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A nudez que evapora nos banhos japoneses

A nudez que evapora nos banhos japoneses

O vapor… Esse impermanente que vai se chegando… Devagar segue tomando conta das nossas formas e poros. Moldando e contornando jeitos e ares. Calando comportamentos. Entra pelos sete buracos da nossa cabeça. Essa presença. Pena que não silencie os automóveis e as motocicletas, como a presença cantada por Caetano Veloso.

Dois átomos de hidrogênio. Um de oxigênio. E matamos nossa sede. E tomamos nosso banho de mar, de rio, de cachoeira. Dois átomos de hidrogênio, um de oxigênio voando por aí. Soltos ao léu… E produzimos nós também mais dois átomos disso e daquilo. Mais suor, mais lágrima. Mais água. Indo para terra, subindo para o céu. Caminhando rumo às estrelas que brilham entre o relaxamento e a sensação de purificação. Tradição que remonta a um longínguo século 8 e transcende o indivíduo.

Sem fazer sala, os banhistas chegam aos sentos. Sentos, os banhos públicos japoneses. E nós observamos tudo, graças a Isolda Labote, artista greco-suíça que capturou a tradição dos banhos públicos japoneses, originária da religião xintoísta.

Hoje os banhos são em menor número. “Eles formam uma ilha democrática mista dentro dos bairros, onde os jovens e os velhos, os oficiais e os trabalhadores, os empregados e os aposentados purificam seus corpos e almas”, diz o texto do crítico Fabien Franco, enviado para mim por Isolda.

Os banhistas respiram história. Encharcam-se de eternidade entre nuvens que vêm das caldeiras, sem fiações elétricas. Sem precisar de usinas que nos conectam à escravidão do mundo moderno. O trabalho de Isolda vai integrar em Genebra, na Suíça, a exposição AQUA- Artistas contemporâneos e os recursos hídricos. A abertura será no Dia Mundial da Água, 22 março.

Que triste precisarmos de um dia assim. Depressivo saber que precisamos falar incansavelmente dessa corrente insustentável de contaminação, que se prolonga por todos os cantos do mundo e nos aprisiona em sustos homeopáticos, numa constância aterradora de embates com a destruição e a sujeira que não se dissolvem no nosso líquido mágico. Ele não tem algum truque para se salvar e nos salvar da poluição líquida das megalópoles. Tudo tão fluido e fugaz nessa ausência maciça de entendimento sobre o que é realmente importante. O que é básico.

O que “é branca verde, vermelha azul, amarela… A tua presença”, a nossa presença na tela “O Banho turco” (1863) do francês Ingres.  São “… mulheres arrebanhadas e preparadas para o prazer do macho, a quem de modo algum podem recusar satisfação. Em segundo lugar, o quadro é fortemente voyeurístico. Nós estamos olhando uma cena normalmente proibida ao olhar masculino. Em terceiro lugar, há um aspecto de afetação homossexual em algumas das poses…, segundo o crítico Lucie-Smith.

Banhos de Ingres, que nadam em orientalismo, na época, em moda na França, por causa das guerras napoleônicas no Oriente. Banhos de Isolde, mostrando a maneira japonesa de ver a nudez. Os artistas nos proporcionam observar os banhistas na intimidade pública. Invadimos o público com nossas roupas e preconceitos, nossa visão tão limitada e irrespirável sobre a nudez.

“Mesmo com a segregação de homens e mulheres, instituída no século 19 com a chegada dos cristãos pudicos, a maneira japonesa de ver a nudez não é a mesma que a de um ocidental”, afirma Fabien.

A nudez é a presença que quando transborda pelas portas e janelas, não procura desintegrar a integridade bem composta. Quando ela simplesmente existe sem denominações e apreensões, de forma natural e livre, sem culpas e desculpas, evaporam-se medos e segredos. O oculto é tocado pela varinha de condão.  Abacadabra!

AQUA – Artistas contemporâneos e os recursos hídricos
Data: 22 de março a 02 de julho de 2017 (abertura no Dia Mundial da Água)
Local: Ilê Rousseau, e Chateado de Pontes, Genebra – Suíça.

Fotos: arquivo pessoal Isolda Labote

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