A verdadeira origem do Porg, o mais novo personagem de Star Wars

Como milhares de outros fãs do legendário universo Star Wars (Guerra nas Estrelas, no Brasil), após dois longos e super ansiosos anos, finalmente, no dia 14 de dezembro, fui ao lançamento do novo filme da franquia: Os Últimos Jedi (Last Jedi, título original em inglês).

Apesar de um furacão de efeitos de última geração e uma belíssima fotografia, logo nos primeiros 30 minutos foi possível perceber que, infelizmente, o filme de 2017 tem tudo para se tornar o marco histórico da transição definitiva de um mundo Star Wars criado pelo genial George Lucas para uma série de filmes da Disney.

Com altos e baixos, o novo filme – apesar de dividir opiniões – introduz um novo e simpático personagem que já se tornou unanimidade no coração de espectadores de todo o mundo, o Porg.

Porg é uma espécie fictícia de animal que habita o complexo de ilhas que abriga nada menos que o Santuário Jedi no planeta Ahch-To local, onde o Mestre Jedi Luke Skywalker permaneceu exilado por anos.

Descritos como “aves marinhas” pelo site Wookiepedia, uma das fontes de maior credibilidade sobre o assunto, os Porgs (foto abaixo) são, na verdade, muito semelhantes ao que seria o resultado impensável de um cruzamento pitoresco entre uma foca (cabeça) e um pinguim (corpo).

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Mas afinal, o que teria inspirado a Disney a criar um novo personagem exatamente neste filme e – mais importante – por que justamente uma espécie que habita esta ilha?

Para responder a esta pergunta precisamos rapidamente voltar a 2015, quando escrevi o post Novo filme da série Star Wars coloca em risco santuário de aves ameaçadas, aqui, no Conexão Planeta.

Nele, abordei criteriosamente o fato de as filmagens de O Despertar da Força (The Force Awakens, título original em inglês) causarem impacto ambiental significativo por serem realizadas em um santuário da vida selvagem protegido por lei, a ilha Skellig Michael, localizada a 13 km da costa da Irlanda, localidade atualmente classificada como IBAS ou Áreas Importantes para Preservação de Aves, designação dada apenas a territórios reconhecidos como habitats insubstituíveis na conservação de aves silvestres.

Na época, um dos meus entrevistados foi Eric Dempsey, um dos maiores ambientalistas da Irlanda, que afirmou estar profundamente decepcionado com o governo por ter autorizado a locação de Skellig Michael para os estúdios Disney, mesmo estando ciente dos impactos que seriam gerados.

“A ilha, é um dos locais mais preciosos do país e, graças ao consentimento do governo, foi depredada pelo uso de helicópteros, equipamentos pesados, cabos e pisoteamento pelas pessoas da equipe durante as filmagens que, em parte, foram equivocadamente realizadas durante a época de reprodução das aves, momento em que milhares delas constroem seus ninhos nos penhascos, no solo, ao redor e dentro das ruínas históricas”, afirmou Dempsey.

Voltando agora a 2017…. a ilha (foto abaixo) é, de fato, um dos locais mais importantes para a reprodução de espécies de aves marinhas ameaçadas, principalmente o simpático Papagaio-do-mar, uma bela ave marinha ameaçada de extinção e incluída na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).

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Apesar de toda a polêmica em torno da ilha Skellig Michael, os estúdios Disney seguiram em frente e acabaram por presentear a equipe de efeitos especiais com um dos maiores “desafios” da década, um efeito colateral bastante óbvio para ambientalistas mas, pouco perceptível para cineastas.

Você conseguiria imaginar o que seria? Não? É fácil!

Se imagine, por um instante, gravando Star Wars, filme sobre uma galáxia distante recheado de espécies alienígenas, que se passa em um local totalmente ocupado por bandos de milhares aves. Atente para este detalhe: são milhares de aves nativas do planeta Terra, espalhadas por todos os cantos da locação, enquanto você grava as cenas de um filme que se passa em outra galáxia, onde nosso planeta simplesmente não existe. Já descobriu o problema?

Seria cômico se não fosse trágico e – claro! – seria um desafio absurdamente mais fácil de superar se o local escolhido para as filmagens tivesse sido outro. O grande problema – o curioso efeito colateral enfrentado pela equipe de gravação de Star Wars – veio, exatamente, dos milhares de Papagaios-do-mar (Fratercula arctica), aves nativas da Terra e não do planeta Ahch-To, que apareciam ao fundo de absolutamente todas as filmagens.

Foi neste momento que Rian Craig Johnson, diretor do filme Os Últimos Jedi, teve a brilhante ideia de converter todas as imagens de Papagaios-do-mar registradas em, imagens de criaturas fictícias, mas muito semelhantes a eles.

Em vez de tentar apagar digitalmente cada um dos Papagaios – tanto as relativamente próximas dos protagonistas, quanto as centenas que apareciam ao fundo, na paisagem -, a equipe de efeitos especiais, inspirada pelo diretor, criou o Porg, uma espécie alienígena nativa da ilha do Santuário Jedi que, por conta da situação, têm tamanho e comportamento extremamente similares à espécie da ilha irlandesa.

Inicialmente, a informação foi revelada por Jake Lunt Davies, designer de criaturas da Disney, responsável pela concepção dos agora mundialmente famosos Porgs, em entrevista para o site StarWars.com, publicada em 15 de dezembro.

Segundo Davies, Johnson estava determinado a solucionar a “questão dos Papagaios” e convocou a equipe de efeitos especiais: “Não é possível removê-los! Não é possível nos livrarmos deles fisicamente. Removê-los digitalmente seria uma perda de tempo e dinheiro, então, vamos realizar as filmagens incluindo os Papagaios e nos inspirar na espécie para criar nosso próprio personagem”.

Mas por que optar por uma criatura com cabeça e olhos grandes de mamífero se a inspiração partiu de uma ave? Simples: estudos como On Cuteness: Unlocking the Parental Brain and Beyond, publicado na revista Trends in Cognitive Science, apontam que os seres humanos sentem afeto em resposta a determinadas características típicas de bebês, um mecanismo que garante a sobrevivência da espécie. Tal informação científica tem sido explorada com sucesso por estúdios de animação.

Assim nasceram os Porgs, criados (quase) à imagem e semelhança dos Papagaios-do-mar, a solução perfeita para que a equipe de efeitos especiais pudesse encobrir qualquer vestígio da espécie captado durante as filmagens. E também sugerir aos espectadores que qualquer movimentação semelhante, ao longe, na paisagem seria a de um Porg alienígena e, não, a de um Papagaio terráqueo (foto abaixo).

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Fotos: Divulgação e Wikimedia Commons.

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Sandro Von Matter

Pesquisador em ecologia e conservação, se dedica a investigar questões sobre o topo das florestas tropicais e as fascinantes interações entre animais e plantas. Hoje, à frente do Instituto Passarinhar, é um dos pioneiros em ciência cidadã no Brasil, e desenvolve projetos em conservação da biodiversidade e restauração ecológica, criando soluções para tornar os centros urbanos mais verdes.