Banquetaço: chefs e ativistas se unem pela qualidade da alimentação popular em SP


Ontem, 16/11, o almoço de alguns paulistanos – entre eles muita gente que vive nas ruas da capital – foi bem diferente. Em frente ao Teatro Municipal, na região central, um banquete preparado por 20 chefs, ofereceu 2 mil refeições e 2.200 sorvetes picolé, a quem passava ou foi especialmente para o encontro. Um presente em todos os sentidos.

Chamado de Banquetaço pelos organizadores – ONGs que trabalham com alimentação e segurança alimentar, chefs e ativistas -, este foi um ato político pela comida de verdade, pra mostrar que é possível fazer e oferecer refeições populares saborosas e saudáveis sem gastar muito (ou nada). Tudo embasado por um manifesto assinado por todos os participantes (você pode ler o texto na íntegra, no final deste post).


O intuito dessa turma bacana era sair do discurso e da reclamação e mostrar algo prático para protestar contra a Farinata de João Dória, a ração humana que o prefeito lançou respaldado por uma lei absurda (16.704 de 2017), com a desculpa de querer alimentar quem tem fome (sobre isto falo mais adiante e a notícia é boa: o gestor voltou atrás em sua iniciativa desumana).

Os alimentos usados para produzir os dez pratos deliciosos oferecidos nesta festa linda vieram de pequenos produtores de orgânicos de várias regiões de São Paulo, de hortas comunitárias, da horta de PANCs (as já famosas plantas alimentícias não convencionais) da Faculdade de Medicina da USP, de doações de restaurantes e de entrepostos como o Ceagesp, que todos os dias dispensa frutas e legumes maduros, ainda em bom estado, porque não têm valor comercial e custa muito fazer a triagem dos mesmos. Era só observar as cestas de alguns desses alimentos expostos in natura no banquete pra comprovar o absurdo que se comete todos os dias na cidade, enquanto muita gente passa fome.

O trabalho de coleta de todos esses ingredientes foi realizado de forma eficiente pelo Disco Xepa do movimento Slow Food no Brasil. Eles ainda contaram com o apoio de um empresário que cedeu um galpão perto da rua Paula Souza, no centro, que garantiu o apoio logístico e facilitou a preparação dos pratos.

Assim, num dia lindo de sol com céu azulzinho, uma mesa farta de comidinhas gostosas e criativas encheu os olhos de muita gente. Algumas, com certeza, a gente só encontraria nos restaurantes estrelados dos chefs idem, acostumados a tirar proveito de qualquer alimento de um jeito especial. Charuto de folha de uva com recheio de legumes, bolinhos de batata com “capinhas” de presunto, cuscuz envolvidos por trouxinhas de folha de bananeira, penne com molho feito de PANCs e bolo de banana estavam entre as receitas deliciosas. Sucos diversos e picolés de sabores inusitados como Cambuci também.


Este movimento clama em defesa da comida saudável para todos, principalmente para as populações em risco e as crianças que frequentam as escolas públicas. É contra o ‘alimento’ seco, processado e granulado – a Farinata -, inventado pela gestão de Dória e que ele quer (melhor, queria) impor a essas pessoas como forma de driblar a fome.

Na verdade, o que essa ideia traz é apenas e tão somente o favorecimento das indústrias que iriam doar os alimentos – já processados, argh! – e em vias de vencer para a produção dessa ração. Primeiro, porque elas não teriam mais que investir em seu descarte – isso custa dinheiro afinal. Segundo, porque ainda seriam beneficiados com descontos nos impostos por conta da doação.

Com o Banquetaço ficou mais do que claro que oferecer comida de verdade a quem precisa não é impossível. Há alternativas saudáveis, orgânicas e de baixo custo para tornar a alimentação popular realmente humana, justa e sustentável.

Vale ressaltar que o movimento envolveu mais de 40 pessoas, sem centralização de comando nem hierarquia, como explicou o sociólogo Carlos Dória à Mara Gama, colunista da Folha de São Paulo: “Foi uma construção de consenso sobre o que fazer, tudo pelo WhatsApp, numa organização anárquica, mas muito eficiente”.

Dória desiste da ração humana, mas tenta enganar com ‘nova’ iniciatva

Certamente como resposta a esse movimento, na mesma quinta-feira, pouco antes de começar o Banquetaço, João Dória reuniu a imprensa para comunicar que não daria andamento à proposta da Farinata – estava desistindo, portanto, desse projeto abusivo –, e anunciou um programa que amplia a compra de produtos da agricultura familiar e de orgânicos para a merenda escolar da rede municipal de ensino”.

No site da prefeitura, o texto que fala deste projeto diz que é a primeira vez que a rede pública terá produtos orgânicos na merenda. Que falta de memória!!! Oras, isto já estava sendo feito pelo governo do Haddad! Portanto, na verdade, o gestor está resgatando um projeto do governo anterior, que havia enterrado.

Ele também anunciou o lançamento de um aplicativo e a implantação de mais de 200 hortas pedagógicas em escolas. Até quando ele vai correr atrás do que nega inicialmente? Quanta perda de tempo e de dinheiro!

