Brincadeiras de risco

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Este é um tema central de nossas conversas sobre como estamos em nosso contato com a natureza e como transmitimos esse estado para nossas crianças. Nossos leitores, aqui no Conexão Planeta que nos acompanham desde agosto de 2015 – já têm informações, inspirações e reflexões sobre a importância da natureza para as crianças. Mas todos querem saber o que fazer com o risco: de cair, de se machucar, de ser picado, de se assustar, de se arranhar etc.

Mas, afinal, o que é o risco? Porque temos aversão a ele? Vamos olhar para essa questão com calma, para poder explorá-la mais profundamente.

A cultura urbana moderna valoriza a segurança e a estabilidade, e tem como um dos seus pilares a divulgação do medo que, inclusive, garante a sustentação de boa parte da economia. As pessoas com quem cruzamos todos os dias são vistas, a princípio, como indignas de nossa confiança, e qualquer comportamento diferente ou original é visto como suspeito e amedronta. Desde a década de 1970, com o crescimento do acesso aos carros particulares, a cidade foi voltando-se para eles, ao mesmo tempo que as crianças foram pouco a pouco aprisionadas nas reduzidas áreas externas dos prédios e das casas.

Assim, acabaram-se as brincadeiras de rua, pois o risco de as crianças serem atropeladas cresceu. As brincadeiras livres e criativas tiveram que se adaptar a esses espaços e às novas lógicas que não valorizam a liberdade e as relações espontâneas entre as pessoas. Inicialmente, a televisão e os videogames, e mais recentemente os computadores, celulares e todo tipo de telas garantem aos pais a tranquilidade de que seus filhos estão protegidos e não correm nenhum tipo de risco. Tudo fica sob controle.

Hoje, a grande maioria das crianças não se arrisca, não enfrenta desafios, pois os playgrounds em que brincam são projetados para diminuir ao máximo a possibilidade de caírem e se machucarem. Muitas vezes, o chão da pré-escola é emborrachado e não há degraus para treinarem o equilíbrio. E é proibido subir em árvores. As casas têm grade e câmeras, expressando que não há nenhuma possibilidade de sair do controle. Tudo o que vem de fora é considerado de risco.

Isso acontece porque a noção de risco é vista como negativa. O risco é visto de diferentes maneiras nas diversas culturas. Na Noruega, por exemplo, risco é sinônimo de desenvolvimento de habilidades. Eles não consideram um problema quando a criança cai e se machuca, pois entendem que é justamente nesse processo de arriscar-se que ela expande seu campo de possibilidades, tanto na ação direta como na emoção, desenvolvendo dessa forma a segurança e a confiança em si e no ambiente que a cerca.

Aqui no Brasil, temos preferido as estratégias de controle e de evitar o risco, expressando assim nosso sentimento de insegurança em relação a tudo que nos cerca. Para lidar com isso temos que nos perguntar: como criar um ambiente de segurança para educar nossos filhos? Ao proteger as crianças estamos eliminando o elemento de aprendizagem, tirando-lhes a oportunidade de fazer conquistas que serão essenciais para o resto da vida. A criança que não vive essa experiência de aprender arriscando-se, pode futuramente ter medos exagerados em relação ao mundo.

Por outro lado, o medo é fundamental para que a criança desenvolva o senso de controle, de autoconfiança e de responsabilidade sobre si mesma. A cada desafio vem o medo e o exercício de superação do medo, para avançar.

Não estou afirmando que vale tudo, que vale se arriscar sem responsabilidade. Há uma linha tênue entre o vale tudo e a responsabilidade no que diz respeito ao risco. É importante fazer o manejo do risco, ou seja, avaliar a situação, planejar as atividades possíveis e considerar os riscos potenciais, mas não eliminar os riscos.

Para refletir sobre o tema das brincadeiras de risco conversei com a Ananda Casanova, educadora interessada na vida ao ar livre. Ela também é pedagoga, mestre em Educação e mestranda no programa TEOS – Transcultural European Outdoor Studies. Segundo ela, a eliminação do risco tira o elemento de aprendizagem e a possibilidade de a criança fazer essa conquista. Diz ela: melhor entender as brincadeiras de risco como um laboratório, em que as crianças vão desenvolver habilidades físicas, motoras e de consciência do próprio corpo, vão ampliar a percepção e a orientação espacial, vão ter consciência da profundidade do espaço e, estando do lado de fora, vão aprender sobre a ecologia do lugar, vivenciando a continuidade da vida na Terra. Quanto menor a criança mais importantes são essas explorações ao ar livre.

Nas áreas naturais, o adulto precisa saber quais são os riscos e ensinar as crianças a lidar com eles, sem eliminá-los. Em estudos no Reino Unido observou-se que incluir brincadeiras de risco em um playground diminui o número de acidentes!

Em nosso imaginário e nas histórias infantis, os super-heróis que nos inspiram e nos ajudam a crescer seguem sendo aqueles que se arriscam, que aceitam romper com o cotidiano comum, que seguem seu sonho e que contribuem para a evolução da sociedade.

Nós somos nossos próprios heróis e precisamos – mais do que nunca – desenvolver nossa potência para dar passos maiores e confiantes na transformação do nosso mundo tornando-o melhor para se viver. Precisamos avançar na compreensão e na prática da questão do risco em nossas vidas.

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Foto: Sylwia Dominik/Pixabay

Um comentário em “Brincadeiras de risco

  • 24 de maio de 2016 em 10:03 PM
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    Ameii, meus alunos de três anos sobem em árvores na escola.fico observando eles enfrentando os desafios, descobrindo.a melhor forma de encaixar os pés e de segurar é incrível eles vão avançando aos poucos e quando sentem segurança e conquistam a copa da árvore a alegria toma conta dos seus corações e contagiam as outras crianças que no embalo dessa infância feliz , correm em busca deste desafio que embala o enfrentamento do medo em busca da conquista de um olhar de pássaros

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Rita Mendonça

Bióloga e socióloga, é autora dos livros “Como Cuidar da Natureza” e “Conservar e Criar”, sócia-diretora do Instituto Romã. Ministra cursos, vivências e palestras para aproximar as pessoas do ambiente natural. Acredita que a criança é a natureza se tornando humana e, por isso, precisa conviver com ela para seu desenvolvimento sadio e integral.