No ano passado, machetes e rifles foram usados para agredir índios da etnia Gamela na tentativa de tomar o controle de suas terras, deixando 22 deles gravemente feridos, alguns com as mãos decepadas. Meses depois, ninguém havia sido indiciado pelo crime.
Este é apenas um dos episódios ocorridos em 2017 que fez com que o Brasil tivesse o maior número de mortes já registrado em um ano em qualquer país. Foram 57 assassinatos a indígenas, ambientalistas e ativistas. A grande maioria das vítimas lutava pela proteção e conservação da Amazônia.
Os dados são do relatório “A que preço? – Negócios irresponsáveis e o assassinato de defensores da terra e do meio ambiente em 2017, produzido pela organização não-governamental britânica Global Witness.
Pelo segundo ano consecutivo, a América Latina registrou o maior número de homicídios, respondendo por quase 60% do total de 207 assassinatos brutais. E também, assim como no ano passado, vergonhosamente, o Brasil lidera este lamentável ranking internacional, seguido por Filipinas (48), Colômbia (24), México (15) e Congo (13).
Segundo o documento, a situação em nosso país só piora porque “… ao invés de tomar medidas para acabar com os ataques contra os defensores, o presidente Michel Temer e os legisladores brasileiros estão ativamente enfraquecendo as leis e as instituições destinadas a proteger os direitos à terra e os povos indígenas. Ao mesmo tempo, eles decidiram tornar mais fácil para as grandes empresas – aparentemente imperturbáveis pelo devastador custo humano e ambiental de suas atividades – intensificarem a exploração de ecossistemas frágeis”.
Seguem as principais constatações do relatório:
– Pelo menos 207 defensores foram assassinados em 2017 – o ano com o maior número de mortes já registrado;
– O agronegócio foi o setor mais perigoso, superando pela primeira vez a mineração, com 46 defensores mortos protestando contra a forma como os bens que consumimos estão sendo produzidos;
– Houve mais massacres em 2017 do que nunca: a Global Witness documentou sete casos nos quais mais de quatro defensores foram mortos ao mesmo tempo;
– Quase 60% dos assassinatos registrados em 2017 ocorreram na América Latina.
– Houve aumento do reconhecimento e ações foram tomadas por governos e empresas, mas muito mais precisa ser feito. A impunidade generalizada torna difícil identificar os agressores. Documentar e verificar os casos, particularmente na África, continua sendo uma difícil tarefa.
Uma das personagens que aparece na denúncia da Global Witness é Maria do Socorro Costa e Silva, que aparece na foto que abre este post. “Lógico que a minha vida está em risco. Recebo ameaças de morte 24 horas por dia porque não vou calar a minha boca diante de tanta atrocidade”, diz.
Maria do Socorro é uma das ativistas que dá voz aos protestos contra a mineradora norueguesa Hydro Alunorte, que contaminou o rio Pará, em Barcarena, e colocou em risco a saúde de moradores da região.
Além do episódio no início deste ano, a mineradora, que tem como acionista majoritário e controlador o governo da Noruega, já havia sido multada, em 2009, por crime ambiental pelo Ibama. Na época, a empresa foi responsabilizada pelo vazamento de resíduos industriais em córregos de Barcarena, quando peixes morreram e moradores que vivem às margens do rio ficaram sem água potável.
Segundo denúncias do Ministério Público Federal do Pará, a empresa até hoje não pagou as multas estipuladas pelo Ibama em R$ 17 milhões, referentes ao transbordamento de 2009.
De acordo com a Global Witness, que faz o levantamento desde 2015, assassinatos são apenas uma das táticas utilizadas pelos criminosos para tentar calar suas vítimas. Há ainda ameaças, encarceramento, assédio sexual e outros tipos de agressões.
Foto: Thom Pierce, Guardian/Global Witness/UN Environment e gráficos Global Witness