O fato é que o pessoal do Banquetaço ficou animado com o resultado do ato, in loco – quanta gente reunida em torno da mesa farta, como deve ser! -, e também da ‘volta atrás do prefeito’. E parece que este quer conversar com os ativistas.

Segurança alimentar e agricultura urbana

O Manifesto Republicano dos Cozinheiros e Profissionais da Alimentação – assinado por mais de 50 chefs e ativistas, entre eles Alex Atala, Bela Gil, Nina Horta, Bel Coelho, Mari Salles e Paola Carosella -, que embasa o movimento do Banquetaço, lembra que existe um plano de segurança alimentar e uma lei que garantem o uso de alimentos orgânicos nas merendas das escolas públicas, além de um programa de agricultura urbana. Estas são normas “indutoras da abundância e da dignidade da cidade”, ressalta o texto, que ainda não deixa a gente esquecer que a prefeitura eliminou quase todo o orçamento previsto – sobraram 8%! – para projetos de abastecimento e segurança alimentar e nutricional na cidade para o próximo ano.

Para todos os membros deste movimento, a Farinata “contraria todos os conhecimentos modernos sobre nutrição e alimentação, que orientaram formulações de políticas públicas baseadas em boas práticas e que ligam a agricultura ao prato de comida servido pelo poder público”.

Agora, é imprescindível acompanhar e participar deste movimento, que não se resume ao Banquetaço na Praça Ramos de Azevedo, em São Paulo, nem ao manifesto. Por isso, os signatários convidam a população para aderir, “em especial os trabalhadores da cadeia alimentar, a cerrar fileiras em torno da alimentação popular saudável, natural, orgânica e socialmente justa, como o único caminho de conquista do bem comum em matéria alimentar”.

Abaixo, assista ao vídeo da TVT sobre a mobilização em frente ao Teatro Municipal. Em seguida, leia o manifesto na íntegra.

Manifesto

Este texto foi assinado por mais de 50 chefs e profissionais da alimentação e embasa o movimento do Banquetaço:

1. BANQUETAÇO é uma demonstração prática do que é COMIDA DE VERDADE DO CAMPO À CIDADE, e de como é possível produzir uma alimentação de qualidade, biodiversa e com base em alimentos
in natura; gerando preparações culinárias de baixo custo, utilizando os alimentos integralmente para alimentar a população em situação de vulnerabilidade e crianças em idade escolar, concretizando plenamente o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).

2. BANQUETAÇO é um clamor pela mobilização popular em defesa de políticas públicas definidas e que fortalecem práticas produtivas agroecológicas, comercialização e o consumo de alimentos naturais e saudáveis. Para tanto, exige que a Prefeitura adote imediatamente as metas preconizadas no 1º Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (2016-2020).

3. BANQUETAÇO é uma reivindicação pública para exigir a revogação da Lei 16.704/2017, que permite ao Poder Público celebrar contratos e convênios com entidades produtoras/distribuidoras de “farinata” e derivados processados e ultraprocessados.

NOTA PÚBLICA
No momento em que o Brasil corre o risco de voltar ao Mapa da Fome da FAO/ONU, pela perda do poder aquisitivo da população em função da crise econômica em que vivemos;

No momento em que verifica-se na cidade de São Paulo casos de morte por desnutrição em vários distritos (Brasilândia, Ermelino Matarazzo, Jabaquara e Itaim Paulista);

No momento em que São Paulo é reconhecida internacionalmente por seu Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e por seu esforço na valorização das Zonas Rurais como estratégicas para responder aos desafios de uma grande cidade;

É hora de soterrar as maneiras irresponsáveis e aventureiras de enfrentar o problema da alimentação das populações de baixa renda. É hora de garantir-lhes a possibilidade de estarem livres da fome e da desnutrição, por meio do acesso a uma alimentação adequada e saudável que respeite a dignidade e os valores culturais e humanos de que são portadores e a soberania alimentar, sem serem descaracterizados pelos interesses conflitantes do sistema alimentar industrial.

A alimentação saudável, longe de ser uma mera equação nutricional, é um Direito Humano, que prevê a garantia de acesso permanente e regular e que exige o atendimento simultâneo de necessidades biológicas e culturais da cidadania.

RESSALTAMOS, portanto, que as políticas públicas, como o 1o. Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional da cidade de São Paulo (PLAMSAN 2016-2019), o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana (PROAURP), o Plano de Inserção Gradativa de Orgânicos na Alimentação Escolar (previsto na Lei 16.140/2015), entre outras, são adequadas para garantir a plena realização alimentar dos paulistanos, caso adotadas e implementadas pelas autoridades públicas a que competem, de acordo com a ética pública.

Convocamos população, autoridades responsáveis, mulheres e homens de toda a cidade, a defender o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), exercer a cidadania e o controle social da atuação do Estado, denunciar qualquer violação desse direito e reinvindicar uma alimentação digna, saudável e adequada para todos os cidadãos dessa cidade.

Pela revogação da Lei da Farinata (16.704/2017) e pela implantação imediata do PLAMSAN com participação e controle social!

Fotos: Divulgação 

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.