A vaidade é cinza

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Tudo tão cinza… É preciso defender a multidão apequenada nos guetos. Sufocam-na com tinta cinza para aumentar a revolta. A desculpa é que era preciso cobrir uns grafites já desbotados e pichados. Diz o mandante que quer criar um grafitódromo. Para enquadrar todo mundo, para colocar numa gaiola. Que discurso antigo.

Grafite já faz parte da cidade. E muitos dos que foram apagados ainda eram bem visíveis. Não enxerga um palmo… Prefere o cinza. Não quero endemonizar a cor porque gosto dela combinada. Então, acho que vou dar um pulo em São Paulo, munida de spray amarelo, azul, verde, vermelho. Não que eu tenha o dom de pintar. Vou fazer faixas, riscos… Só para descarregar essa minha raiva e tristeza diante de uma atitude tão mesquinha, burra, irresponsável.

Não tem nexo. Não faz o mínimo sentido. Parece coisa de gente que não vive a cidade ou acha que a cidade é só dela. Não pode ser atitude de homem público. Não querer conviver com arte fora dos museus cheira a pedantismo. Quando uma atitude é tão incompreensível e despropositada, como essa, faltam até argumentos. Não se imagina ter que explicar o óbvio. Ter que dizer sobre grafite ser uma forma de expressão.

As opiniões de especialistas estão por aí. Achei pertinente uma abordagem no Jornal El País, dizendo que a cruzada do prefeito (que ele diz ser contra os pichadores e não grafiteiros) tem tudo para ser um tiro no pé. “O picho trabalha com a noção de perseguição e proeza. Então se ele diz que vai perseguir pichadores, isso pode servir como atrativo para que os jovens pichem mais ainda”, afirma Alexandre Barbosa Pereira, antropólogo e professor da Unifesp que fez seu mestrado sobre o tema. Em que a cor incomoda? Prefere arte mais cinzenta? Uma nuvem cinza pairando sobre a administração.

Em Curitiba, a política também deixou a cidade mais cinza. Há 34 anos, janeiro vinha sendo o mês da música. Alunos e professores de todo Brasil e do exterior desembarcavam na capital com seus instrumentos, partituras e sons. Mas este ano a Oficina de Música de Curitiba foi cancelada, assim, sem mais, nem menos.

Mais uma atitude arbitrária de um prefeito que entra. Disse que queria economizar para aplicar em saúde. O montante arrecadado com o cancelamento foi realmente significativo. É o correspondente a cinco horas para manter o SUS, calculam por aí.

Os artistas em Curitiba fizeram Escutaços pelas ruas e prédios públicos. Ouviu-se uma cidade triste, sem Oficina de Música.  Ouviu-se cada concerto que não houve…

Sem Oficina, os cerca de 100 professores não entraram nos aviões, de posse das suas passagens já compradas e pagas pelo município. A taxa de devolução do dinheiro foi realmente uma economia. O prefeito, que tem fama de homem culto, quis jogar para a plateia de eleitores que não tem noção da importância da arte e acha isso uma bobagem.

Ficou muito mal para ele. Dizem que pensou em fazer a Oficina no mês de outubro ou novembro, em conjunto com um Festival de Ópera de um amigo. Só que aluno de Oficina de Música não vem para Curitiba fora dos meses de férias, prefeito…  E é provável que a mudança nem aconteça porque parece que ele brigou com o amigo. Sabe-se lá.

Em suma: a cidade está sujeita aos humores instáveis. Já se fala em Oficina de Música em junho. O fato é que o prefeito preferiu arcar com os custos de cancelar um evento consolidado na cidade para tentar deixar a sua marca em alguma outra coisa na área, ao que parece.

Que arco-íris mais cinza! Com um pote,  lá no finzinho, cheio de cinzas recolhidas da fogueira das vaidades! Um desrespeito atroz com alunos e professores o cancelamento há menos de um mês da Oficina. Alunos contando com a viagem, professores que deixaram de fazer concertos e cursos porque tinham compromisso em Curitiba. Se queria mesmo cancelar porque não deixou para o ano que vem? Também não seria uma atitude louvável, mas ao menos não seria algo tão intempestuoso e absurdo.

E para terminar a coleção de absurdos deste começo de ano, deixo vocês com mais cenas tétricas. Não tem ligação com política, mas também tem a ver com atitudes impensadas, sem sentido, idiotas mesmo para resumir numa palavra mais intempestuosa porque difícil ser de ferro diante desses comportamentos.

É irritante e aterrorizante ver selfies tiradas no Memorial do Holocausto, em Berlim. O artista plástico israelense Shanak Shapira reuniu várias delas e as transportou para um contexto tristemente histórico. O que leva uma pessoa a sorrir, fazer poses e dançar num local que existe para lembrar a memória de seis milhões de judeus na Europa?

Até onde vai o ímpeto pelo turismo, pelo entretenimento e pela exposição nas redes sociais? Ao que parece a investida de Shanak está dando algum resultado. As pessoas parecem ter se envergonhado. Resolveram tirar as fotos das suas linhas do tempo e enviaram mensagens ao artista se desculpando pela atitude.

Agora o site não tem mais fotos, mas tem  mensagens, umas  até bem mal-educadas.  Dá uma olhada lá.

Foto: domínio público/pixabay (abertura) e reprodução Facebook Shanak Shapira

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Karen Monteiro

Com arte, tá tudo bem. Se as exposições, peças de teatro, shows, filmes, livros servirem de gancho para falar de questões sociais e ambientais, tanto melhor. Jornalista, tradutora, cronista e assessora de imprensa, já colaborou com reportagens para grandes jornais, revistas e TVs.