Como a tecnologia está mudando todos os aspectos das nossas vidas


No começo de novembro, aconteceu em Lisboa o WebSummit, um dos maiores encontros do mundo digital. Foram 25 eventos paralelos cobrindo temas nas áreas de marketing, criatividade, produção de conteúdo, futuro do planeta, finanças, música, entre outros.

O público girou em torno de 60 mil pessoas, que tiveram acesso a mais de mil palestrantes e puderam fazer contato com mais de duas mil startups, além de participar em workshops e rodas de conversa sobre os mais diversos aspectos da inovação digital.

Trago, aqui, uma lista de insights a partir do que pude observar por lá e das conversas que assisti e das quais participei. Pra quem quiser se aprofundar, acrescento links para os vídeos de algumas das apresentações:

 

Desafio de engenharia: carros elétricos e voadores

O Uber inaugurou o evento apresentando seu projeto de carro voador (na imagem que ilustra este post), que já está em pleno desenvolvimento em parceria com várias empresas, entre elas a brasileira Embraer. No formato, parece um drone gigante, capaz de transportar quatro pessoas mais o motorista, com uma autonomia de até 100 kms, garantidos por baterias elétricas. Em 2020, já começam os testes em duas cidades americanas, ainda por ser conhecidas e, já em 2023, será dado início à operação.

A partir daí o tema da mobilidade foi uma tônica comum em todo o WebSummit, com várias palestras e conversações mostrando como o carro elétrico e autônomo – ou seja, sem motorista humano -, são tendências para o futuro imediato. Serão cada vez mais comuns e parte da experiência das pessoas já nos próximos cinco anos.

Em até 20 anos, espera-se um cenário de Família Jetsons, com carros voadores e autônomos dominando as maiores cidades do mundo. Se bem que, em sua apresentação, Jeff Holden, Diretor de Produtos do Uber, usou como referência o filme Blade Runner, com seu cenário opressivo e lúgubre no qual poucos privilegiados (e a polícia) conseguem escapar do caos urbano metros abaixo. O clima contrasta um pouco com o vídeo-teaser apresentado por ele no fim de sua apresentação (que você pode assistir no final deste post) no qual mostra como será fisicamente a aposta da empresa no carro voador.

Agora, assista à Como tornar as cidades lugares desejáveis? Mesa com Horace Luke, da Gogoro, Francesca Bria, da Municipalidade de Barcelona, Thomas Ermacora, da Recoded City e Katie Collins, CNET.

Mobilidade cada vez mais conectada e altamente eficiente

Uma decorrência das inovações em mobilidade que ficou aparente em várias sessões, nas conversas paralelas e nas muitas startups apresentando suas apostas a potenciais investidores é que a entrada da AI (inteligência artificial) tem o potencial de gerar padrões cada vez mais eficientes de gestão de transporte e mobilidade nos centros urbanos.

É possível pensar em um futuro no qual um sistema integrado, controlado por AI, administra o fluxo de veículos, públicos e privados, autodirigidos, elétricos e conectados da forma mais eficiente possível. Isto em um cenário de, no máximo, 20 anos, ou seja, em um futuro imediato. Obviamente, o impacto disso depende do olho do observador.

A eficiência gerada por um sistema de mobilidade integrado pode resultar em economia exponencial de recursos e baixa equivalente no impacto da emissão de gases causadores do efeito estufa, com consequências positivas para a luta contra as mudanças climáticas.

Por outro lado, para mencionar apenas um tema levantado em algumas conversas das quais participei, veículos autodirigidos significam que milhões de motoristas ficarão sem trabalho (incluindo os do Uber), produzindo impacto social ainda não claramente quantificável. Isto sem falar, claro, da ameaça constante de terrorismo cibernético que poderia afetar todo o sistema.

Fintechs, criptomoedas e blockchain

Outro tema dominante em palestras, rodas de conversas, apresentações de startups é a disrupção provocada no sistema financeiro tradicional com a emergência das fintechs (empresas que oferecem serviços financeiros diretos via internet), as criptomoedas, como o Bitcoin, que permitem trocas de valores diretamente entre pessoas por fora do sistema bancário, e a consolidação do blockchain como a plataforma que está viabilizando toda esta revolução.

Para boa parte das pessoas, mesmo nos países mais desenvolvidos, esta disrupção ainda é pouco tangível. Mas é questão de pouco tempo para que comece a se tornar parte do cotidiano. As criptomoedas já estão se alastrando cada vez mais e é impressionante ver a quantidade de novos experimentos que surgem e que vão bem além do Bitcoin.

Uma da startups que conheci de perto é a ClimateCoin, que está lançando uma criptomoeda lastreada em investimentos para minimizar ou combater as mudanças climáticas. Assista ao vídeo que explica sua proposta de valor.

O blockchain, como a arquitetura deste novo sistema, já é considerado como algo que veio para ficar. Não ouvi ninguém que duvidasse disso e até empresas tradicionais buscam uma forma de se adaptar a esta realidade.

Ambiente de startups + investimento para soluções sustentáveis

Algo para mim muito empolgante foi andar pelas seções onde as startups se apresentavam. Em cada um dos quatro pavilhões do WebSummit havia um espaço específico para as startups, divididas por área de atuação, como fintechs, logística, viagens, entretenimento, mobilidade, moda, ação social, filantropia, e por aí vai. Centenas de startups diferentes, vindas de todo o mundo, a cada dia.

Obviamente era impossível ver todas, mas a diversidade de soluções criativas e inovadoras estava realmente impressionante. O objetivo foi justamente gerar um ambiente no qual as ideias encontrassem potenciais investidores e o “network” – construção de redes de relacionamentos -, foi outra grande tônica do evento.

O impacto da tecnologia em nossas vidas

Mas não se falou apenas de negócios no WebSummit. Outro tema dominante foi o impacto da tecnologia nas nossas vidas. A noite de abertura deu o tom, com uma sequência de falas do físico Stephen Hawking, Bryan Johnson, Co-fundador da Kernel, Margrethe Vestager, Comissária da UE para Competição, e Antonio Guterres, Secretário Geral da ONU.

Todos bateram na tecla de que, embora a tecnologia deixe as pessoas mais próximas e estimule soluções colaborativas para os grandes desafios da humanidade, ao mesmo tempo pode ter efeitos deletérios para o tecido e coesão sociais e para a estabilidade política e econômica. Sem contar os efeitos mais específicos na vida das pessoas, como a potencial extinção em massa de postos de trabalho.

Estas mesmas preocupações foram ecoadas em diversas palestras, mesas redondas e conversas paralelas. A impressão é que o setor está consciente da crescente perda de confiança da população na tecnologia como algo basicamente positivo. A emergência avassaladora das fake news e da pós-verdade, maximizadas pelas redes sociais, e o seu impacto no enfraquecimento dos sistemas democráticos em diversos países foi tema constante.

A incapacidade (ou falta real de interesse) dos big players, especialmente Facebook, em assumir sua responsabilidade na disseminação de conteúdos falsos em suas plataformas foi objeto de muitos questionamentos em diversas mesas e debates.

Assista à O humor político está mudando para as grandes empresas de tecnologia? Foi o que debateram Steve Case, da Revolution, e Kara Swisher, da Recode.

Veja também: Como a imprensa tradicional consegue se manter relevante em um contexto de predominância das mídias sociais? Neste video, conversam Quentin Hardy, do Google Cloud, Chris Duncan, do The Times e The Sunday Times, Joe Pounder, da Definers Public Affairs, e Darnell Strom, da Creative Artists Agency.

O poder dos dados – e de quem entende e tem a capacidade de usá-los

Outra macrotendência que ficou clara na WebSummit é a relevância fundamental da capacidade de coletar e analisar dados e tomar decisões estratégicas com base nesta análise. O uso de dados para as mais diversas situações era o tema preponderante de várias startups.

Mas dois personagens geraram muita expectativa. O primeiro foi Brad Parscale, Diretor de Mídias Digitais da campanha de Donald Trump. Ele teve nada menos do que quatro momentos para falar – e ser bastante cobrado – sobre seu papel na vitória do candidato republicano. O segundo personagem foi Alexander Nix, CEO da Cambridge Analytica, agência de análise de dados e de comunicação comportamental tida como fundamental para a vitória dos defensores do Brexit e para a própria campanha de Trump.

Em ambos os casos – e em várias outras intervenções ao longo do WebSummit – o tema da coleta e análise de dados foi tratado como um aspecto da realidade sobre a qual não cabe espaço para dúvidas. A questão é o que fazer com eles e como usá-los de forma estratégica.

Assista à roda de conversa com Brad Parscale, diretor da campanha digital de Donald Trump, e o jornalista da Yahoo News, Michael Isikoff. E veja também ao encontro com Alexander Nix, fundador da Cambridge Analytica, sobre como o marketing político está sendo influenciado pela Ciência de Dados e como a consultoria ajudou na vitória de Donald Trump.

Storytelling para criar vínculos emocionais: via vídeo + VR + AR + AI

No aspecto mais prático de criação de conteúdo, a combinação entre vídeos nos mais diversos formatos, Realidade Virtual (VR), Realidade Aumentada (AR) e Inteligência Artificial (AI) surgiu como uma macrotendência fortíssima para gerar uma conexão profunda entre indivíduos, marcas e causas.

No fundo de tudo, o reconhecimento de que uma boa história segue sendo importante, mas a forma de contá-la é igualmente relevante.

As implicações desta combinação são infinitas, disruptivas e, de certa forma, perturbadoras. O bom e velho holograma ganha novo sentido com a Realidade Aumentada, a VR e AI, permitindo uma interação real e efetiva com uma projeção capaz de interagir com a gente.

Quem assistiu Blade Runner 2049 entende as implicações disso. A diferença é que a tecnologia necessária para tal fim já existe e logo vai virar maisntream.

Discutiu-se muito o impacto desta combinação de tecnologias sobre as mídias tradicionais e sobre a própria percepção do que é real e o que é virtual. As fronteiras entre ambos os aspectos ficarão cada vez mais difusas.

Assista à conversa entre Amit Singh, do Google, e Mat Honan, da BuzzFeed, que debateram sobre como VR e AR vão impactar nossas vidas no dia-a-dia.

Mudanças climáticas em todo lugar: Al Gore fecha o evento

Mudanças climáticas foi o tema ambiental mais presente em todo o WebSummit. Foram pelo menos 10 rodas de conversa associadas ao tema, culminando com a fala de Al Gore, ex-vice presidente dos Estados Unidos e diretor da iniciativa Climate Reality, que encerrou oficialmente o evento de 2017.

Para a indústria de tecnologia não é de hoje que as mudanças climáticas são um tema de discussão e trabalho. Mas havia uma clara combinação entre a busca por soluções tecnológicas e a responsabilidade por pressionar os governos a tomarem ações concretas.

Surgiu muito forte a crítica à decisão dos Estados Unidos de sair do Acordo de Paris. Tanto Al Gore, quanto o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que falou logo em seguida, reforçaram este aspecto político, além de ressaltarem a urgência de agir agora contra o aquecimento global e seus efeitos. Foram muito aplaudidos, o que mostra que, ao menos para a comunidade Geek presente, não há qualquer dúvida sobre a realidade das mudanças climáticas e o papel da humanidade nisso.

Assista a fala Al Gore, que encerrou o WebSummit com um chamado global de combate às mudanças climáticas.

Por fim, assista ao vídeo-teaser do Uber, que apresenta seu carro voador:

Fotos: Uber, Jetsons e Blade Runner (Divulgação) e WebSummit (Renato de Paiva Guimarães)

Um comentário em “Como a tecnologia está mudando todos os aspectos das nossas vidas

  • 24 de julho de 2018 em 10:44 AM
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    A mobilidade da internet e as criptomoedas são coisas que realmente me assustam. Aparentemente são invenções inofensivas, mas mudaram totalmente a forma de como o mundo funciona. O futuro me dá medo. PS: Adorei o blog!!!

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Renato Guimarães

Jornalista, com mestrado em relações internacionais, é especialista em temas ligados à mobilização e engajamento em causas de impacto social. Morou oito anos no Peru, de onde conheceu bastante da América Latina. Trabalhou em organizações como Oxfam GB, Purpose, Instituto Akatu e IFC/Banco Mundial. Foi sócio de duas consultorias – Gestão Origami e Together – e Diretor de Engajamento do Greenpeace Brasil. Atualmente, é Assessor Sênior do Social Good Brasil e VP de Engajamento da Together, agência focada em processos de mobilização para causas de impacto