Cartagena das Índias: um passeio pelo realismo fantástico de Gabriel García Márquez


Cartagena das Índias: um passeio pelo realismo fantástico

Foi quase por acaso que Cartagena – é assim apenas que carinhosamente vou chamá-la neste post -, entrou na minha lista de destinos de viagem dos meus sonhos.

Há alguns anos estava participando de uma seleção para um emprego e precisei escrever um artigo turístico sobre Cartagena, cidade colombiana, que preservou de forma magnífica a arquitetura do tempo colonial, quando ainda estava sob o poder da Espanha, mas nunca perdeu sua alma latina.

Pesquisei muito sobre o lugar e também li alguns romances de seu filho mais ilustre, o escritor Gabriel García Márquez, o Gabo, Prêmio Nobel de Literatura, que apesar de não ter nascido ali, a usou como inspiração para seus livros e ainda hoje, é reverenciado em Cartagena como em muitos outros poucos lugares. Entre suas mais conhecidas e famosas obras está Cem Anos de Solidão. 

Fiz a matéria e consegui o emprego. E Cartagena entrou para a minha lista de viagens a serem realizadas quando o futuro permitisse. Mas não bastava ir até lá. Eu queria me hospedar em um lugar mágico, assim como as histórias de Gabo. Erguido em 1621, o Convento de Santa Clara foi usado, entre outras coisas, como fortaleza de defesa pelos espanhóis, e muitos séculos depois, foram encontrados ali os restos mortais de Sierva Maria de Todos los Ángeles, com seus 22 metros de cabelo. A menina, vítima da cólera, morreu muito jovem e se tornou a personagem principal de Do Amor e Outros Demônios.

Meu desejo em conhecer a fascinante cidade da Colômbia foi realizado em 2015. Fui recebida de forma calorosa. Literalmente. “Bienvenidos al horno!”, disse o taxista rindo, ao saudar eu e meu marido. A temperatura média em Cartagena, durante o ano todo, está entre os 25oC e 30oC graus. Uma delícia para aqueles, como eu, que adoram os dias quentes e ensolarados. Todavia, a localização, ao lado do mar, faz com que a brisa deixe o clima mais ameno.

Veículos não podem circular por dentro dos 11 km da chamada “cidade murada”, o centro histórico de Cartagena. É uma medida para preservar as construções centenárias – algumas datam da época de sua fundação, 1533. Por isso mesmo, ela recebeu um certificado de Destino Turístico Sustentável (primeira na Colômbia), outro título que se soma ao de Patrimônio Histórico da Humanidade, concedido pela Unesco.

Por todo lado há igrejas e lindos casarios, das mais diversas cores imagináveis. Um lugar onde deve-se andar muito, caminhando lentamente para absorver a história e os sabores locais… Ah, seus sabores…

Apesar do passado com forte influência europeia, o tempero caribenho está em todos os lugares. Em nosso primeiro passeio, nos foi oferecido uma “limonada de coco”. Não pense duas vezes e aceite, caso você tenha a chance. Simplesmente deliciosa! Em Cartagena, o turista descobre rapidamente que dois ingredientes estarão presentes na maioria das receitas: coco e banana. Os plátanos fritos – bananas bem fininhas, fritas, como se fossem chips – também são irresistíveis!

Nas ruas, as colombianas, ornamentadas com seus melhores vestidos, são tão coloridas como as frutas que vendem: mangas, melancias, mamões, abacaxis, tamarindos ou o tomate del árbol. A dica é experimente, arrisque.

Mas uma parte do coração de Cartagena pertence a ele. García Márquez. Ele não só a tornou conhecida , mas tomou de assalto sua alma. Seus livros estão em todas as vitrines. Traduzidos para todas as línguas. Decido então, enquanto visito a cidade, ler novamente Do Amor e Outros Demônios, só que desta vez, em espanhol. Como diz o ditado, “Quando em Roma, faça como os romanos”. Pois mudei um pouquinho o dito popular: “Quando na Colômbia, leia como os colombianos”.

E logo após as primeiras páginas, já estava transportada para o realismo fantástico de Gabo. Apesar de nascida em uma família rica e tradicional de Cartagena, Sierva Maria foi criada pelos escravos negros, com quem aprendeu seus dialetos e suas tradições e crenças africanas. Mordida por um cão com raiva, a menina desenvolve a doença. Enclausurada no Convento de Santa Clara, é tratada como uma pequena bruxa, e é lá, sob os cuidados das freiras que acham por bem exorcizá-la, que conhece o jovem padre Cayetano De Laura.

A receita para o feitiço do amor estava pronta… E também para uma viagem inesquecível!


Caminhe e se delicie com as cores e sabores do Caribe



A arquitetura da época colonial espanhola

 


Vista do Convento de Santa Cruz de la Popa



A Cartagena de García Márquez vive em um tempo sem pressa

 


Entrada do antigo convento das freiras da ordem de Santa Clara

 


Foi aqui que os restos mortais da personagem de “Do Amor e Outros Demônios”
foram encontrados



Ingredientes locais e frutas, como banana e coco, são a base
dos principais pratos típicos


Entardecer a partir da cidade murada
com vista para o mar

 

Não deixe de conhecer:

Torre do Relógio – Em amarelo vibrante, é facilmente encontrada. Fica em um dos portões da cidade murada;

Palácio da Inquisição – Prédio que conta a história de perseguição e tortura ocorrida em Cartagena;

Las Bóvedas – Nada mais é do que o mercado municipal da cidade, com muitos souvenirs e quitutes típicos locais;

Castelo de San Filipe de Barajas – Fortificação que durante séculos protegeu a cidade histórica;

Convento Santa Cruz de La Popa – Do alto deste ponto de perigrinação dos colombianos, é possível ter uma noção geográfica de Cartagena

Praças de San Pedro de Claver e Santo Domingo – nas duas se encontram igrejas históricas;

Sofitel Legend Santa Clara Cartagena – Não é preciso se hospedar no hotel para conhecê-lo. A tumba onde os cabelos de Sierva Maria foram encontrados pode ser vista pelo bar. Há ainda a cerimônia das velas, em que homens encapuzados, lembrando monges, acendem candelabros no jardim interno do antigo convento. 

 

P.S. Cartagena das Índias foi chamada  assim em referência à cidade original de Cartagena, na Espanha. Vale lembrar que os conquistadores da América descobriram o continente por acaso, pois buscavam chegar nas Índias das especiarias.

 

Fotos: reprodução Facebook Colombia Travel, divulgação Accor Hotels e arquivo pessoal

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.