Atóis podem ficar inabitáveis já na metade deste século

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As mudanças climáticas poderão tornar os atóis tropicais inabitáveis já na metade deste século, sugere um estudo publicado recentemente, no site da revista científica Science Advances. Os pesquisadores criaram modelos climáticos que, pela primeira vez, consideraram a interação do aumento do nível do mar com variáveis importantes como o tamanho e a frequência das ondas, a hidrografia e o geologia dos atóis. Também incluíram parâmetros como precipitação, força dos ventos e probabilidade de ocorrência de ciclones tropicais.

Atóis são ilhas formadas por calcário de bancos de coral. Vários países-ilhas, os mais vulneráveis à elevação do nível do mar, possuem atóis habitados em seus territórios. De acordo com o estudo, se o nível do mar aumentasse pouco menos de meio metro na ilha de Roi-Namur, na República das Ilhas Marshall, onde o estudo foi feito, os atóis seriam inundados todos os anos. Se o nível do mar aumentar em 1 metro, pelo menos 50% da ilha será inundada anualmente, o que poderia acontecer já em 2030. Acontece que após dois anos consecutivos de inundação, as fontes de água doce da ilha não seriam capazes de se recuperar da contaminação da água do mar.

De acordo com Curt Storlazzi, do USGS (Serviço Geológico dos EUA), principal autor do estudo, em breve populações inteiras que vivem em atóis terão de se deslocar para o continente, sob o risco de não ter o que comer, o que beber e onde se abrigar. Toda a rede de infraestrutura pode simplesmente ruir com as inundações. Estima-se que mais de 90% da superfície de Roi-Namur deva estar completamente inundada se o nível médio do mar superar 1,8 metro, o que poderia acontecer entre 2075 e 2100 no pior cenário de aquecimento global.

Storlazzi chegou a esta conclusão monitorando um evento climático de 2014 em Roi-Namur. Na ocasião, ondas gigantescas invadiram o atol e a água do mar se infiltrou no lençol freático. “Mesmo que a elevação do nível do mar não seja suficiente para cobrir a ilha, as inundações causadas pelas ondas podem destruir as moradias, danificar as nascentes e expulsar suas populações”, afirmou. “Bastam alguns eventos como esse acontecendo repetidamente para que as nascentes de água doce do atol demorem dezenas de anos para se recuperar”, disse Storlazzi.

Mesmo que o fornecimento de água subterrânea seja suplementado ou substituído por outra fonte (como, por exemplo, sistemas de dessalinização ou entrega de água doce a partir de outros lugares), as inundações anuais provocadas pelas ondas continuariam a perturbar a infraestrutura em Roi-Namur.

As projeções do painel climático da ONU indicam que a elevação do nível do mar nos trópicos tende a ser maior do que no restante do planeta. O aumento do nível do oceano no final do século 21 poderia exceder em dois metros as marcações do início do século, com profundo impacto também na biodiversidade. Caso os corais se tornem mais brancos e os oceanos ainda mais ácidos, a cobertura de recifes será reduzida, uma barreira a menos para a propagação das ondas.

O próximo passo da equipe de Storlazzi é desvendar o grau de vulnerabilidade de uma série de atóis tropicais e prever o impacto das ondas nos próximos 20 a 50 anos. O objetivo, segundo eles, é oferecer informações para que gestores priorizem a adaptação e a restauração dos equipamentos da ilha, uma vez que soluções de engenharia que aumentam a resiliência da infraestrutura e dos recursos de água e alimentos ainda têm custos altos que inviabilizam a implantação.

Cortar as emissões de gases de efeito estufa ainda é a solução mais barata para evitar a inundação dos atóis, segundo a geóloga americana Olivia Cheriton, também do USGS e uma das autoras do estudo. “É uma pena que a ameaça dos atóis só ganhe visibilidade quando as ilhas estiverem inabitáveis e as nações tiverem de lidar com a questão dos refugiados climáticos. Aí já vai ser tarde”, afirmou.

*Texto publicado originalmente em 25/04/2018 no site do Observatório do Clima

Foto: domínio público/pixabay

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Observatório do Clima

Fundado em 2002, o OC é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil