Pesquisadoras brasileiras recebem o maior prêmio de conservação ambiental do mundo

Patrícia Médici se dedica ao estudo e à conservação da anta brasileira há 24 anos e lidera a INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, que ajudou a fundar no IPÊ — Instituto de Pesquisas Ecológicas, de Nazaré Paulista, interior de São Paulo. Seu trabalho deu origem ao maior banco de dados sobre a espécie no mundo. Gabriela Cabral Rezende está à frente do programa de conservação do mico-leão-preto, o primeiro criado pelo IPÊ.

Ambas lutam por duas espécies muito ameaçadas no Brasil, e acabam de ser reconhecidas pelo Whitley Fund for Nature (WFN), do Reino Unido, que todos os anos entrega os Whitley Awards aos cientistas que se destacaram por seu trabalho científico para a conservação da biodiversidade. Até agora, foram destinados 17 milhões de libras (cerca de 113.394.390 reais) para apoiar o trabalho de mais de 200 ativistas ambientais locais, que beneficiam a vida selvagem e as comunidades em cerca de 80 países do hemisfério sul.

Com este prêmio, que é o maior prêmio de conservação ambiental do mundo, também conhecido como Oscar Verde, a instituição visa reconhecer contribuições extraordinárias à conservação da vida selvagem, com foco na Ásia, África e América Latina, “atraindo a atenção internacional ao trabalho de indivíduos merecedores comprometidos em precipitar benefícios de conservação duradouros no local, com o apoio das comunidades locais”.

Os vencedores, escolhidos por um comitê – que tem o lendário historiador e apresentador da BBC, David Attenborough, como membro e doador -, são destacados em duas categorias: Whitley Gold Award, o principal prêmio da instituição, recebido por Patrícia (no valor de 60 mil libras ou 400.802 reais), e o Whitley Award, prêmio que Gabriela compartilha com outros cinco conservacionistas de outros países, que concorreram com mais de 100 outros inscritos. Os seis receberão 40 mil libras ou cerca de 270 mil reais para investir em seus projetos.

“Ser reconhecida com este prêmio é extremamente importante, particularmente devido ao momento pelo qual passamos. Mais do que nunca, precisamos ressaltar a importância de manter o equilíbrio de nossos ecossistemas”, destaca a especialista em antas.

“A atual crise provocada pela pandemia que vivemos está intimamente conectada com a destruição de nossos ecossistemas e com a forma como lidamos com a natureza. Nunca na história vimos tantos impactos causados por nós, seres humanos, na natureza. Agir agora é imprescindível para que possamos reverter os impactos das emergências climáticas e evitar futuras extinções de nossa vida selvagem“. E Patrícia faz um convite: “Conservacionistas como eu devem participar ativamente na definição da agenda ambiental na próxima década”.

A especialista em mico-leão-preto salienta que “a inspiração em pesquisadores pioneiros é a energia que me faz avançar. Enquanto conservacionista, meu sonho é salvar espécies ameaçadas de extinção. Fazer a diferença para uma espécie e seu habitat é o caminho que encontrei para deixar um planeta melhor para as gerações futuras e inspirá-las a se envolver com a conservação, seja profissionalmente ou nas ações do dia-a-dia. Com o prêmio, espero também poder motivar outras cientistas mulheres a atuar pela conservação ambiental”.

Mais de 200 conservacionistas de 80 países

Todos os anos, o Whitley Award é entregue em cerimônia oficial em Londres, na sede da Royal Geographic Society, pelas mãos da Princesa Real Anne. Na foto ao lado, de 2015, ela aparece junto com o pesquisador francês Arnaud Desbiez, quando foi o grande vencedor do prêmio Whitley Award, com o projeto Tatu-Canastra Pantanal, desenvolvido no Mato Grosso do Sul. No entanto, devido à pandemia do coronavírus, a Premiação Whitley 2020 foi adiada para o final do ano, ainda sem data definida.

