Acordo de Paris tem adesão recorde

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A implementação do Acordo de Paris contra as mudanças climáticas teve seu primeiro passo nesta sexta-feira (22), Dia da Terra, quando representantes de 171 países assinaram o Acordo de Paris na sede das Nações Unidas, em Nova York. Foi a maior adesão simultânea a um acordo internacional da história da ONU, superando de longe o recorde da Convenção para o Direito do Mar, de 1982, que teve 119 assinaturas.

No mesmo dia, 15 países depositaram seus instrumentos de ratificação, mostrando forte apoio à transformação do acordo em ação acelerada contra as mudanças climáticas. Os três maiores emissores do mundo, EUA, China e União Europeia, anunciaram sua intenção de ratificar ainda este ano.

A cerimônia marcou o início de um novo capítulo nas negociações internacionais sobre o clima. Com a assinatura, os países mostraram que aceitam o acordo a nível nacional e se comprometeram a delinear seus calendários nacionais de ação para assegurar que o acordo venha a ter força de lei internacional, ajudando a transformar as promessas feitas na conferência do clima de Paris (COP21), no ano passado, em ação contra as mudanças climáticas.

“Estamos fazendo história aqui”, afirmou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, na abertura da cerimônia, ao comentar o número de assinaturas. “Estamos quebrando recordes nesta sala, e isso é uma boa notícia. Mas outros recordes estão sendo quebrados lá fora: o recorde de temperaturas, o recorde de perda de gelo e recorde de nível de carbono na atmosfera”. Segundo ele, o mundo está numa “corrida contra o tempo” e os países devem transformar o acordo em lei doméstica o quanto antes.

acordo-de-paris-dia-da-terra-onu-bankimoon-leonardodicaprio-22-de-abril-800No encerramento, o ator e militante ambiental Leonardo DiCaprio também ressaltou o senso de urgência, falando aos delegados: “Vocês sabem que a mudança climática está acontecendo mais rápido do que os cientistas mais pessimistas nos alertaram décadas atrás, e está se tornando um trem desgovernado trazendo consigo um desastre iminente para todas as coisas vivas”, disse. “Sim, nós obtivemos o Acordo de Paris (…) mas as evidências nos mostram que isso não basta. Nosso planeta não poderá ser salvo a menos que deixemos os combustíveis fósseis no subsolo, que é o lugar deles”.

A cerimônia desta sexta-feira em Nova York é um momento político crucial, por mostrar que o espírito de engajamento visto em Paris se mantém. A presença de vários chefes de Estado, como a presidente Dilma Rousseff e o premiê canadense Justin Trudeau, acrescentou peso ao evento. Mas ele não retira um grama sequer de dióxido de carbono da economia global ou da atmosfera. Ainda é necessário que pelo menos 55 países, que representem 55% das emissões mundiais, ratifiquem o Acordo de Paris – ou seja, transformem-no em lei – antes que ele entre em vigor, em 2020. E, igualmente importante, é preciso que os países revejam o quanto antes o nível de ambição de suas metas nacionais (as chamadas INDCs), já que o nível agregado de ambição das promessas de cada um ainda mantém o mundo numa trajetória de aquecimento de 2,7oC a 3,5oC neste século.

Para a assinatura, Ban Ki-moon havia demandado aos países que fizessem quatro coisas:
1. atualizassem a ONU sobre como pretendem implantar seus planos de combate à mudança do clima;
2. delineassem seus roteiros de aumento de ambição de forma a colocar o mundo na trajetória do objetivo de Paris de manter o aquecimento bem abaixo dos 2oC;
3. indicassem o calendário de ratificação; e
4. anunciassem mais esforços na ação até 2020.

Alguns países cumpriram parte da tarefa. O presidente da França, François Hollande, anunciou que a União Europeia, terceiro maior emissor do planeta, prepara a ratificação para este ano. Zhang Gaoli, vice-primeiro-ministro da China, prometeu que o maior emissor do planeta ratificaria o Acordo de Paris em setembro. E John Kerry, secretário de Estado dos EUA, anunciou que o maior emissor histórico e segundo maior emissor do mundo está “esperando se juntar ao acordo neste ano”.

Os EUA não devem ratificar o acordo, já que isso depende do Senado – que tem por tradição não ratificar tratados internacionais, menos ainda em clima, agenda contrária à do Partido Republicano. A adesão americana deve se dar por um ato do Poder Executivo, mas terá peso de lei.

Kerry, que assinou o acordo em nome do presidente Barack Obama com a neta Alex no colo, disse que Paris foi um ponto de virada, mas que a guerra do clima está longe de estar ganha. “Nada do que precisamos fazer está além das nossas capacidades tecnológicas. A única questão é se está além da nossa resolução coletiva”, disse.

A (falta de) posição do Brasil

acordo-de-paris-dia-da-terra-onu-bankimoon-dilmarousseff-22-de-abril-400A presidente Dilma Rousseff (na foto ao lado com Ban Ki-moon) fez discurso de cerca de nove minutos, no qual assumiu o compromisso de assegurar a “pronta entrada em vigor” do acordo no Brasil. Ela, porém, não se comprometeu com um calendário de ratificação, não delineou como o Brasil pretende aumentar suas ações e limitou-se a cobrar mais compromissos dos países ricos e a reiterar as metas assumidas em setembro do ano passado, na INDC. “Realizar os compromissos que assumimos irá exigir a ação convergente de todos nós, de todos os nossos países e sociedades, rumo a uma vida e a uma economia menos dependentes de combustíveis fósseis”, afirmou a presidente.

“A presidente frustrou quem esperava uma demonstração de grande liderança do Brasil na ação contra a crise climática”, afirmou Carlos Rittl, secretário-executivo do OC. “Preferiu apenas reafirmar compromissos já anunciados, em vez de dizer como o país pretende aumentar sua ambição climática daqui para a frente. Falou da importância de seguirmos, todos, um caminho de desenvolvimento sustentável. Mas não deu nenhum sinal de que iremos mudar o modelo insustentável de desenvolvimento atual, que privilegia os combustíveis fósseis.”

Segundo Rittl, num país em profunda recessão, é fundamental  perceber que o que é bom para o clima é bom para a economia. “O governo brasileiro, porém, parece ainda ter medo de falar sobre acelerar a descarbonização. Felizmente a sociedade nacional está se mexendo muito mais rápido do que o poder público e trabalhando para tornar a ação climática agenda estratégica de desenvolvimento do país”.

Texto publicado originalmente no site do Observatório do Clima

Foto: Divulgação Nações Unidas

2 comentários em “Acordo de Paris tem adesão recorde

  • 24 de abril de 2016 em 9:15 AM
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    A nós parece estranho que cobrem da presidenta um compromisso além do que foi delineado em setembro, quando agora ela nem sabe se ficará no cargo. Devemos cobrar dele ou de quem quer que, ilegitimamente, tome o poder a transparência nas ações que nos levarão ao cumprimento do acordo. É uma tarefa cidadã.

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Observatório do Clima

Fundado em 2002, o OC é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil