Butiás às pampas para artesãos, gastrônomos e turistas brasileiros

Com essa me caíram os butiás do bolso!

Assim costumam dizer os gaúchos mais tradicionais, ao receber uma notícia inesperada ou tomar conhecimento de algum fato espantoso, daqueles que fazem a pessoa estancar de repente e deixar rolar pelo chão uma porção de coquinhos reservados para o lanche. Os butiás em questão são os frutos de uma das 20 palmeiras do gênero Butia de ocorrência no Brasil, provavelmente Butia odorata ou Butia catarinensis, as duas espécies mais abundantes em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e nos países vizinhos, Uruguai e Argentina.

A saborosa polpa de butiá tem alta dose de vitamina C e carotenoides (precursores da vitamina A), mas é o fato de ser tão rica em potássio como a banana que a faz se destacar dos demais coquinhos consumidos e comercializados. Já a amêndoa produz um óleo comestível de grande qualidade, com potencial para ser muito valorizado na culinária.

As palmeiras crescem em agrupamentos naturais, conhecidos como butiazais, renovados naturalmente pela fauna silvestre que, como nós, aprecia muito a saborosa polpa amarela. Aves grandes como saracuruçu, saracura-três-potes, jacu e gralha-azul engolem os coquinhos inteiros e depois “plantam” as sementes, já adubadas. O lagarto teiú é outro que retribui a refeição com plantio. E alguns mamíferos também contribuem, como o veado-catigueiro, o graxaim-do-mato, a paca, o mão-pelada e a atarefada cutia, que chega a enterrar os coquinhos para comer mais tarde, deixando um rastro de mudas por onde passa.

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Entre os humanos, o butiá hoje entra na produção de sucos, cachaças, licores, sorvetes e doces; suas sementes servem para fabricar biojóias ou luminárias e a palha é usada na fabricação de capas para notebooks, bolsas, carteiras e outros artesanatos. Produtores e artesãos de diversas cidades dos estados do Sul do Brasil e da região de fronteira, do lado uruguaio e argentino, se uniram para montar a Rota dos Butiazais – Red Palmar, com o objetivo de incrementar a produção de butiás e produtos agroindustriais à base de polpa, amêndoa ou palha; associar o turismo à gastronomia e trabalhar pela conservação e uso sustentável dos butiazais. Feiras e rotas gastronômicas já frequentam hot sites, blogs e perfis do Facebook e algumas cidades se destacam pela proatividade, como é o caso de Giruá e Santa Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul, e Rocha, no Uruguai (onde fica a agroindústria Caseras de Índia Muerta, especializada em produtos de butiá).

Na pesquisa, do lado brasileiro, o principal esforço vem da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas (RS). Como a exploração dessas palmeiras ainda é principalmente extrativista e depende dos butiazais nativos, os pesquisadores mantêm uma coleção de matrizes selecionadas e trabalham com a possibilidade de fazer a reprodução por cultura de tecidos. Conforme explica a bióloga e doutora em Genética e Biologia Molecular, Rosa Lía Barbieri, pesquisadora da Embrapa e grande fã dos butiás, a produtividade varia muito de palmeira para palmeira e as sementes de uma palmeira-mãe não geram necessariamente uma palmeira-filha com a mesma produtividade. Mas a clonagem permite preservar as boas qualidades das matrizes escolhidas.

“Existe uma seleção de matrizes de butiás maiores, com mais polpa, ao longo de antigas linhas de trem. Os coquinhos eram vendidos aos passageiros, que comiam a polpa e jogavam as sementes pelas janelas dos trens, dando origem a palmeiras muito produtivas”, conta Rosa Lía. “E conhecemos matrizes selecionadas por comunidades locais, com frutos maiores e mais doces, que também podem ser reproduzidos”.

Para buscar o desenvolvimento local por meio do uso adequado da biodiversidade, através da Rota dos Butiazais, a equipe de pesquisa conta com apoio financeiro da própria Embrapa, do Ministério do Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além de material informativo online, em parceira com a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, eles editaram o livro Vida no Butiazal e o vídeo Amamos Butiá  ambos disponíveis para download gratuito na Internet.

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Fotos: domínio público/pixabay (abre), Rosa Lía Barbieri (cacho de butiás e butiazal) e Paulo Lanzetta (produtos à base de butiá)

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Liana John

Jornalista ambiental há mais de 30 anos, escreve sobre clima, ecossistemas, fauna e flora, recursos naturais e sustentabilidade para os principais jornais e revistas do país. Já recebeu diversos prêmios, entre eles, o Embrapa de Reportagem 2015 e o Reportagem sobre a Mata Atlântica 2013, ambos por matérias publicadas na National Geographic Brasil.