacana sobre desigualdade de gênero, machismo e preconceito.

Abaixo, nosso bate-papo.

Por que “cuidador”?
Prefiro esta palavra do que adjetivar o pai, como “pai presente, pai ativo”. Cuidador é uma palavra que para mim faz mais sentido. Tanto a maternidade quanto a paternidade não são obrigações, elas são escolhas. O homem que diz “eu sou pai de tantos filhos”, não quer dizer absolutamente nada, né? Está dizendo apenas que ele os teve biologicamente, mas não que ele cuidou. Então quando eu digo que sou cuidador me refiro a isso, que sou uma pessoa que passa parte da vida com esta função.

Você enfrenta muito preconceito quando diz que é cuidador de seus filhos?
Sim, sem dúvida nenhuma. E talvez não seja o fato de ser homem apenas. O cuidador, no Brasil, e as profissões e o trabalho ligados ao cuidado, como a enfermagem, o serviço social e os profissionais de saúde que não prescrevem, têm um status muito inferior a outros tipos de trabalho. Então o homem cuidador também carrega isso. E aí o fato novo é que ele não esteja acostumado com isso. É uma condição nova para o homem – estar num lugar subalterno, do ponto de vista da hierarquia das profissões. Sem dúvida nenhuma há um estranhamento por parte dos homens, principalmente. Os homens cuidadores não se apresentam socialmente, têm vergonha disso, porque vão ser chamados de “veadinhos, babás” ou qualquer outro coisa do gênero.

E como as mulheres enxergam os homens cuidadores?
O lugar do “cuidado” foi imposto às mulheres ao longo da história. Mas não deixa de ser um lugar de poder, por isso, também há um estranhamento por parte delas à medida que o homem começa a se apropriar desse papel.

Ainda estamos muito longe de uma realidade onde pais e mães dividem as tarefas domésticas e o cuidar dos filhos de forma igual?
Acho que ainda estamos muito longe, se compararmos à realidade de países que são vanguarda nesta discussão, como Islândia e Noruega, que têm licenças paternidades longas e também licenças parentais, que é quando o casal decide em acordo quem vai ser o cuidador principal durante um determinado tempo. Todavia, acho que o Brasil está num caminho de participação maior dos pais, mas não por consciência dos homens, e sim, por uma questão econômica. Cada vez mais as mulheres têm se colocado de maneira competitiva no mercado de trabalho e com muitas ganhando mais que os homens. E se, por exemplo, é preciso pagar uma babá ou uma creche, que o valor é maior do que o salário do homem, não tem porque ele trabalhar e não ficar em casa.

O machismo ainda é muito grande no Brasil?
O machismo na sociedade brasileira é estrutural, não é algo que está só dentro dos homens, mas dentro da sociedade. Por isso a sociedade estranha quando se depara com um homem cuidador.

Quão diferentes serão as crianças que têm pais como cuidadores?
Acho que é uma pergunta muito difícil, na medida em que esse pai que cuida, que hoje tem entre 20 e 30 anos, cresceu e está mergulhado numa sociedade extremamente machista. Que tipo de impacto pode ter isso na criança: ser criada por um homem nessa sociedade? O que a gente espera é que quando adultos, esses filhos tenham uma referência de cuidado mais ampliado e que entendam que eles também podem ser cuidadores.

O trabalho de cuidar de uma criança é muito difícil?
Sim e todos nós sabemos disso. E o homem que começa a fazer isso sabe que este é “o” trabalho difícil. Você ter que lidar com relacionamento, a questão da sobrevivência, organização, planejamento… Todo mundo sabe que sair para trabalhar são as férias, o descanso. O “bicho” pega mesmo quando você fica em casa cuidando de criança.

BLOCO DE CARNAVAL “DEIXA QUE EU CUIDO”
Data: quarta, 06/03
Horário: a partir das 9h
Local: Imperator
Endereço: Rua Diaz da Cruz
Quem estiver interessado em comprar as camisas, elas estão à venda por R$ 30 – pelo whatsapp (21) 996974484

Imagens: ilustração Rodrigo Bueno e foto Eduardo de Oliveira

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.