A onça do alívio

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Quando elegi meus primeiros fotógrafos de natureza favoritos, ainda na porta de saída da adolescência, fantasiava um bocado sobre esse estilo de vida. Imaginava uma infinidade de longas expedições para lugares remotos, contato com culturas exóticas, observação de animais incríveis e todas essas coisas que a sociedade, em geral, costuma classificar como aventura.

Algumas décadas depois, vivo (de certa forma) esse estilo de vida. E é realmente um privilégio! Mas ninguém conta pra gente que a grande aventura dessa escolha é, de fato, conseguir fazer disso um meio de vida. A proporção entre “tempo de longas expedições” e “tempo planejando e viabilizando financeiramente as longas expedições” é consideravelmente menos favorável do que era na minha fantasia.

O processo de democratização da fotografia que vivemos hoje, tornou cada vez mais desafiador viabilizar a profissão. O abismo qualitativo que já separou profissionais de amadores está cada vez mais estreito e, por vezes, é até inexistente. Penso que, hoje, as duas categorias estão mais separadas pelas capacidades de articular e atender mercados do que pelas capacidades de produzir imagens belas e impactantes.

Nesse contexto, um dos mercados fotográficos que emergiram com intensidade foi o de expedições e workshops fotográficos. Nesse segmento, o fotógrafo profissional oferece, aos seus clientes, além da troca de conhecimento técnico e estético, a oportunidade de colocá-los frente à frente com seus objetos de desejo fotográfico. E quando falamos de fotografia de natureza no Brasil, um dos maiores “objetos de desejo” é a onça-pintada.

Há cerca de dez anos, era inconcebível pensar em organizar uma expedição para fotografar especificamente o terceiro maior felino do planeta. Os encontros eram imprevisíveis e, em geral, com poucas chances de fotografias. Mas diversos fatores fizeram com que, agora, em alguns lugares, o avistamento de onças-pintadas seja praticamente uma garantia. O problema é que, em ambientes naturais, esse “praticamente” pode gerar emoções intensas.

Alguns meses atrás, conduzi meu primeiro workshop, cujo principal foco era a fotografia de onças. Já havia – óbvio! – feito o reconhecimento da região um ano antes. Naquela viagem, em um único dia, vi e fotografei três pintadas. E os relatos apontavam que, em uma viagem de três dias, era quase impossível não encontrá-las.

Chegamos à “onçolândia” ansiosos: meu grupo para ver as bichanas e eu para que todos fizessem boas fotos. Na primeira tarde, o encontro foi bem frustrante. O bicho estava na sombra, bastante escondido no meio de galhos. Todos viram, mas quase que na base da fé.

Na manhã seguinte, minha ansiedade aumentava em progressão geométrica com o passar do tempo. Navegamos por cerca de uma hora e meia sem sucesso. Até que, numa curva do rio, o barqueiro diminuiu, rápido, a velocidade. Olhei para trás e ele apontou para a frente com o nariz e disse: “onça no pé da árvore”.

E, de fato, lá estava o maior macho que já vi na vida, deitado com aquela tranquilidade que só um predador de topo de cadeia alimentar pode ter. A árvore emoldurava a cena lindamente, e meu primeiro pensamento sorridente foi: “todos terão uma boa foto de onça!”

Tivemos várias oportunidades de ver e fotografar esses bichos magníficos após esse primeiro encontro. Mas aquele macho imenso foi a onça do meu alívio.

Agora, vamos às informações técnicas da foto:
– Câmera Nikon D810 + Objetiva Nikon 400mm f/2.8 + Teleconverter 1.4x
– Exposição: ISO 800, Abertura f/4 e Velocidade 1/400 s
– Monopé.

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Marcos Amend

A natureza sempre foi uma paixão para Marcos Amend que, ainda adolescente, passou a observá-la também pelas lentes de uma máquina fotográfica. Assim, aliando o talento fotográfico à conservação do meio ambiente, há 25 anos viaja do Norte ao Sul do Brasil e pelos cantos mais remotos do mundo. Colabora com livros, revistas e bancos de imagens e realiza expedições, cursos e workshops de fotografia outdoor.