“Ainda há tempo para nos curarmos de nós?”, questiona Fernando Meirelles

fernando meirelles

*Por Fernando Meirelles
Especial para o Observatório do Clima

Prince Ea é o nome artístico de Richard Williams, um antropólogo que virou rapper, sentiu que havia uma pobreza geral de ideias na cena artística e fundou o movimento Make S.M.A.R.T. Cool para promover a inteligência. S.M.A.R.T. é a abreviação de Sophisticating Minds and Revolutionizing Thought (Sofisticando as Mentes e Revolucionando o Pensamento).  Mais interessado nas ideias do que na música, ele abandonou o hip-hop e hoje se intitula Spoken Word Artist, faz vídeos nos quais fala sobre temas que considera vitais para uma vida equilibrada. As mudanças do clima entraram no seu radar.

Com a direção do jovem estudante de cinema australiano Spencer Sharp, Prince Ea criou Man vs. Earth (3 Segundos), o vídeo vencedor do festival Film4Climate de 2016 (que você assiste ao final deste post). Eu era parte do júri do festival, durante a conferência do clima de Marrakesh, e também votei nele. O filme é tocante pela precisão dos argumentos. Te pegam pela cabeça e pelo coração, e aí é xeque-mate.

A ideia é colocar a relação do homem com o planeta em perspectiva. “A Terra tem 4.5 bilhões de anos, o homem está aqui ha 140 mil anos”, lembra-nos Prince Ea. E então propõe: “Se condensarmos a vida da Terra  para 24 horas, um dia, o homem está no planeta há… rufem os tambores… três segundos. Três segundos. E veja o que fizemos.” Sobre imagens da destruição do planeta, Prince ironiza o fato de nos auto-intitularmos Homo sapiens. “Onde está o sapiens?” – pergunta.

A arrogância talvez seja mesmo a pior doença da nossa espécie.

Na nossa jornada para explorar a galáxia,
rejeitamos e negligenciamos o lar que temos agora.
Então não, isso não pode ser sabedoria.
A sabedoria é diferente.
Enquanto a inteligência fala, a sabedoria escuta.
E nós tapamos os ouvidos para os gritos da Mãe Natureza.

E esta é a questão central que o filme explora: a nossa desconexão com a natureza, esta senhora que vem aperfeiçoando sua sofisticadíssima complexidade há 4,5 bilhões de anos, mas que temos a pretensão de achar que podemos dominar nos nossos três segundos. Ou bem menos, se pensarmos que foi só a partir do Renascimento, quando os europeus resolveram que o homem era o centro do Universo, que começamos a detonar o planeta com método.

Ouvir a natureza, para mim, é um tema cada vez mais caro. Tenho me interessado pela agricultura sintrópica, que parte do princípio de que na natureza todas as espécies colaboram e não competem, como aprendemos na escola. Mudando esta perspectiva, ao estudar como se dá esta relação de colaboração, colhe-se resultados impressionantes.

Se ao assistir o filme você se sentir como parte de uma comunidade de um destes vírus tipo Marburg, que invadem um corpo e o destroem em poucos dias, não estará sozinho. A questão hoje é saber se ainda há tempo para nos curarmos de nós mesmos. Chegaremos ao quarto segundo?

Fernando Meirelles é cineasta, produtor rural e ambientalista. Dirigiu, entre outros filmes, Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira

*O Observatório do Clima vai anunciar as inscrições para o Film4Climate de 2017 em breve. Os filmes devem estar prontos em final de agosto, então podem ir pensando num roteiro. O Brasil, como um responsável da pesada pelo aquecimento global e um país que tem potencial para ser parte da solução, não pode ficar de fora.
*Texto publicado originalmente em 21/02/2017 no site do Observatório do Clima

Foto: wikimedia commons

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Observatório do Clima

Fundado em 2002, o OC é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil