Conferência do Clima termina sem compromisso, apenas indicando como ‘aplicar’ o Acordo de Paris

A 24. Conferência de Mudanças Climáticas da ONU – a COP24 -, realizada em Katowice, na Polônia, adotou na noite do último sábado, 15/12, uma de suas principais encomendas: um manual de instruções para os países botarem em prática o Acordo de Paris.

Do ponto de vista do clima, porém, Katowice fracassou. Seu resultado deixou de capturar de forma adequada o senso de urgência comunicado claramente pela ciência sobre a ação contra o caos climático. Além disso, deixou nas mãos dos países qualquer decisão sobre o que fazer com essa informação. Regras claras, afinal, só funcionam se houver gente disposta a entrar em campo para jogar.

Com poucas exceções relevantes, os principais pontos da operacionalização do tratado do clima foram detalhados num conjunto de regulamentações. Katowice entregou o chamado mecanismo de transparência, que detalha como medir de forma comum os esforços nacionais, e regras sobre como atualizar as metas de cada país em ciclos de cinco anos.

Também ficou marcada para 2020 a definição sobre a nova meta de financiamento climático – num reconhecimento de que os US$ 100 bilhões anuais prometidos para o período entre 2020 e 2025, para custear as ações nos países em desenvolvimento, são bem menos do que precisam as nações mais pobres e mais vulneráveis.

Mas o tratamento dado pela COP24 a um dos elementos mais críticos do Acordo, a ambição, foi altamente frustrante. Katowice teve seu início com a apresentação aos delegados do chocante SR15, o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) segundo o qual a humanidade tem apenas mais 12 anos para cortar emissões em 45% se quiser cumprir a meta de Paris de limitar o aquecimento da Terra a 1,5ºC neste século, e evitar consequências muito mais graves para pessoas, ecossistemas e a economia global.

O relatório fora encomendado pela própria COP em Paris, em 2015, mas nem todo mundo gostou da mensagem, especialmente os EUA e a Arábia Saudita. O texto final de Katowice, em vez de incorporar o SR15 como guia para o aumento da ambição, limita-se a “convidar” os países a fazer o que bem entenderem com o recado do IPCC.

O texto de Katowice também faz um aceno tímido aos resultados do chamado Diálogo Talanoa – a primeira rodada global, aberta, de conversas sobre soluções para a crise climática – ao também convidar os países a refletir sobre os subsídios de mais de 400 diálogos realizados ao redor do mundo.

Com esse resultado, caberá unicamente aos países decidir quando e se aumentarão sua ambição coletiva na janela estreita de oportunidade que existe entre agora e 2030 para não perder a meta de 1,5oC. Isso cria um risco para a meta.

“Paris definiu um pacto para limitar o aquecimento global e para lidarmos com suas consequências. Katowice forneceu as balizas e os insumos para tirar o acordo do papel. Mas só a vontade política pode imprimir velocidade à ação climática no grau necessário”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. “O problema é que vontade política para fazer mais do que o que os países definiram em 2015 vem se mostrando um recurso escasso, só encontrado entre países pequenos e muito vulneráveis, e não entre aqueles que precisam liderar o processo, aqueles que emitiram e emitem a maior parte dos gases de efeito estufa”, continua.

Os negociadores brasileiros na Polônia, talvez a última delegação do país ainda comprometida com o processo multilateral da Convenção do Clima em muito tempo, agiram no geral de forma construtiva. Mas causaram o adiamento do final da COP por 24 horas ao tentar garantir, por motivos que não convenceram a ninguém, regras mais frouxas para a compra e venda de créditos de carbono. Caso prevalecesse a posição brasileira, havia o risco de, em determinados casos, tanto o comprador quanto o vendedor dos créditos poderem abater aquelas emissões da própria meta. O assunto, complexo e altamente polêmico, acabou tendo sua solução adiada para o ano que vem. Enquanto isso, as regras de Katowice proibiram explicitamente essa dupla contagem.

Diferentemente da delegação na COP, o governo eleito do Brasil fez papelões em série em Katowice. Ameaças ao meio ambiente e a quem cuida do meio ambiente já preocupavam a todos, uma vez que o país provou ao mundo que era possível crescer economicamente e reduzir as emissões e a taxa de destruição florestal, servindo de modelo para vários outros países em desenvolvimento.

Quando a COP começou, alguns dos assuntos mais comentados nos corredores da conferência eram a desistência do Brasil em sediar a COP25, em 2019, as ameaças do futuro presidente de tirar o país do pacto global pelo clima, usando argumentos completamente inconsistentes, e o convite a dois negacionistas para compor o seu gabinete, os futuros ministros de meio ambiente e de relações exteriores.

A imagem do Brasil junto a parceiros climáticos e comerciais saiu mais suja que a fumaça das termelétricas a carvão de Katowice.

(Nota do Conexão Planeta: quando estava em campanha, o presidente eleito já dizia que iria tirar o Brasil do Acordo de Paris)

“O novo governo terá diante de si uma grande responsabilidade na agenda de clima. Retrocesso na agenda global ou doméstica de mudanças climáticas só contribui para piorar a situação dos brasileiros, que já pagam um preço altíssimo por um clima cada vez mais hostil. Nos últimos quatro anos, quase metade de nossas cidades sofreram com secas severas, enquanto mais de 30% tiveram graves alagamentos”, diz Rittl. “Além disso, o agronegócio que patrocinou sua campanha e que fez os ministros de Agricultura e Meio Ambiente, corre um sério risco de perder mercados se no rastro de suas commodities houver mais desmatamento, emissões ou desrespeito a direitos de povos indígenas”, concluiu.

Na abertura da COP24, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que os países que não entrarem na economia verde terão um futuro cinzento. O presidente Jair Bolsonaro faria bem em escutar a mensagem.

Esta texto foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima em 16/12/2018

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Observatório do Clima

Fundado em 2002, o OC é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil