Com suas Florestas de Bolso, o botânico Ricardo Cardim quer ‘devolver’ a Mata Atlântica à São Paulo

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Quando adolescente, Ricardo Cardim já se sentia muito à vontade com qualquer vegetação e adorava observar o ritmo e os ‘caprichos’ da natureza nas terras do tio na Serra da Mantiqueira, onde a Capoeira imperava, mas de um jeito diferente. “O que me chamava atenção é que a vegetação crescia muito rapidamente, de forma desordenada, e apresentava uma diversidade muito grande de espécies. Em um pequeno espaço havia um monte de plantas diferentes crescendo ao mesmo tempo, brigando pela luz, pela água, pelo espaço”, explica ele.

Foi nessa época que começaram a germinar as ideias que dariam base para o projeto Florestas de Bolso que Cardim estudou e pesquisou por mais de 15 anos até fazer algumas experiências na zona rural e, a partir de 2013, realizar sete projetos bem sucedidos na sede de empresas em São Paulo, clientes de sua Sky Garden (um deles é o que abre este post, no prédio do City Bank, na Avenida Paulista).

floresta-de-bolso-ricardo-cardim-canteiro-publico-2xHá pouco mais de duas semanas, em 12/3, ele deu mais um passo com seu lindo projeto que ganhou o primeiro espaço público, no bairro da Vila Olímpia, na capital paulista. Com um detalhe: a façanha aconteceu a convite de um grupo de pessoas para quem o botânico deu uma palestra alguns dias antes sobre Paisagismo Sustentável -, junto com dois parceiros bacanas – Novas Árvores por Aí e Muda Mooca -, o apoio da subprefeitura.

Assim, em um sábado ensolarado na esquina da Avenida Helio Pelegrino e Rua Clodomiro Amazonas, o botânico liderou o plantio de 83 mudas de 40 espécies diferentes de árvores e arbustos de Mata Atlântica em um canteiro degradado. E o que não faltou no local foi gente com vontade de participar desse mutirão verde. Mesmo sem mudas para plantar, todos quiseram ajudar. “As pessoas fizeram propaganda boca a boca. Tinha mais gente do que mudas (foto abaixo). Teve gente que usou enxada, enxadinha e até pazinha de criança para ajudar a cavar a terra”, conta ele, feliz.
floresta-de-bolso-ricardo-cardim-canteiro-publico-1xA área escolhida para abrigar a primeira Floresta de Bolso pública estava degradada (foto acima). Inacreditável pensar que no mesmo local já existiu uma mata ciliar margeando o Rio Uberaba, canalizado há muuuuitos anos sob o asfalto. Mas, agora, o futuro ali pode ser vislumbrado com mais otimismo já que uma mata potente vai se desenvolver e criar uma nova paisagem para o local. É um pequeno espaço, sim, mas que já vai fazer uma grande diferença naquele pedaço da cidade e pode ajudar a mudar a consciência dos paulistanos, paulatinamente.

Como expliquei acima, a ideia do mutirão para o plantio surgiu durante encontro com membros do CADES – Conselho do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz de Pinheiros – alguns são membros dos Hortelões Urbanos, da Horta das Corujas… “Esta é uma nova geração de pessoas ligadas ao plantio nas grandes cidades. Há coletivos resgatando a biodiversidade, que é uma dívida histórica na capital. O público da palestra era muito diversificado – tinha de jardineiro a médico -, mas o desejo era o mesmo: plantar na cidade. Isso me deixou muito animado porque tem uma massa crítica de pessoas pensando em melhorar a qualidade de vida, de verdade”.

A maioria aderiu rapidamente à iniciativa e colaborou com a compra das mudas realizada no dia seguinte em um dos melhores viveiros da cidade, de acordo com o paisagista. O espaço já contava com o apoio financeiro de uma empresa social para sua manutenção, então, só faltavam as plantas. O encontro foi marcado às 10h. “Foi uma festa que durou umas cinco horas, pelo menos!”, revela.

Mais uma Floresta (pública) de Bolso na capital paulista!

floresta-de-bolso-ricardo-cardim-vila-marianaE a linda iniciativa de Cardim na Vila Olímpia já rendeu frutos. Em 31/3, ele dará Mini Curso de Paisagismo Ecológico no bairro da Vila Mariana, em São Paulo (das 19h às 22h30, Auditório da Escola Santa Amália, Av. Jabaquara, 1673). Não é preciso fazer inscrição para participar. É só chegar!

E, no dia 16/4, o paisagista orientará o plantio (o local ainda será definido) de mais uma Floresta de Bolso pública, desta vez, mesclando espécies da Mata Atlântica, do Cerrado e araucárias.

Os dois encontros fazem parte do Programa Colaborativo Vila Mariana Sustentável e só serão possíveis graças à parceria de Cardim com o CADES da Subprefeitura desse bairro, a Agenda 21Programa Ecobairro, Horta Comunitária da Saúde, Novas Arvores por Aí e SOS Abelhas Sem Ferrão. Como diz o provérbio de origem africana (de autor desconhecido), se você quiser ir rápido, vá sozinho, mas se quiser ir longe, vá junto. É isso.

Da zona rural para as grandes cidades

“O que eu mais gosto de fazer é restauração nativa, mas isso acontecia geralmente em áreas rurais”, explica Cardim. “Foi assim que iniciei projetos com o ‘conceito de bolso’, uma técnica de reflorestamento muito diferente da convencional, inspirada na Capoeira, na natureza original da Mata Atlântica, que tanto me inspirou quando jovem”. Era a realização de um sonho e também o resultado de mais de 15 anos de estudos.

Com seu projeto de miniflorestas mais amadurecido – mas ainda sem um nome pop como tem agora –, ele propôs a um cliente de São Paulo (Casa Basf, no bairro de Santo Amaro) o primeiro experimento urbano: parte do terreno que seria tratado com paisagismo tradicional, receberia espécies nativas e muito diversificadas da Mata Atlântica sem controle.

“Até o ano passado, algumas árvores já estavam com seis metros de altura e todos me perguntavam o que eu tinha colocado na terra para que isso acontecesse. O que fiz, na verdade, foi criar um ambiente de competição sadia entre as plantas. Inspirado pelo que via na capoeira da Mantiqueira, em um pequeno espaço criei um ambiente propício para a competição extrema, para que todas brigassem para crescer e se desenvolver, por nutrientes, por água, pela luz, por espaço.

Abaixo, é possível ver como se deu o desenvolvimento das plantas nesse projeto, a cada ano, até 2015. É impressionante!

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“Quando você cria um ambiente assim na natureza, gera o melhor de cada planta porque uma não vai querer ser submetida à outra. Isso cicatriza, muito rápido, a terra que antes estava degradada e cria uma pequena floresta muito rica, de uma biodiversidade extraordinária, que logo começa a atrair aves”. A natureza volta. As aves voltam e, junto com os ventos, dispersam sementes para outros lugares e espalham essa riqueza natural. “Essas mini florestas são, na verdade, bombas de biodiversidade para a cidade”, define Cardim.

É importante lembrar que “as árvores da Mata Atlântica crescem muito rapidamente juntas porque evoluíram em comunidade. São feitas para viver assim, juntas. Nós é que as ordenamos e achamos que fica mais bonito deixar uma árvore longe da outra. Quando as colocamos juntas novamente, elas “brigam”, competem pelo espaço e crescem muito rápido. Há um lado ambiental nesses projetos, mas urbanístico também”.

De acordo com Cardim, não importa o tamanho do terreno – pode ter 40 m2, 80 m2… – porque cada floresta tem um tamanho, um formato, uma missão. É um projeto adaptável a qualquer terreno: pode ser plantado em um espaço como o da Vila Olímpia, em uma praça, em pequenas áreas degradadas em parques e, também, em paredes e telhados verdes.

Com o adensamento e a concentração de tanta qualidade de vida nas Florestas de Bolso, cresce também sua capacidade de oferecer serviços ambientais:
– liberam umidade na atmosfera, limpando o ambiente e deixando-o mais fresco;
– reduz barulho
– atrai chuvas e, ao mesmo tempo, evita enchentes porque deixa o solo permeável.

ricardo-cardim-florestas-de-bolso-800xAlém disso, esse projeto ajuda a reconectar as pessoas com a floresta nativa. “Por que não existe um pedacinho de floresta nativa em todos os parques de São Paulo, como acontece com o Parque Volpi?” Cardim continua: “Meu projeto é espalhar Florestas de Bolso pela cidade de São Paulo e em outras cidades, mas também criar trilhas dentro delas para que as pessoas entrem em contato cada vez mais próximo com a vegetação nativa. Hoje, há muitas espécies estrangeiras nas cidades e as pessoas se acostumaram a elas. Por isso, acabam tendo mais familiaridade com o que não é nativo”.
E o ambientalista ainda explica: “Quem determina o destino da vegetação nativa são as pessoas. Como elas não têm acesso, não criam amor por ela. Mas, se todo mundo tiver uma Floresta de Bolso da Mata Atlântica na esquina de casa ou no parque que frequenta, criará amor por todas as plantas e vai ajudar a preservá-las. Todos vão ver a floresta viver, crescer e senti-la, inclusive na companhia de animais como as aves”. Isso é mágico e transformador, sem dúvida.

Quem se habilita? Que tal convidar os vizinhos para uma empreitada bacana assim na sua região?  Qualquer dúvida sobre como começar, pergunte ao Ricardo Cardim.

Abaixo, estão outros passos do plantio da primeira Floresta de Bolso pública, registrados pelo movimento Novas Árvores por Aí.

floresta-de-bolso-ricardo-cardim-canteiro-publico-3xCardim dá início aos trabalhos na primeira Floresta de Bolso pública

floresta-de-bolso-ricardo-cardim-canteiro-publico-4Primeiras mudas distribuídas, então, mãos à obra! 

floresta-de-bolso-ricardo-cardim-canteiro-publico-5xVoluntários animadíssimos com a empreitada no canteiro da Vila Olímpia

floresta-de-bolso-ricardo-cardim-canteiro-publico-6xxCardim (à direita) na companhia dos parceiros e amigos Danilo Jack (Muda Mooca) e Nik Sabey (Nossas Árvores por Aí)

Fotos: Ricardo Cardim/Divulgação (experimentos e retrato) e ONG Novas Árvores por Aí (plantio)

8 comentários em “Com suas Florestas de Bolso, o botânico Ricardo Cardim quer ‘devolver’ a Mata Atlântica à São Paulo

  • 23 de agosto de 2016 em 2:15 PM
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    Como posso entrar em contato com Ricardo Cardim?

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  • 23 de maio de 2018 em 5:26 PM
    Permalink

    Aqui em casa em um tereno de 500 metros quadrados, usamos 200 para obra e o restante quera parte de um pasto transformamos em uma floresta de bolso, inclusive nasceram embaúbas que agora ja estão com 12 metros ou mais de altura. Montamos uma nascente, lago natural pequeno com uma pequena queda dagua para animais, pássaros e insetos alem de grandes rochas que colocamos algumas com ate 2 toneladas.

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  • 1 de julho de 2018 em 6:58 AM
    Permalink

    Gostaria de participar e receber nossos notícias do projeto Floresta de bolso

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.