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Alunos de Harvard fazem manifesto contra atos de violência a indígenas no Sul do Brasil

violência contra indígenas

É muito triste e alarmante quando um problema ocorrido dentro de nosso próprio país só chega ao nosso conhecimento através da mídia ou de algum alerta internacional. E este é exatamente o caso agora. Um grupo de estudantes da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, uma das mais prestigiadas do mundo, acaba de assinar um manifesto em que pedem pelo fim da discriminação e do racismo contra povos indígenas nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Os alunos da universidade americana, entre eles muitos estrangeiros, se referem a dois casos de violência ocorridos nos últimos meses nestes estados. O primeiro deles aconteceu em 31 de dezembro de 2015, em Imbituba, quando o bebê Vitor Pinto, de apenas dois anos, foi assassinado no colo da mãe, que o amamentava. O homem que cometeu o crime e que não conhecia nem mãe, nem criança, disse mais tarde que “estava desesperado porque não conseguia encontrar emprego e ouviu uma voz na igreja que o mandava matar uma criança”.

Vitor Pinto era indígena. No site criado pelos estudantes de Harvard – The Hidden Brazilian Crises (A Crise Oculta do Brasil, em tradução livre) – , eles relatam que entraram em contato com o governo de Santa Catarina. Três meses depois, receberam uma mensagem da Secretaria de Segurança Pública afirmando que o assassinato não tinha qualquer motivo religioso, racial ou social.

No mês passado, mais um indígena foi atacado. Desta vez em Porto Alegre, capital gaúcha. A vítima foi o estudante cotista Nerlei Kaingang, de 31 anos. Aluno de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Nerlei foi brutalmente espancado por um grupo de jovens, em frente à Casa do Estudante. A foto que abre este post mostra o rosto de Kaingang após o ataque.

Tanto o episódio de Vitor Pinto como o de Nerlei Kaingang foram registrados por câmeras de segurança. Segundo o que indígena contou à polícia, na hora que ele e seu sobrinho passaram em frente à Casa do Estudante ouviram a seguinte pergunta: “O que estes indígenas estão fazendo aí?”.

O crime está sendo investigado pela Polícia Federal e a universidade gaúcha irá “apurar os acontecimentos”. Na quinta, 24/03, a Funai divulgou nota repudiando a agressão contra o estudante. De acordo com a entidade, este não foi um caso isolado e outros estudantes universitários indígenas já abandonaram a universidade em razão da discriminação que sofreram dentro do campus.

O preconceito e a discriminação contra os povos indígenas não acontece somente no Sul do país. Recentemente, uma líder indígena do Ceará foi esfaqueada. Ceiça Pitaguary defendia os direitos de seu povo.

Muitos podem criticar a iniciativa dos alunos de Harvard. Afinal, os americanos praticamente dizimaram seus índios. Estariam apontando o dedo para cá porque razão então?

Porque é preciso. Sim, eles têm razão. Há uma crise oculta acontecendo no Brasil. E ela já acontece há décadas. O racismo contra os povos indígenas está entranhado em nossa sociedade. Quando os portugueses chegaram aqui, os índios eram os donos de nossas terras. Hoje eles são uma minoria. Uma minoria desprezada e desconsiderada por muitos de nós.

Entre 2013 e 2014, o número de índios assassinados no Brasil aumentou 130%. Os dados são do relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil“, elaborado e divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário. Foram 138 casos de homicídios. Entre as principais causas da violência estão intolerância e preconceito.

Abaixo segue a carta/manifesto elaborada pelos estudantes da Universidade de Harvard:

“Nós, os estudantes da Universidade de Harvard abaixo-assinados, nos manifestamos em solidariedade às crianças e jovens que foram recentemente vítimas de racismo opressivo no Brasil.

Na manhã de 19 de março de 2016, Nerlei, um estudante de medicina veterinária e membro do povo Kaingang, foi brutalmente agredido por um grupo de cerca de seis pessoas em frente à residência de estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Um vídeo do crime feito por câmera de segurança mostra os agressores repetindo a frase “o que estes índios estão fazendo aqui?”

Em 31 de Dezembro de 2015, Vitor Pinto, 2 anos, estava sendo amamentado por sua mãe quando foi morto por um desconhecido na cidade turística de Imbituba, no estado de Santa Catarina. Mais uma vez, o ato foi gravado por uma câmera de segurança.

Os casos de Nerlei e Vitor ilustram a necessidade de reconhecimento da discriminação e da violência contra os povos indígenas, que em si é produto de uma longa história de discurso de ódio. Tratar de tais casos apenas como “um outro crime” é ignorar o que está realmente em jogo. Por que o assassino escolheu Vitor, uma criança indefesa? Por que os agressores de ambos os casos fizeram o que fizeram, mesmo sendo seus atos gravados?

Os povos indígenas são muitas vezes os primeiros a sofrer as consequências do discurso do ódio e do racismo, ambos discursos em ascensão e que estão cada vez mais sendo propagados por políticos no Brasil.

Acreditamos que estudantes indígenas merecem aliados – eles não deveriam ter que levantar a voz sozinhos. Nós, da Harvard partilhamos as suas metas de igualdade, dignidade e empoderamento para todos os brasileiros.

Como disse Nelson Mandela, “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, ou por sua origem ou sua religião. As pessoas devem aprender a odiar, e se podem aprender a odiar, podem também ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto.”

Victor e Nerlei precisam que os governadores de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul conduzam uma campanha maciça pela igualdade e contra o racismo em seus estados. Instamos os governadores a declarar seu compromisso de trabalhar pelos direitos de todos os seus cidadãos” – indígenas e outros – para viver com dignidade, igualdade e uma voz na sociedade.

Para todos os envolvidos nos esforços para impulsionar uma mudança semelhante em todo o mundo, colocamo-nos em solidariedade com seus esforços”.
 

*Tradução da carta feita por Delcio Rodrigues

Leia também:
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Foto: arquivo pessoal Nerlei Kaingang

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