Caso esse encontro seja possível, na ocasião os vencedores também participarão de treinamento e networking, como tem acontecido desde 1994. “Agora, eles fazem parte de nossa rede de mais de 200 conservacionistas em 80 países do hemisfério sul, que compartilham conhecimento e idéias – trabalhando juntos para proteger a vida selvagem e as comunidades – com oportunidades para a continuidade de financiamentos em projetos futuros”, diz o site do Fundo. Até agora, foram destinados 17 milhões de libras (ou 113.598.030 de reais) para apoiar esses líderes ambientais.

Independente disso, os vencedores receberão seus respectivos prêmios: o reconhecimento por seus feitos na conservação de espécies ao redor do mundo, materializado num troféu, e recursos financeiros que devem ser aplicados na continuidade de seus projetos durante um ano.

Hoje, o site da premiação publicou uma mensagem da princesa Anne: “o Whitley Fund for Nature escolhe líderes de conservação que têm uma compreensão real dos desafios que a população local enfrenta, o que é especialmente importante nestes tempos econômicos muito preocupantes. Como Patrono a instituição, anuncio os vencedores do Prêmio Whitley 2020, que são excelentes líderes de base dedicados ao seu trabalho”.

Patrícia e seu amor pelas antas

Foto: Liana John

Há 24 anos a incansável pesquisadora lidera ações de conservação da anta brasileira e seu habitat, por meio da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, que ajudou a criar no IPÊ, instituto do qual é co-fundadora. O estudo aprofundado dessa espécie – que é o maior mamífero da América do Sul – não estaria tão avançado sem suas contribuições, que são uma enorme inspiração para estudantes e pesquisadores do Brasil e de diversos países.

Sua rotina inclui pesquisa de campo, práticas de conservação, educação ambiental, comunicação, treinamento e capacitação, como também o desenvolvimento de planos para redução de ameaças e políticas públicas que beneficiam a espécie e seus habitats.

E, por isso, os resultados do trabalho de Patrícia, que é formada em engenharia florestal, têm impactado positivamente não só a vida das antas como também de outras espécies animais e vegetais e seres humanos em vários biomas como Mata Atlântica, Pantanal e Cerrado. Com um detalhe: com o prêmio da Witley Fund for Nature, seu trabalho poderá se estender à Amazônia também.

Jardineira das florestas

Trabalho em campo em Aquidauana, Mato Grosso do Sul / Foto: João Marcos Rosa, Nitro

A anta sobreviveu a diversas ondas de extinção ao longo de milhões de anos de sua história evolutiva, por isso, é considera como um fóssil vivo. Veja que interessante! No entanto, a espécie enfrenta grande variedade de ameaças causadas pelos seres humanos, que destroem e fragmentam seu habitat para expandir o agronegócio. Os atropelamentos em rodovias, a caça e a mineração, entre outros impactos, também afetam a espécie.

E Patrícia chama a atenção para o papel da anta relacionado à nossa existência: “Ao estudar e defender a causa da conservação da anta brasileira, estamos defendendo também as nossas próprias vidas, nossos recursos naturais e nossa saúde. Ela é considerada a jardineira das florestas porque promove a renovação desses ambientes com a dispersão de sementes“. E completa: “Diversas espécies de plantas existem somente porque suas sementes passam pelo trato digestivo da anta. Ela ‘brinca’ com a composição e a diversidade da floresta e é super responsável pela formação e manutenção da integridade desses ambientes”. 

Anta é elogio!

Foto: João Marcos Rosa, Nitro

Os brasileiros desconhecem sua importância para os ecossistemas, do contrário talvez não usassem seu nome em tom pejorativo, quando querem ofender alguém. Assim como acontece com outros animais – cobra, baleia, galinha, vaca, raposa -, Patrícia conta que a anta sofre um estigma que só existe no Brasil: o de ser considerada um animal com pouca inteligência.

Para tentar amenizar (e até resolver, por que não?) este problema, no ano passado, ela, sua equipe e inúmeros apoiadores lançaram a campanha Anta é Elogio! com informações sobre a espécie e espalharam, nas redes sociais, com a hashtag, que é muito simpática e a gente aqui, do Conexão Planeta, usa sempre que tem uma oportunidade, como no Dia Mundial da Anta, em 27 de abril: #antaÉelogio. Essa campanha, na verdade, foi feita há alguns anos, incluindo outros animais, e Patrícia deu continuidade com foco no animal por quem nutre um amor gigante.

