O jequitibá-rosa e as futuras gerações

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Este ano, aconteceu mais uma edição (a sexta!) do Festival Cultivar, evento que organizo anualmente, no mês de setembro, desde 2010, e tem a missão de desenvolver cultura e sensibilização ambiental, reconectando as pessoas à natureza. Na realização deste projeto, conto com a participação do biólogo Sandro Von Matter (que assina o blog Avoando, aqui no Conexão) e de uma grande equipe de colaboradores.

Muitas foram as alegrias ao longo desses dias repletos de atividades, mas quero destacar, aqui, a Expedição Folclórica ao jequitibá-rosa, que encerrou o evento. 

Esta árvore imponente é um símbolo importantíssimo do estado de São Paulo e, certamente, do país. Está protegida dentro da pequena reserva do Parque Estadual do Vassununga, na cidade de Santa Rita do Passa Quatro, cerca de 245 km da capital paulista. Seu tamanho é impressionante: ela tem cerca de 40 metros de altura, 11,3 metros de circunferência e 3,9 de diâmetro (na altura do peito). Estas proporções incríveis também são encontradas em um outro exemplar desta espécie que vive no Espírito Santo.

Além disso, pesquisadores estimam que esta árvore, em particular, tem idade estimada entre 700 anos e mil anos, por isso é também conhecida como Pé de Gigante e Patriarca das Florestas. O jequitibá-rosa é considerado a maior árvore da Mata Atlântica e está classificada como espécie em risco de vulnerabilidade na Lista Vermelha da IUCN.

A reserva, que antes fazia parte da Usina Açucareira Vassununga, completa – exatamente hoje, 26 de outubro – 45 anos desde a publicação do Decreto Estadual que a formaliza como Unidade de Conservação. Composta por seis glebas diferentes na região, a reserva tem a maior concentração de jequitibás-rosa do país e resguarda, ao menos de forma mínima, a fauna e flora que um dia habitavam a região.

Sempre falo desse grande jequitibá em quase todas as atividades que conduzo, e vejo que poucos sabem de sua existência. E, quando sabem, ainda não a conhecem pessoalmente. Em Santa Rita, descobrimos que a maioria dos moradores da cidade não tem o hábito de visitá-la e, muitas vezes, mesmo vivendo a vida inteira ali, não conhecia a reserva.

Isso me remete ao processo de conhecimento e pertencimento sobre o qual já escrevi aqui no blog. Como vamos cuidar de algo se não nos sentimos vinculados a ele?

Por isso, essa expedição foi tão forte e necessária. Recebemos turmas de alunos de escolas da cidade, crianças atendidas por uma creche e, também, um grupo de idosos. Unimos o passeio à tradicional trilha que acontece ao longo do trajeto, conduzida por duas artistas: Juliana Bazanelli e Aila Rodrigues. Trata-se de uma apresentação interativa na qual elas representam personagens do folclore brasileiro. Por meio dessa performance, elas despertam os sentidos de todos os participantes para a rica diversidade da fauna e flora, estimulando contatos e observações criativas, junto com a construção de memórias que vão certamente perdurar para toda a vida, inclusive em histórias que todos os presentes irão compartilhar com filhos, netos e familiares.

O jequitibá-rosa – ou Cariniana legalis – é da família botânica Lecythidaceae, que engloba também outras árvores muito conhecidas como a castanheira-do-pará, a sapucaia, a biriba, o abricó-de-macaco e o jequitibá-branco. São cerca de 300 espécies distribuídas em todo o mundo, sendo que pouco mais de 1/3, que pertencem a dez gêneros, são nativas do Brasil, encontradas principalmente na Amazônia, na Mata Atlântica, na Caatinga e no Cerrado.

Suas flores são incríveis e os frutos têm formato de copos ou cumbucas que fazem nosso imaginário borbulhar de tão diferentes que são. Fortes e pesados por serem lenhosos, os frutos do jequitibá lembram um pequeno copo com uma espécie de tampa, que se desprende quando maduro. Dizem que o saci e muitos índios faziam seus cachimbos utilizando esse fruto, por isso o outro nome popular da árvore é cachimbeiro.

Quando apresento a mesa de elementos das árvores com frutos e sementes de algumas dessas espécies – e também  quando montamos a Exposição da Biodiversidade na Cultura Brasileira, sobre a qual contarei em outro texto -, estas estão entre as espécies mais chamativas, que promovem maior interação com o público. As crianças simplesmente adoram, querem sentir os frutos de diversas maneiras, escutando os sons que podem tirar deles e brincando com as castanhas, que também são um alimento muito rico.

Os vínculos e valores que podemos desenvolver ao nos relacionar com as árvores e a natureza é algo precioso, por isso deveriam se tornar cada vez mais constantes e parte da vida de todos os brasileiros. Se aprendemos a respeitar e a valorizar a vida de uma árvore que acompanhará nossa vida e a das futuras gerações, aprendemos a cuidar e a nos relacionar de uma maneira mais amorosa com todo o mundo que nos cerca.

Na semana passada, em uma ação do Instituto Árvores Vivas, conduzi junto com monitores e diversas crianças de São Miguel Paulista – um distrito da região leste de São Paulo – o plantio de 11 árvores, incluindo um jequitibá. Foi durante uma ação promovida pela Fundação Tide Setúbal no Parque Jacuí. O amor e o carinho que as crianças demonstraram ao realizar esse plantio, certamente ficou plantado em seus corações. Que as sementes desse amor se multipliquem!

Agora, veja (abaixo) a majestade do jequitibá-rosa! A foto é a mesma que abre este post; a tirei no dia da expedição que realizamos com a turma de idosos. Todos os anos, visito esta árvore ao menos duas vezes. Perto dela sinto acolhimento, colo, casa. É muito parecido com o sentimento que a “grande mãe” samaúma da Amazônia provoca em mim. Grandioso e tão especial, este jequitibá-rosa viu tudo modificar-se à sua volta. Viu a estrada ser construída e muitas das suas irmãs, mães e parentes nascerem, crescerem e morrerem. Quantas aves já fizeram seus ninhos nela? Quantos mamíferos se aconchegaram lá para dormir? Qual a diversidade de plantas que vive na copa deste grande jequitibá? A presença dela pede silêncio, agradecimento profundo, contemplação meditativa. Espero que você possa visitá-lo logo mais.

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Fotos: Juliana Gatti

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Juliana Gatti

Mestranda na área de Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável, sua pesquisa dedica-se a avaliar a influência da natureza na qualidade de vida de crianças e sociedade. Idealizou o Instituto Árvores Vivas em 2006, onde promove ações de conexão com a natureza por meio de apreciação, restauração e fomento da cultura ambiental.