Alimentação infantil: quem disse que criança não gosta de comida verde?

Abacate, pepino, brócolis, alface, alho-porró, couve, acelga, espinafre, escarola e agrião são apenas alguns dos alimentos que minha filha (de três anos) adora. E são verdes, ué. E ainda tem os de outras cores também, mas aqui a lista seria grande demais… Uma de nossas diversões é ir à feira orgânica do bairro para ela brincar de identificar os alimentos. Andando por entre as fileiras de caixotes com comida boa e de verdade, ela vai saltitando: “Tomate, abobrinha, batatinha, batata-doce, berinjela, feijão, maçã, banana, uva, manga, rabanete, cenourinha”… Até que ela encontra um e fica em dúvida: “Mãe, esse é o jiló? Se for, você leva pra mim?”

Claro que levo. Acho o máximo ela associar comida com brincadeira, com praça, com gente alegre, com terra, diversidade, cores, sabores, prazeres. Talvez o lance seja esse mesmo: criar uma atmosfera bonita em torno da nossa alimentação. Pensa comigo: dá para comparar um passeio numa praça linda, cheirosa, florida e com “caixas mágicas cheias de comida gostosa que o pessoal traz do sítio onde mora” com uma ida ao hipercolorido, plastificado, barulhento e artificialmente iluminado supermercado? Acho que não…

Já reparei, por exemplo, que quando vamos ao mercado convencional ela fica meio entediada ou mal-humorada em poucos minutos. Na feirinha, não. Outra coisa curiosa é que ela não fica pedindo coisas, mas sim procurando aquelas que ela encontra em casa. É por isso que atravessar o corredor dos doces e salgadinhos ultraprocessados não é nenhum problema. Ela simplesmente ignora a “paisagem” por não perceber aquelas embalagens todas como comida. Bingo!

É claro que não sei até quando isso será dessa maneira. Ela ainda não frequenta escola diariamente, então, ainda não sentiu a inevitável e cruel comparação das lancheiras… Também não tenho controle sobre tudo nem quero doutriná-la a nada radical. Ela simplesmente nunca pôs uma bala na boca na vida (sim, é verdade!) porque eu e o pai dela não temos esse hábito. E ponto. Não é restrição, entende? É como somos. E mais, quem convive com criança pequena sabe que nem sempre é fácil escovar os dentinhos. Isso para mim só aumenta a lista de motivos para não ficar oferecendo açúcar sem valor nutritivo

Outro dia, numa de bancar a mãe descolada e “aberta a novidades” (af!), comprei para ela um refrigerante natural orgânico, sabor laranja (produto industrializado, mas com jeitão e certificado de bacana). Ela também não sabia o que era uma bebida gaseificada (com exceção da água mineral que o avô bebe e que ela adora, mas é por pura malandragem). Sim, minha filha nunca havia tomado refrigerante. Sabe o que aconteceu no primeiro gole? Ela detestou. Fez cara feia, disse que ardeu a língua e cuspiu. Eu não sabia se ria, se disfarçava ou se comemorava… Misturei tudo e bora pra cozinha fazer um suco de laranja natural – que ela tomou aliviada, depois de dizer: “agora sim, mamãe”.

Sorte ou sorte, não sei, só admiro. E fico refletindo sobre as crianças que comem mal. Não é preciso ser especialista para imaginar que elas comem mal porque os pais se alimentam sem muitos critérios. Criança, as menores especialmente, tendem a refletir o entorno.

Uma vez fiquei passada com uma situação que presenciei ao vivo: o irmão de um amigo chegou em casa com o “jantar” da filha, uma menina doce e meiga de sete anos, que estava numa escola de pedagogia Waldorf (que, para quem não conhece, costuma ensinar as crianças a fazer uma breve oração antes das refeições, para agradecer a terra e o sol pelos frutos ofertados). Pois bem. A cena foi a seguinte: na mesa de jantar, ele entregou a ela o pacote de papel kraft com aquele ‘M’ maiúsculo (sabe, aquele daquela marca que é melhor nem mencionar o nome?) e ela pegou com delicadeza, colocou sobre a mesa e juntou as mãozinhas para orar pelo fast food com dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial etc…

Ok, você até pode dizer que é melhor isso a nada, a passar fome. Mas essa não era a questão daquela família. Definitivamente. Fiquei pensando no que queremos para nossos filhos e no que somos no dia a dia. Quando a incoerência é muito grande, quando a palavra não encontra espaço na presença, na ação, no real, o risco das distorções e das confusões é muito maior.

Eu nunca pedi à minha filha para comer brócolis ou couve refogada com feijão preto e arroz integral. Ela simplesmente vê que o que ofereço a ela é exatamente o que está no meu prato. E, sim, fazemos concessões vez e outra. Sexta-feira, uma ou duas vezes por mês, tem pizza em casa. Ela curte, mas não morre de amores nem pede no dia seguinte. Ah, sim, e temos sorvete também, nos dias mais quentes. Graças a um amigo que produz picolés orgânicos, esse prazer ficou mais leve, totalmente desprovido de culpa ou qualquer ressentimento. “Mamãe, hoje eu quero aquele de abacate, limão e manjericão, tá bom?”. Sim, querida. Hoje pode porque tem bastante sol e você almoçou direitinho.

Há outra coisa que, sinto, contribui muito para tudo isso: minha filha participa do preparo das refeições. “Filha, pega um tomate e dois pepinos pra mim na gaveta da geladeira, por favor?”. Ela pega, nunca confunde abobrinha com berinjela e ainda diz como quer comê-los. “Corta em rodelinhas pra mim?”. Depois, ela ajuda a temperar, com azeite e limão ou shoyu. Às vezes, troca o pão do café da manhã por uma cenoura inteira, que ela come com a mão, sem que eu a corte em pedaços. Comida de verdade tem cheiro e vestígios de terra, bichinho escondido que assusta a gente na hora de lavar e, claro, sabor inconfundível. Em resumo, se é gostoso, prazeroso e ainda faz bem, que mal tem?

Vou lhe contar uma coisa: aqui em casa, nosso plano de saúde é a feira orgânica. Quase todos os nossos almoços e jantares caseiros são 100% orgânicos. E antes que você diga que é porque sou privilegiada e posso pagar (ninguém sabe o que o outro enfrenta a menos que calce suas sandálias por algum tempo…), acrescento que compro direto do produtor, por preços justos – que, ainda que sejam um pouquinho maiores em um outro item, valem cada centavo e custam muito menos do que farmácia, exames médicos, consultas e toda a parafernália criada para nos fazer crer que não somos capazes de cuidar da nossa própria saúde.

E você? Conta pra mim como lida com a alimentação dos seus filhos, se compra orgânicos, o que acha disso tudo. Tenho certeza de que tem muita gente por aí com histórias parecidas… Compartilhá-las é bom, fortalece e faz bem!

Foto: Markus Spiske / Unsplash

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Giuliana Capello

Jornalista ambiental e permacultora, escreve sobre bioconstrução, arquitetura e design sustentáveis, economia solidária, consumo consciente, alimentação orgânica, maternidade e simplicidade voluntária. É autora do livro Meio Ambiente & Ecovilas (Editora Senac São Paulo).