Ela acredita que a comunicação com o grande público é fundamental para que a ciência alcance mais pessoas e para que a compreensão sobre a importância da biodiversidade cresça, não só em relação aos animais silvestres, mas também para os seres humanos, que são parte ad natureza, mas ainda não se reconhecem assim. 

Patrícia cita, como exemplo, o trabalho desenvolvido pela INCAB no Cerrado, no estado do Mato Grosso do Sul, que identificou o impacto dos agrotóxicos e dos acidentes em rodovias, que têm contribuído para a redução da quantidade de antas no bioma. 

“Temos que pensar que tanto os agrotóxicos quanto os atropelamentos impactam a vida silvestre e também os seres humanos. Muitas são as pessoas seriamente afetadas pelo uso indevido de agrotóxicos. Nossas pesquisas mostram também que muita gente perde a vida em colisões com antas nas rodovias brasileiras, sobretudo por falta de medidas de segurança e de sinalização, que impedem a travessia dos animais“, relata.

Ela conta que, em parceria com os Ministérios Públicos (Estadual e Federal), a INCAB está “usando sua base de dados de pesquisa para requisitar aos governos estadual e federal a implementação de medidas eficazes para combater e mitigar essas problemáticas. Contamos com a ciência e os cientistas para a aplicação de seus resultados na prática, para o bem de todos”. 

O apoio precioso do Whitley Fund for Nature à anta brasileira

Novo projeto com as antas, no arco do desmatamento na Amazônia / Foto: Laurie Hedges, WFN

Vale destacar que, nos últimos 12 anos, o Whitley Fund for Nature (WFN) tem apoiado o trabalho de Patrícia, contribuindo enormemente para a expansão das ações da INCAB por todo o país. Em 1996, Patrícia deu início à pesquisa na Mata Atlântica e só ampliou os esforços para o Cerrado, em 2015, e o Pantanal, em 2008, com ajuda do Fundo. 

E o que será feito com o prêmio Whitley Gold Award, que recebe agora? A pesquisadora conta que ele ajudará a fortalecer as ações da INCAB em todo o Brasil. Eis seu plano:
– parte desse recurso será usado para reavaliação da população de antas no Parque Estadual Morro do Diabo, na Mata Atlântica;
– no Pantanal, as antas continuarão sendo monitoradas por meio de telemetria e de rastreamento por armadilhas fotográficas;
– no Cerrado, contribuirá no trabalho de busca de estratégias para evitar que as antas sejam atropeladas em rodovias e também resolver as questões de contaminação por agrotóxicos e caça furtiva, em uma paisagem que enfrenta ameaças crescentes como o epicentro do desenvolvimento do Brasil.

A novidade fica por conta do novo trabalho recente na Amazônia (foto acima): Patrícia e sua equipe se concentrarão no estudo e na redução de ameaças às antas ao longo do arco sul do desmatamento nos estados de Mato Grosso e Pará. Sensacional!

Sobre Patrícia, o fundador da WFN, Edward Whitley, destaca: “Seu trabalho é vital para combater o desmatamento no Brasil e proteger esta espécie incrível que é a anta. Sua dedicação à pesquisa, à educação e à capacitação são um exemplo brilhante de um trabalho eficaz. Patrícia Médici é uma voz forte da conservação no Brasil e no mundo. Temos o privilégio de poder continuar a oferecer nosso apoio a esta causa”.

Gabriela e a luta pela preservação do mico-leão-preto

Foto: Katie Garrett, WFN

Há nove anos, a bióloga herdou o Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto do primatologista Claudio Pádua, cofundador do IPÊ e o primeiro brasileiro a ganhar o Whitley Award, em 1999. Esse é um dos mais antigos programas de conservação do Brasil, que completou 35 anos, recentemente.

Atuando no extremo oeste de São Paulo, a base principal do projeto é a região do Pontal do Paranapanema, onde está o maior remanescente florestal da Mata Atlântica no interior do estado, que é um dos últimos hotspots de biodiversidade global.

