Como fotografar em uma aldeia indígena? Renato Soares responde em workshop com os índios Krahô, em julho

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Atualizado em 20/5/2016

Expedições para apresentar lugares sagrados da natureza – e seus habitantes – e ensinar os participantes a aprimorar suas técnicas ao registrar imagens, é uma prática comum na trajetória profissional de todo fotógrafo que trabalha com natureza e conservação. Alguns têm formação de biólogo ou jornalista e a maioria se especializa no tema de maior interesse em sua carreira. Assim é com os fotógrafos que integram o blog coletivo Por Trás das Câmeras, aqui no Conexão Planetaque não só fotografam com talento ímpar, mas escrevem superbem! Entre eles está Renato Soares, o mais recente membro deste grupo.

Expedições fazem parte de sua agenda o ano inteiro, mas há tempos que ele queria lançar o primeiro workshop de imagem em uma aldeia indígena, marcado para 5 a 15 de julho em uma aldeia da tribo Krahô, no Tocantins, em pleno Cerrado brasileiro. Os interessados devem solicitar informações detalhadas e fazer a inscrição por  e-mail: renato@imagensdobrasil.art.br

“Minha ideia com este workshop é desmistificar a dificuldade que se propaga a respeito do trabalho fotográfico em áreas indígenas. Os participantes vão vivenciar o dia a dia da tribo e aprender como fazer registros –tanto em fotos como em vídeos -, respeitando os costumes dos índios. Eles vão vivenciar esses costumes. Também vou falar dos direitos de uso das imagens produzidas nas aldeias e de que forma esse trabalho pode beneficiar as comunidades”, conta o indigenista.

Este primeiro encontro faz parte do projeto que Renato iniciou há dez anos – Ameríndios do Brasil, que ganhou blog no Conexão Planeta, em abril –, com sua empresa Imagens do Brasil, para retratar e documentar todas as etnias indígenas do nosso país. “São 305 etnias, com suas 274 línguas, que os brasileiros não conhecem. O índio não tem voz! E, às vezes, nem imagem! Um dos meus objetivos com este projeto é dar voz para eles”.

O workshop e a expedição

Este encontro foi idealizado por Renato para quem gosta de fotografia e vídeo e tem interesse em conhecer uma tribo indígena de perto, vivenciando seus ritos e costumes. Não há dúvida de que será uma experiência única com o povo Krahô – cerca de 830 índios -, que pertence à grande família Timbira e habita, há milhares de anos, uma reserva de mais de 302 mil hectares na região nordeste do estado do Tocantins, próxima aos municípios de Itacajá e Goiatins.

Apesar de manterem contato frequente com nossa civilização há mais de 200 anos, os Krahô não perderam seus costumes e tradições. “Seus cantos ainda ecoam no interior do Cerrado e nos levam a um universo de pura magia e encantamento”, conta Renato. Tudo será muito mágico para quem não conhece. “Vamos acompanhar um ritual que se perdeu durante muitos anos e foi recuperado recentemente, há cerca de quinze anos. É a festa Jot yon pin, a festa da batata, comandada pelos Hotxuá, palhaços, que se agitam e dançam de dia e à noite, sem parar. Ela é realizada para marcar a passagem da estação chuvosa para a seca (quando começa o inverno) e, consequentemente, a passagem do comando da aldeia. Durante esse ritual é servido o paparutoum grande bolo de mandioca recheado com carne feito para alimentar toda a tribo e convidados – e são realizados casamentos formais, além dos acertos para casamentos futuros”.

Renato conta que a cantoria domina todas as noites: as mulheres cantam, acompanhadas por um único homem cantor e um maracá, instrumento de percussão feito com sementes, o mais importante na aldeia. Também há grupos que tocam flautas pequenas feitas com cabaço, as Kukon-eré. “Os cantos noturnos são muito lindos. E eles não dormem porque é quando acontece o ápice do ritual”.

Quando surge alguém novo na aldeia, os Krahô têm o costume de batizá-lo. Homens batizam homens e mulheres batizam mulheres.“Esta é uma forma de levar o visitante para dentro de sua cultura e está alinhada com outro objetivo deste trabalho: os participantes não vão apenas documentar o que virem lá, mas participar ativamente para poder contar boas histórias quando voltarem para suas cidades e ajudá-los a serem reconhecidos e lembrados e a viverem em paz”, destaca Renato. “É importante mostrar sua cultura e ensinar sua língua, para que os índios tenham visibilidade. Quando não somos vistos, somos esquecidos. Se o índio permanece isolado, pode sumir. Ninguém sente o desaparecimento. Eles sabem disso”.

O grupo que Renato levará para a aldeia Krahô não será muito grande – apenas 20 inscritos, ao custo de R$ 5 mil por pessoa (informações e inscrições por e-mail: renato@imagensdobrasil.art.br).

Durante o tempo em que ficarem na aldeia, participarão do workshop, mas também de todas as vivências (aqui, não há cobrança de entrada como nas áreas dos índios do Xingu). Importante: o custo total não inclui passagens aéreas.

Outra questão importante da expedição: todos os participantes (profissionais ou não) deverão assinar compromisso de repassar porcentagem sobre os valores referentes à comercialização de qualquer imagem feita na aldeia. A ideia é que todos se beneficiem – também financeiramente – do encontro. “Eu pago 1/3 de tudo que recebo com o trabalho que realizo com os índios; 1/3 é meu e o outro 1/3 da agência que vende meu trabalho”, explica Renato.

Todos dormirão em redes mas, caso alguém prefira levar barraca, deverá contar sobre sua intenção antecipadamente para que os organizadores identifiquem a melhor área para sua montagem.

A trajetória até os índios

renato-soares-retrato-300Renato Soares iniciou sua carreira em 1986 – “eu queria ser músico, não fotógrafo!” -, mas só conheceu e se identificou com os índios em 1991. Antes disso e por três anos, fotografou para jornais, revistas, publicidade, moda, para casamentos e batizados… “Fazia de tudo naquela época, mas, em novembro desse ano, viajei para a Amazônia e andei pelo Vale do Javari, entre outros vales. Foi ali que tudo começou e, com o passar dos anos, me tornei um especialista, um indigenista”.

Foram 15 anos fotografando arte popular da América Latina, parques nacionais do Brasil e publicando livros diversos, além de guias de turismo. A dedicação às causas indígenas se fortaleceu há dez anos, quando criou o projeto Ameríndios do Brasil, comentado anteriormente. “Desde então, não sei fazer outra coisa que não documentar os índios. Não tenho mais cabeça para fazer outro tipo de trabalho”.

As expedições nunca param e, este ano, Renato volta ao Xingu em abril – para um tempo de imersão –, quando fotografará e filmará os índios. Com as nove etnias do Alto Xingu, ele tem planos para o cinema.

Recentemente, para complementar a campanha do projeto Ameríndios, o fotógrafo indigenista criou uma série limitada de 50 camisetas e outra de 20 impressões (com pigmento mineral sobre papel algodão no formato de 40×26 emolduradas em canela preta com vidro) com imagens de seu portfólio. 30% do valor das vendas de ambas é destinado para a comunidade retratada. Mais informações em sua página no Facebook.

Agora, assista aos dois vídeos produzidos pela Imã Galeria (parceira neste workshop) em que Renato e membros da aldeia Krahô contam um pouco mais sobre esse povo que gosta de cantar e também sobre o que os participantes do workshop encontrarão e farão por lá.

Em seguida, mergulhe no vídeo Krahô – Os filhos da Terra, feito por Renato Soares, que apresenta a atmosfera da aldeia vista do alto da serra ao som de um de seus belíssimos cantos.

Fotos: Renato Soares

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.