“Contaminação em manguezais e corais poderá durar muitos e muitos anos”, alerta biólogo sobre impacto do óleo no Nordeste

"Contaminação em manguezais e corais poderá durar muitos e muitos anos", alerta biólogo sobre impacto  do derramamento de óleo no Nordeste

Já passa de 200 o número de localidades atingidas por um dos piores desastres ambientais da história do país. Toneladas de óleo, petróleo cru, foram derramadas pela costa do litoral nordestino. As primeiras manchas da substância começaram a aparecer nas praias da região no início de setembro. Com o passar das semanas, e sem nenhuma ação do governo federal no início da crise, a tragédia só fez aumentar.

Até o momento, 14 unidades de conservação foram afetadas. E ecossistemas extremamente sensíveis, como manguezais e recifes de corais, sofreram contaminação (leia mais aqui).

Esta semana, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte revelaram que óleo foi encontrado em corais e sedimentos a 3 metros de profundidade.

Em uma entrevista exclusiva ao Conexão Planeta, o biólogo Luís de Lima, falou sobre qual será o impacto, de longo prazo, nesses locais.

Formado pela Unicamp, com doutorado em composição da fauna associada à algas como indicador de poluição, o especialista alertou que é essencial que seja feito um monitoramento, que dure por vários anos, nas áreas afetadas.

Qual o possível impacto, a longo prazo, que o óleo derramado na costa nordestina pode ter sobre a vida marinha e seus ecossistemas?
Os ecossistemas mais sensíveis a esse óleo, em termos de longo prazo, são os recifes de corais e manguezais. Os recifes porque são compostos por uma fauna extremamente sensível e se o óleo se deposita sobre ela, ele mata as diferentes espécies de coral, consequentemente, mata toda a base da estrutura desse ecossistema. No caso dos manguezais, por ser um ambiente de baixa energia, ou seja, água com pouca força de circulação, a tendência é que esse óleo se deposite sobre sedimentos. Depois de anos, se o sedimento for removido, a marca do óleo ainda estará lá.

E o que provoca a presença do óleo nesses sedimentos?
Ele libera seus compostos tóxicos. Por anos, os hidrocarbonetos (compostos orgânicos presentes no petróleo), como benzeno, vão ser liberados, até serem degradados. Toda a fauna que estiver exposta a isso também será contaminada. E isso pode levar muitos e muitos anos, porque a degradação do petróleo é muito lenta.

Não é possível fazer a limpeza dos manguezais?
Manguezais, assim como eu comentei acima, ao lado dos recifes de corais, são os ambientes mais sensíveis à derramamento de petróleo. Com a baixa energia de circulação de água, e com isso, não há uma lavagem constante e forte que elimine esse componente. E limpar raízes de mangue é muito complicado e difícil.

O que devo ser feito então?
O nível da contaminação deve ser medido e acompanhado ao longo dos anos.

Até agora só foram encontradas aves e tartarugas mortas e sujas pelo óleo. Peixes também podem ter sido contaminados?
Acredito que exista um potencial de contaminação pelo nível de toxicidade do petróleo. Todavia, a única maneira de se ter certeza se houve a contaminação, principalmente nos peixes que são de região de manguezal ou recife de coral, será através de testes. E o maior efeito é de longo prazo. Se esse elemento (o óleo) continua a ser liberado, pode haver contaminação nos animais da cadeia alimentar, que vai acabar nos animais de topo, e em vários casos, em peixes.

Será segura a ingestão de frutos do mar e peixes provenientes das áreas do litoral nordestino atingidas pelo óleo?
Hoje já são mais de 200 localidades afetadas ao longo dos nove estados da costa do Nordeste. Na minha opinião, os animais capturados nessas áreas devem, por amostragem, ser monitorados para se avaliar o nível de contaminação que apresentam, principalmente animais filtradores, como moluscos. Essa ação deve ser feita imediatamente e também, no futuro, até que se comprove não haver contaminação. Porque os níveis de compostos tóxicos vão se acumulando na cadeia trófico. É muito importante que seja feito um monitoramento, de longo prazo, para se avaliar o processo de recuperação dessas áreas afetadas.

Que medidas devem ser tomadas agora para evitar um desastre ambiental ainda maior na região?
As ações que deveriam ter sido tomadas, não foram: que era evitar que esse óleo chegasse na costa, efetivamente nas praias, nos manguezais e nos recifes de coral. Isso é o que deveria ter sido efeito. O que precisa ser evitado agora é a volta desse material que bateu na costa, já entrou nos rios e contaminou mangues e corais, de voltar para o mar novamente. Perdeu-se a oportunidade de não deixar esse óleo chegar nas praias e nos demais ecossistemas, a hora que ele chegou, a contaminação é certa.

No momento, tem que se limpar o que é possível, além de mitigar e compensar os danos provocados. É essencial que seja elaborado um plano de monitoramento dessas mais de 200 áreas atingidas e, conforme a sensibilidade do ambiente, o monitoramento precisa perdurar por muito mais tempo, no caso dos corais e manguezais, principalmente. Agora os custos são muito maiores, não apenas em termos ambientais, mas sociais também, porque regiões onde se produz alimentos ficaram contaminadas e é necessário evitar que esses contaminantes sejam ingeridos pelos seres humanos.

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Fotos: reprodução TV Globo e arquivo pessoal

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.