Com 1,3 milhão de km2 de extensão, apenas 14% da Mata Atlântica permanece intocada. O restante foi transformado em vastas plantações de cana-de-açúcar e fazendas de pecuária. Assim, num habitat remanescente altamente fragmentado, sobrevivem 1.800 micos-leões-pretos em grupos pequenos, desconectados e isolados.

Foto: Luís Palácios

O mico-leão-preto só existe no estado de São Paulo. Tanto que é a espécie símbolo do estado”, ressalta Gabriela. “Temos a responsabilidade de garantir sua existência. Por isso, estou extremamente agradecida pelo prêmio, que nos ajudará a continuar um trabalho de conservação que precisa ser contínuo”.

Por meio de pesquisa científica, educação ambiental e restauração florestal, a pesquisadora e sua equipe trabalham incansavelmente para proteger os micos-leões-pretos. Para tanto, conta com o trabalho de restauração de corredores florestais que conectam diferentes fragmentos florestais realizado pelo IPÊ, em parceria com as comunidades.

Em pesquisa de campo no Portal do Paranapanema, SP / Foto: Katie Garrett, WFN

Esses corredores conectam diferentes fragmentos florestais, contribuindo para aproximar os indivíduos dessa espécie. Além disso, contribui com a capacitação e a geração de renda da população, que mantém os nove viveiros comunitários e plantios agroflorestais que ajudam a formar os corredores. Com um detalhe muito bacana: o maior deles é também o maior corredor ecológico do Brasil, com mais de 20 quilômetros e mais de 2,5 milhões de árvores.

No final deste post, assista ao vídeo no qual a bióloga explica a importância dos corredores ecológicos para a preservação do mico-leão-preto.

Com o financiamento do Whitley Award será possível ampliar ainda mais a plantação desses corredores em cerca de 45 mil hectares, área equivalente a 45 mil campos de futebol.

Além disso, Gabriela conta que será possível transferir grupos de micos-leões-pretos para porções de florestas mais adequadas para sua sobrevivência. Isso é parte de um plano para prevenir a consanguinidade genética e garantir que esses pequenos primatas tenham o espaço necessário para sobreviver. E mais: os esforços educacionais do IPÊ pela espécie poderão ser continuados na região.

Quem são os outros ganhadores

Gabriela Rezende está sendo apoiada pela William Brake Charitable Trust, nesta premiação, e divide a categoria Whitley Award com outros cinco pesquisadores:

YokYok (Yoki) Hadiprakarsa se dedica à última fortaleza do Calau Helmeted, na Indonésia. Apoio: Fundação MAVA;

Rachel Ashegbofe Ikemeh trabalha com conservação de chimpanzés raros, na Nigéria. Apoio: Fundação Arcus;

Phuntsho Thinley ajuda a intensificar patrulhas para preservar o cervo almiscarado ameaçado de extinção no Butão. Apoio: Anne Reece;

Jeanne Tarrant lidera uma estratégia nacional para anfíbios sul-africanos. Apoio: William Brake Charitable Trust; e

Abdullahi Hussein Ali lidera projeto ambiental para conservação do habitat do antílope de hirola, no Quênia. Apoio: Frank Brake Charitable Trust.

Como comentei acima, cada um dos vencedores desta categoria receberá 40 mil libras (ou em 270 mil reais) para o financiamento de seus projetos.

Agora, assista ao vídeo no qual a bióloga explica a importância dos corredores ecológicos para a preservação do mico-leão-preto.

Fotos: Liana John (destaque) e divulgação (os créditos dos autores estão indicados em cada uma)

2 comentários em “Pesquisadoras brasileiras recebem o maior prêmio de conservação ambiental do mundo

  • 30 de abril de 2020 em 9:30 AM
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    Sensacional, queridas meninas Anta!

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  • 2 de maio de 2020 em 4:46 PM
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    Vocês merecem. Vocês são heroínas , quando existe gente tentando exterminar animais o mundo da o troco. Parabéns as duas mulheres valentes e vencedoras. ?????????????????

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.